O Estado de São Paulo, n. 45745, 15/01/2019. Política, p. A8

 

‘Agora sei que vou para a prisão’, diz Battisti na Itália

15/01/2019

 

 

Italiano chegou na manhã de ontem a Roma e foi levado a um presídio na cidade de Oristano, onde vai cumprir pena de prisão perpétua

O italiano Cesare Battisti, de 64 anos, chegou na manhã de ontem à Itália após passar 38 anos foragido da Justiça de seu país. Ao desembarcar no aeroporto de Ciampino, em Roma, aparentava tranquilidade e sorria enquanto era escoltado pela polícia. Battisti foi levado a um presídio na cidade de Oristano, na ilha de Sardenha, onde vai cumprir pena de prisão perpétua.

“Agora sei que vou para a prisão”, disse ao pousar em solo italiano, segundo o jornal La Repubblica. No avião, de acordo com autoridades que acompanharam a viagem, Battisti falou sobre a vida e também sobre a fuga do Brasil para a Bolívia, após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux suspender uma liminar que impedia sua prisão no País, onde passou cerca de 14 anos. Ele dormiu durante boa parte do voo.

O desembarque teve forte esquema de segurança e a presença do ministro do Interior e vice-premiê italiano, Matteo Salvini. Em uma coletiva de imprensa, Salvini classificou Battisti como “delinquente” e “um covarde que nunca pediu perdão”. O vice-premiê também disse que telefonou ao presidente Jair Bolsonaro para agradecê-lo “por ter permitido concluir positivamente” a prisão do italiano.

“Reiterei o enorme agradecimento em nome dos 60 milhões de italianos por ter permitido concluir positivamente o caso Battisti”, disse. Salvini afirmou também que, durante a conversa por telefone, ambos demonstraram vontade de se encontrar em breve na Itália ou no Brasil “para estreitar os vínculos entre nossos povos, nossos governos e a nossa amizade pessoal”.

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e assessores de Bolsonaro acompanharam o telefonema.

A extradição, da Bolívia para a Itália, ocorreu em meio a tratativas entre brasileiros e italianos sobre o trajeto. Havia a possibilidade, segundo o governo brasileiro, de que Battisti fosse levado ao Brasil e só então à Itália.

O primeiro ministro da Itália, Giuseppe Conte, disse que teve uma conversa por telefone com Bolsonaro, em que os dois concordaram que a extradição seria feita a partir da Bolívia, sem escala em Brasília como o brasileiro inicialmente

defendeu. O motivo seria maior rapidez e segurança. Caso ele fosse enviado através do Brasil, havia a possibilidade de ser impostas as regras do acordo de cooperação para extradição, que segue limites fixados com base nas leis brasileiras e na Constituição.

O STF só autoriza a entrega de foragidos caso o país estrangeiro, que requer a extradição, se comprometa a não aplicar a prisão perpétua, nem a pena de morte e ainda limitar o tempo máximo de prisão a 30 anos, como vigora no País com base no Código Penal.

Ontem, Bolsonaro recebeu no Palácio do Planalto o embaixador boliviano José Kinn Franco, em audiência com Araújo. A reunião foi confirmada pelo Ministério das Relações Exteriores, embora não constasse na agenda do presidente. O governo não detalhou o teor da conversa.

Desaparecido. Com residência fixa em Cananeia, no litoral sul paulista, Battisti estava desaparecido desde 14 de dezembro, após a decisão de Fux. Seu nome foi incluído no alerta vermelho da Interpol. Na tarde do último sábado, ele foi abordado por policiais enquanto caminhava na rua em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. Estava de cavanhaque e óculos escuros.

O decreto de extradição foi assinado em dezembro pelo então presidente Michel Temer, logo após a decisão do ministro do STF. Três dias após a assinatura do decreto, Battisti havia feito um pedido de asilo ao governo da Bolívia. No documento, vinculou o pedido à eleição de Bolsonaro e ao que chamou de “nefasta coincidência” da chegada ao poder de dois governos de “ultradireita” no Brasil e na Itália.

Com a notícia da prisão, o governo brasileiro chegou a deixar à disposição das autoridades italianas um avião da Polícia Federal para trazer o italiano de volta ao País, para entregá-lo em seguida. A aeronave da PF foi deslocada a Corumbá (MS), na fronteira com a Bolívia, e ficou à espera para realizar o voo, que não ocorreu.

Battisti foi condenado à prisão perpétua pelos assassinatos de quatro pessoas na Itália: dois policiais, um açougueiro e um joalheiro. Os crimes ocorreram entre 1977 e 1979, mas ele nega as acusações. Ele militou no Partido Comunista italiano e, na década de 1970, se envolveu com o grupo guerrilheiro Proletários Armados pelo Comunismo (PAC).

Os quatro homicídios dos quais é acusado ocorreram em ações do PAC. Battisti foi acusado de participação nos crimes pelo ex-companheiro Pietro Mutti, que fez delação premiada em troca de redução de pena. Em 1987, Battisti foi julgado à revelia e condenado à prisão perpétua – sentença que seria confirmada em 1993. Nessa época, no entanto, ele já estava em fuga.

3 PERGUNTAS PARA...

Maurizio Campagna, irmão de uma vítima de Cesare Battisti

1. Como estão vivendo as famílias das vítimas de Battisti neste momento?

Quero lembrar, antes de mais nada, que Battisti fugiu da Justiça. Ele matou quatro pessoas. Meu irmão foi morto por ele com cinco tiros por parte de uma pistola magnum. Minha família está hoje muito satisfeita. Quatro décadas depois, o ciclo da vida está encerrado.

2. O que o sr. deseja hoje?

Não queríamos vingança. Só Justiça. E ela foi feita. Se ele ficar um dia, um ano ou 30 anos, para mim tanto faz. Cabe à Justiça determinar. Se a Justiça disser que ele pode ser livre e que pagou pelo que fez, não vejo problema.

3. Como o sr. avaliou a decisão do governo de Lula de rejeitar a extradição?

Lula também está preso hoje e condenado. Lembro-me que um dos argumentos era de que o Brasil não mandaria Battisti para a Itália por conta do sistema maluco que teria o nosso país, injusto. Lula não é uma pessoa honesta. Não era sincero o que dizia. A Itália é uma democracia. Depois do fascismo, não tivemos mais um governo militar. Sim, tivemos terrorismo. Mas a Justiça funciona. Ainda acredito que se Lula lesse o processo de Battisti do Tribunal italiano, ele entenderia que não poderia tomar uma decisão política de mantê-lo no Brasil.