Título: A mãe de todas as batalhas
Autor: Craveiro , Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 29/07/2012, Mundo, p. 21
Os tanques estão a algumas dezenas de metros daqui. O prédio sacode e ocorre uma explosão a cada 15 segundos. Eles lançam foguetes pesados. Estou com o corpo colado ao chão. É assustador." São 7h de sábado em Aleppo (1h em Brasília) e um morador do bairro de Salaheddine (sudoeste) descreve ao Correio o começo da "mãe de todas as batalhas" — a ofensiva final das tropas do ditador Bashar Al-Assad para aniquilar o Exército Sírio Livre (ESL) e retomar o controle da capital econômica do país. Algumas horas depois, vídeos no site YouTube mostravam corpos de rebeldes abandonados pelas ruas. "As gangues de Al-Assad estão usando tanques T-72, helicópteros e artilharia pesada. Há muitos prédios destruídos e dezenas de feridos. O quinto andar do edifício à minha frente tem cinco grandes buracos, e posso ver através deles", relatou o mesmo morador.
Apesar de os combates ainda não terem alcançado o bairro de Al-Azizieh, o estudante de economia Mario Haddad sabe que é questão de tempo para a violência bater à porta de sua casa. "Eu estou muito preocupado. Eles já destruíram Homs, Hama e Deraa. O Exército sírio provavelmente quer acabar com Aleppo, também", afirmou à reportagem, pela internet. A família de Haddad já tem bilhetes aéreos reservados para 8 de agosto. A tentativa de sair do país poderá ser inócua. "Há voos decolando todos os dias, mas percorrer os 15 minutos de carro até o aeroporto não é seguro", emendou. Com base em um depoimento de um comandante do ESL, a rede de tevê Al-Arabyia divulgou que as forças de oposição teriam conseguido repelir os ataques do Exército.
Por telefone, Rami Abdel Rahman, diretor do Observatório Sírio para os Direitos Humanos (baseado em Londres), disse ao Correio que, até as 12h30 de ontem (hora de Brasília), os combates em Aleppo haviam matado 35 pessoas, incluindo 10 soldados, três mulheres e uma criança. A organização não governamental divulgou que 20.028 sírios morreram desde o início do levante, em 15 de março de 2011 — 13.978 civis e rebeldes, 968 desertores do Exército e 5.082 membros das forças do regime. "A matança continua e ninguém poderá detê-la", afirmou Rahman.
Após uma tempestade de fogo desabar sobre Aleppo durante quase todo o dia, os combates eram uma pausa no início da noite. "O ataque contra Salaheddine foi suspenso e nós seguimos o Exército regular até o bairro de Hamdaniye", disse à agência France Presse o coronel Abel Jabbar Al-Qaidi, chefe do conselho militar de Aleppo. De acordo com ele, a tática do ESL é mover-se de bairro em bairro e limpá-los dos membros dos serviços de segurança e das shabihas (milícias pró-regime), antes de avançar.
Apesar da relativa calma, os disparos de artilharia e dos helicópteros prosseguiam por mais de 12 horas. "Vivemos em uma cidade fantasma. Você não pode sair de casa, ao menos que seja realmente importante. As lojas fecharam ao meio-dia, e a vida noturna no Ramadã já foi bem diferente. Aleppo costumava ficar acordada até a madrugada", lamenta outro morador do bairro de Al-Jamelieh (center), distante dos confrontos. "As coisas melhorarão nos próximos dias, depois que o ESL for chutado para fora de Alepo", aposta o sírio, que contou ter se simpatizado com a revolução até que ela se transformar em luta armada. "Hoje, sou a favor da democracia."
Diplomacia
O governo da Rússia advertiu ontem que "uma tragédia" ameaça Aleppo e previu uma reação contundente do regime de Al-Assad. "Estamos convencendo o governo de que tem que dar os primeiros passos, mas quando a oposição armada ocupa cidades como Aleppo, onde outra tragédia se prepara, segundo entendo, não é realista contar com a aceitação do governo", declarou o ministro das Relações Exteriores, Serguei Lavrov. O chanceler admitiu que manterá contatos com a oposição síria e que não pretende conceder refúgio ao ditador. Em contrapartida, o presidente francês, François Hollande, apelou ao Conselho de Segurança da ONU que autorize uma intervenção na Síria "o mais rápido possível". Ele advertiu que o fracasso diplomático significará "caos e guerra civil".
"Há muitos prédios destruídos e dezenas de feridos" Morador de Aleppo, em entrevista ao Correio, sob condição de anonimato
"As coisas melhorarão nos próximos dias, depois que o Exército Sírio Livre for chutado de Aleppo" Morador do bairro de Al-Jamelieh, em Aleppo
"Eles já destruíram Homs, Hama e Deraa. O Exército sírio provavelmente quer acabar com Aleppo, também" Mario Haddad, estudante de economia, morador de Aleppo
"A matança continua e ninguém poderá detê-la" Rami Abdel Rahman, diretor do Observatório Sírio para os Direitos Humanos
20.028
Total de sírios mortos desde o início do levante, em 15 de março de 2011, segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos
Rússia descarta a aplicação de sanções Moscou avisou que não apoiará as sanções da União Europeia contra a Síria e não dará seu consentimento às inspeções de navios com a bandeira russa. "O Conselho da União Europeia decidiu, em 23 de julho, impor o 17º pacote de sanções contra a Síria. Nós gostaríamos de reafirmar nossa posição sobre a rejeição de princípios e de sanções unilaterais em relação à Síria", declarou o porta-voz da chancelaria russa, Alexander Lukashevich. "Não consideraremos pedidos nem daremos nosso consentimento para inspeções de navios", acrescentou.