O globo, n. 31239, 16/02/2019. País, p. 10

 

Brumadinho: polícia prende 8 funcionários da Vale

Silvia Amorim

16/02/2019

 

 

De acordo com promotor, ‘conluio’ entre empresas levou ao rompimento de barragem em Minas Gerais

Oito funcionários da Vale — dois executivos, dois gerentes e quatro integrantes da equipe técnica — foram presos ontem. De acordo com o Ministério Público, todos tinham conhecimento da situação de instabilidade da barragem de Brumadinho, que rompeu em 25 de janeiro, e poder, dentro da hierarquia da empresa, para providenciar a estabilização da estrutura do reservatório ou a evacuação das áreas de risco. O objetivo das prisões, que devem durar 30 dias, é apurar a responsabilidade criminal pelo desastre que causou a morte de ao menos 166 pessoas e deixou 155 desaparecidos. A polícia também cumpriu 14 mandados de busca e apreensão em três estados. Policiais foram até a sede da Vale, no Rio para recolher documentos e computadores que possam auxiliar na investigação. Outros mandados de busca foram cumpridos em Minas Gerais e São Paulo, ligados a quatro funcionários da empresa alemã Tüv Süd — que emitiu dois laudos no segundo semestre de 2018 atestando a estabilidade da barragem. Também ontem, o promotor responsável pela investigação da queda da barragem, William Garcia Pinto Coelho, afirmou que o MP já tem indícios de que houve um conluio entre funcionários da Vale e da Tüv Süd para maquiar a situação de risco da barragem. —Nas provas analisadas até o momento percebe-se uma intensa articulação para torturar os números de forma a atestar a estabilidade da barragem, apesar de seu estado crítico de segurança. Já podemos dizer que temos indícios de que houve um conluio para apresentar ao poder público uma declaração de estabilidade que não refletia a situação técnica crítica da barragem. Ontem dois presos—CristinaMalheiros e Felipe Rocha — prestaram depoimentos à força-tarefa do MP e da Polícia Civil de Minas Gerais. As oitivas vão prosseguir na próxima semana. Por enquanto, o Ministério Público afirmou não ter documentos que mostrem que executivos do alto comando da Vale, como o presidente Fabio Schvartsman, tinham conhecimento da segurança crítica da barragem e da “maquiagem” de laudos técnicos.

— É prematuro afirmar qualquer coisa nesse sentido. Para o MP, os funcionários presos ontem sabiam dos riscos da barragem.

— Dentro de suas atribuições eles poderiam intervir e não fizeram nada nesse sentido —disse o promotor. As investigações apuram o cometimento de crimes como homicídio doloso e falsidade ideológica, além de crimes ambientais. — Documentos coletados demonstram que não foi acidente. Funcionários da Vale tiveram acesso a documentos que mostravam o estado crítico da barragem e, portanto, assumiram o risco do resultado morte — defendeu Coelho.

Laudo de segurança

Um dos presos é o gerente executivo da Vale, Alexandre Campanha. O engenheiro Makoto Namba, da empresa alemã Tüv-Süd, disse em depoimento à Polícia Federal que Campanha o pressionou para assinar rápido o laudo que atestou a segurança da barragem no segundo semestre do ano passado.

Os outros funcionários da Vale presos são Artur Bastos Ribeiro, Cristina Heloíza da Silva Malheiros, Felipe Figueiredo Rocha, Hélio Márcio Lopes da Cerqueira, Joaquim Pedro de Toledo, Marilene Christina Oliveira Lopes de Assis Araújo e Renzo Albieri Guimarães Carvalho. Em nota, a empresa informou que colabora plenamente com as autoridades e permanecerá contribuindo com as investigações para a apuração dos fatos, juntamente com o apoio incondicional às famílias atingidas.

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‘Corra, porque qualquer hora aquilo lá vai romper’

Cleide Carvalho

16/02/2019

 

 

Filho de funcionário antigo de mina diz em depoimento que seu pai fez alerta sete meses antes da tragédia e sugeriu evacuação

Sete meses antes da tragédia em Brumadinho, um dos mais antigos funcionários da Mina do Córrego do Feijão havia dito à direção que a barragem “estava condenada e não tinha mais conserto”. Olavo Henrique Coelho, que trabalhava há 16 anos na Vale e há 35 anos na mina, foi um dos mortos na tragédia. O relato do filho dele, Luciano Coelho, integra a decisão do juiz Rodrigo Chaves, que determinou a prisão ontem de oito funcionários da Vale. Luciano contou ao Ministério Público de Minas Gerais que seu pai não tinha estudo, mas tinha experiência prática em barragem. Costumava ser chamado por técnicos e engenheiros para opinar toda vez que surgia algum problema em estrutura de barragem.

Sete ou oito meses antes da tragédia de Brumadinho, segundo Luciano, Coelho havia sido chamado por três responsáveis pela mina porque estava brotando lama na rampa da barragem. Ainda segundo Luciano, o pai foi ver o que estava acontecendo e disse aos gerentes que era para tirar “o pessoal todo do Córrego do Feijão”, porque a barragem “estava condenada e não tinha mais conserto”. Os chefes teriam dito ao antigo funcionário que não poderiam tirar todo mundo, porque tinha “muita gente envolvida e empregos”, e que iriam contratar uma empresa especializada, de urgência, para consertar a barragem. Luciano contou que, depois disso, seu pai lhe chamou e fez uma recomendação: “Filho, você que trabalha próximo à barragem, não fica em parte baixa não. Caso ocorra algum barulho, corra (para local seguro), porque a qualquer hora aquilo lá vai romper”. Ao determinar a prisão, o juiz Rodrigo Chaves afirmou em despacho que, de acordo com os depoimentos já coletados na investigação, todos os oito funcionários da Vale tinham conhecimento da situação precária da barragem desde o primeiro semestre de 2018. Segundo o juiz, esses funcionários da Vale assumiram o risco de não acionar o plano de emergência e realizar a evacuação da área. A barragem se rompeu no dia 25 de janeiro, deixando pelo menos 166 mortos já identificados até agora. As investigações incluem uma série de e-mails entre os funcionários da Vale e da consultoria Tüv Süd, que atestou a estabilidade da barragem. Nas mensagens, de acordo com o juiz, fica claro que os problemas já tinham sido detectados desde maio de 2018 e que os funcionários da Vale sabiam que algo deveria ser feito.

Os oito funcionários da Vale presos eram responsáveis pela gestão de risco da mina e pelo monitoramento da barragem. Segundo as investigações, eles previam medidas para reduzir a instabilidade, como um rebaixamento no lençol freático e a remineração da barragem. Os e-mails trocados com consultores da Tüv Süd, porém, indicam que as medidas surtiriam efeito apenas em dois a três anos. Olavo Henrique Coelho tinha 63 anos e era inspetor de barragem. O nome dele aparece na lista da Vale entre os mortos que já foram identificados.

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Após audiência, indenizações seguem sem acordo

16/02/2019

 

 

Ministério Público e Vale não chegaram a uma definição sobre valores; empresa se comprometeu a pagar funeral e liberar seguro

O Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais ( MPT-MG ) e a Vale participaram ontem de uma audiência de conciliação na Justiça, em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Entre os itens acordados, a Vale se comprometeu a pagar as despesas com o funeral das vítimas, liberar o seguro de vida dos funcionários que trabalhavam na mineradora e a pagar o tratamento psicológico e psiquiátrico para quem foi afetado pelo rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. Alguns pontos não tiveram uma decisão, como o valor das indenizações que deverão ser pagas aos familiares das vítimas.

A Vale também se comprometeu a apresentar a relação de trabalhadores da mineradora e de terceirizados e a continuar pagando salários para os funcionários desaparecidos. A empresa terá de apresentar documentos que ainda não mostraram, como cumprimento de normas de segurança do trabalho. Não transferir e não demitir ninguém até a próxima audiência, na próxima sextafeira, dia 22, também foi outro ponto acertado. Em relação à indenização para os familiares das vítimas, a Vale propôs pagar R$ 300 mil para os cônjuges ou companheiros, R$ 300 mil para cada filho ou filha, R$ 150 mil para cada pai e mãe e R$ 75 mil para cada irmão ou irmã. Segundo o acordo, as indenizações seriam pagas pela Vale a famílias de funcionários próprios e terceirizados.

MP apresenta proposta

Já o Ministério Público do Trabalho de Minas apresentou à Vale uma proposta para que seja assegurado o pagamento de, no mínimo, R$ 2 milhões de indenização por dano individual ao grupo familiar dos trabalhadores mortos ou desaparecidos no rompimento da barragem, desde que haja oitiva prévia e concordância expressa dos beneficiários. Ainda ontem, a Advocacia Geral da União (AGU) informou ter fechado um acordo com a Vale, pelo qual a mineradora pagará os testes de qualidade da água na região de Brumadinho. A Vale confirmou o acordo.