Título: Defensoria pública para réu sem dinheiro
Autor: Jeronimo , Josie
Fonte: Correio Braziliense, 29/07/2012, Política, p. 2/3

Os advogados dos réus envolvidos no escândalo do mensalão formam a elite de criminalistas do país. Os valores dos honorários estão guardados a sete chaves, mas as cifras que envolvem os contratos entre os acusados e os escritórios são milionárias. Em meio a essas estrelas da advocacia, apenas um dos 38 réus recorreu à Defensoria Pública da União para se defender das acusações. Denunciado por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, o empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, ex-dono da corretora Natimar, terá sua defesa paga com recursos públicos porque alegou não ter dinheiro para contratar um advogado. Em entrevista ao Correio, ele garantiu que vive hoje com um salário mínimo e, por isso, recorreu ao trabalho de um defensor. Para Quaglia, isso não reduz suas chances de absolvição. "Eles (os defensores) são pessoas qualificadas. O caso é bem simples porque não há provas contra mim."

Recorrer a um advogado público é um direito de todos os cidadãos. Não é preciso sequer alegar falta de condições financeiras para ter acesso aos serviços de um defensor. Em qualquer processo, quando não é designado um advogado, automaticamente o tribunal determina que um profissional da Defensoria Pública assuma o caso. Carlos Alberto Quaglia chegou a ter um advogado particular no início do processo, mas, em 2010, Dagoberto Antoria Dufau, que era responsável por sua defesa, enviou petição ao Supremo para informar que estava deixando o caso. O Código de Processo Penal determina apenas que, ao abandonar a causa, o advogado deve comunicar previamente o juiz.

O argentino Carlos Alberto Quaglia era dono da empresa Natimar que, segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República, lavava recursos do esquema de Marcos Valério para repassá-los a parlamentares e líderes do Partido Progressista (PP), como José Janene, Pedro Corrêa e Pedro Henry. O réu nega a acusação e diz que foi usado como "bode expiatório" do mensalão. "Todas as pessoas ganharam dinheiro no esquema. Eu, não. Hoje em dia, não consigo sequer abrir conta em banco", reclama o acusado.

Aposentadoria

Depois do aparecimento do escândalo, Quaglia diz que sua empresa fechou as portas. "Hoje, vivo com a minha aposentadoria por idade, que é de um salário mínimo. O que me salva é que tenho uma casa própria", comenta o réu. Vivendo no Brasil há mais de 30 anos, Quaglia, nascido na Argentina, ainda tem um forte sotaque. Ele mora em Florianópolis, em um bairro de classe média.

O réu não pretende vir a Brasília para acompanhar o julgamento. No plenário do Supremo, quem fará a sua defesa é o defensor público-geral federal Haman Tabosa de Moraes e Córdova. "A única vez que fui a Brasília foi quando me convocaram para depor no Senado. Normalmente, comunico-me por e-mail ou por telefone com os defensores públicos."

Quaglia acredita em sua absolvição no processo e afirma que a acusação contra ele é "absurda". "Convicção é impossível dizer que eu tenho, mas estou confiante (na absolvição). Conversei com os defensores públicos, que são pessoas de gabarito, e eles garantiram que não há nenhuma prova contra mim. Fui usado nesse esquema, mas sou inocente", garante o dono da extinta empresa Natimar. Além da acusação de lavagem de dinheiro, que prevê pena de três a 10 anos de detenção, ele responde por formação de quadrilha, crime que pode deixá-lo de um a três anos atrás das grades.

Ativista de movimentos sociais, Quaglia diz que é budista e avesso ao consumismo. "Levo minha vida de forma simples, o dinheiro e o status não me seduzem", afirma. Questionado sobre o por que de ter recorrido aos serviços de um defensor público, ele responde: "Minha vida não é fácil e eu não tenho dinheiro para pagar advogados." Quando o escândalo estourou, Quaglia diz que as pessoas olhavam "de forma estranha" para ele. "Mas agora as pessoas me respeitam e sabem que eu sou inocente", finaliza.

Minha vida não é fácil e eu não tenho dinheiro para pagar advogados"

Hoje, vivo com a minha aposentadoria por idade, que é de um salário mínimo" Carlos Alberto Quaglia, ex-dono da corretora Natimar

O caminho da lavagem de dinheiro

As acusações contra Carlos Alberto Quaglia estão intimamente ligadas às denúncias contra outros dois réus do mensalão: Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg, administradores da corretora Bônus Banval. Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), deputados e assessores do PP receberam R$ 2,9 milhões do ex-ministro José Dirceu para que a bancada do partido votasse de acordo com os interesses do governo federal. E esse repasse teria sido feito por meio de um esquema organizado por Quaglia, Quadrado e Fischberg.

De acordo com as apurações da PGR, o ex-deputado do PP José Janene, já falecido, teria apresentado Marcos Valério a Enivaldo Quadrado e a Breno Fischberg, administradores da Bônus Banval. Janene teria apontado a corretora como a intermediadora entre os repasses do PT ao PP. Os recursos deveriam ser remetidos à Bônus Banval, que, posteriormente, entregaria o dinheiro às pessoas indicadas por Janene.

Durante o processo, Enivaldo Quadrado e Fischberg alegaram que a aproximação com Marcos Valério teria sido motivada por um interesse do publicitário em comprar a corretora — o que foi negado em juízo por Valério. A denúncia diz que as empresas de Marcos Valério depositavam recursos na conta da Bônus Banval e, na sequência, Breno Fischberg e Enivaldo Quadrado direcionavam os recursos para a conta interna da Natimar. Depois da assinatura de Carlos Alberto Quaglia, eram feitos depósitos nas contas-correntes dos destinatários reais, vinculados ao PP.

"Dessa forma, o dinheiro que entrava na conta-corrente inicial tendo como fonte empresas vinculadas a Marcos Valério aparecia, no fim da operação de lavagem, na conta-corrente do destinatário final como se a origem fosse a Natimar", diz um trecho das alegações finais do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, entregues ao Supremo no ano passado. "Dentro da estrutura do grupo, o papel de Carlos Alberto Quaglia era de assinar as autorizações de transferências confeccionadas pela Bônus Banval, a fim de que o dinheiro recebido das empresas de Marcos Valério fosse depositado para os destinatários finais."

Em sua defesa, Quaglia afirmou que percebeu um saldo indevido em sua conta interna da Bônus Banval e que, ao pedir um estorno desse valor, Enivaldo Quadrado teria informado que não poderia fazer a operação por conta de uma auditoria em curso na corretora. Quadrado teria pedido para Quaglia assinar cartas de transferência para terceiros que ele nem conhecia. "A versão, entretanto, não pode ser aceita. Breno Fishberg, Enivaldo Quadrado e Carlos Alberto Quaglia atuaram em conjunto para implementar as operações criminosas", afirma a PGR. A reportagem procurou o advogado Antônio Sérgio Pitombo, que representa Quadrado e Fischberg. Mas ele explicou que a estratégia da defesa é não dar entrevistas nem falar sobre o caso. Os dois administradores da corretora Bônus Banval também respondem por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. (HM)