Título: Governo sabia do crack desde 1987 e nada fez
Autor: Luz , Edson
Fonte: Correio Braziliense, 03/08/2012, Brasil, p. 11

Um dos principais problemas enfrentados hoje pela sociedade já representava um perigo há 25 anos, como alertou o serviço secreto do governo. Documentos confidenciais da então Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) avaliavam, em 1987, que poderia haver a disseminação de uma droga de alto poder destrutivo: o crack. Apesar dos avisos, somente a partir dos anos 2000, que o governo brasileiro voltou os olhos para a droga, que já é considerada uma epidemia, reconhecida pelo Ministério da Saúde. No entendimento do governo, a droga avançou mais rápido do que as ações de combate e saiu de controle. Segundo estimativas de especialistas, o número de usuários no Brasil está entre 600 mil e 2 milhões.

A aprovação da Lei de Acesso à Informação revelou grandes volumes de análises oficiais fazendo referências à pedra da morte. Os primeiros relatos sobre a droga nos documentos do governo aconteceram em 1987, quando os serviços de informações analisavam a situação do país, na época considerado internacionalmente como fornecedor de insumos químicos para o refino da cocaína. O alerta observa que em Porto Velho, Rondônia, havia também outra droga que poderia ser ainda mais perigosa do que o crack — a mescla, que na verdade é a pedra da morte em seu estado pastoso. Mas, quatro anos depois, o assunto voltou a circular na esfera do serviço secreto, especialmente a SAE, que substituiu o temido Serviço Nacional de Informações (SNI), criado durante a ditadura militar.

"As tentativas de disseminação no Brasil do crack e do pitilho — cigarro de maconha misturado com a pedra da droga —, subprodutos da cocaína, muito mais violentos e baratos, que podem contribuir para o aumento dos índices de criminalidade nos centros urbanos", detalha um documento produzido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos, à época vinculada à Presidência da República. Os analistas de informações já avaliavam, em 1991, que as características "nefastas" da droga seriam danosas para o organismo humano. Neste mesmo ano, autoridades brasileiras fizeram a primeira apreensão de crack, que só começou ser classificado isoladamente há menos de cinco anos. Até então, as pedras eram consideradas como cocaína ou pasta base de cocaína.

De 1991 a 1993, o registro de apreensões de crack, que praticamente era zero, subiu para mais de 200. Novamente, o governo entrou em estado de alerta, e, conforme um documento confidencial da SAE, repetiu a preocupação. "A expansão do consumo de subprodutos de cocaína como o crack e o pitilho, no Brasil, e a disseminação do skank — uma variedade de maconha —, todos muito mais fortes e, consequentemente, mais nocivos ao organismo humano, além de mais acessíveis por serem mais baratos, tendem a recrudescer os índices de criminalidade urbana, tendo em vista os sintomas de violência já detectados em usuários dessas drogas", diz o relatório.

Os documentos sigilosos da época — os primeiros do período da redemocratização do país a serem disponibilizados pelo Arquivo Nacional — também relatavam preocupação com o nascimento de facções criminosas, principalmente no Rio de Janeiro. Lá já estava instalado o Comando Vermelho, até então o mais temido, segundo analistas do serviço secreto do governo federal. Também em 1991 surgia uma intensa onda de sequestros e a maior parte dos crimes, conforme os relatos, tinha como pano de fundo o tráfico e o consumo de drogas.

Expansão

O começo da disseminação do crack pelo país foi no centro de São Paulo, onde nasceu a primeira cracolândia do Brasil, no início da década de 1990. Depois, o consumo da pedra se alastrou para outras regiões, inclusive para o interior brasileiro, principalmente em regiões mais pobres. O principal motivo de o entorpecente ter se propagado na época é o mesmo dos dias atuais: uma droga barata e de fácil aquisição. Mesmo com os alertas sobre a droga tendo começado há mais de 20 anos, o crack só chamou a atenção dos brasileiros após o ano 2000, o que obrigou o governo a olhar para o problema com maior objetividade. Há dois anos, o Palácio do Planalto lançou um programa nacional de combate à droga e tratamento dos usuários, inclusive engajando os estados no plano de erradicação. A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça, começou a elaboração de um estudo para dimensionar a devastação da pedra, mas ele ainda não foi concluído.