O globo, n. 31233, 10/02/2019. Artigos, p. 2

 

Sentimento judaico no Brasil

Pedro Geiger

Adair Rocha

10/02/2019

 

 

O tema das relações entre o Brasil e Israel se encontra na ordem do dia. Fala-se de alinhamentos internacionais e de cooperações tecnológicas, considerando-se o alto grau do desenvolvimento de Israel —um pequeno país, mas que pretende se tornar o quarto do mundo a lançar uma sonda na Lua, ainda durante o ano presente de 2019. A questão da dessalinização de águas marinhas ocupa lugar de destaque na questão das relações entre os dois países.

Nesta oportunidade, nós tratamos aqui não dos laços relativos ao sentido de políticas atuais, mas dos que se referem a influências culturais estabelecidas desde o passado, entre as entidades brasileira e judaica, destacando principalmente as relações entre o idioma hebraico e o português.

A socióloga Anita Nowinsky tem afirmado que, depois de Israel, o Brasil é o país mais inscrito no sentimento judaico. A começar pelo nome Brasil, originário de “brasileiros”, judeus que exploravam o pau-brasil na costa do novo território descoberto, durante o quinhentismo.

Caio Prado Júnior trata da influência da maçonaria, trazida por judeus e cristãos novos, para a Independência do Brasil. Cristãos novos formavam a maioria da população no início da colonização. Posteriormente, esta influência foi diminuindo, com a entrada africana e, a partir da metade do século XIX, com a imigração não ibérica participando desde o povoamento de São Paulo para todo o Sul do país.

Por outro lado, características territoriais da formação brasileira promoveram alterações comportamentais das suas populações. Historicamente, os judeus se apresentaram muito internacionalistas, apresentando não apenas as famílias judias se estendendo pelos inúmeros países do mundo, mas, também, frequentemente, os membros de uma mesma família dispersos por países distintos. No entanto, como afirma o antropólogo Roberto Da Matta, a população brasileira tornou o Brasil uma entidade insular.

Os fazendeiros brasileiros, localizados no interior do país, mantinham relações comerciais com a Inglaterra, mas se mostravam avessos à entrada de ideologias estrangeiras, como as abolicionistas e republicanas, caracterizando a insularidade. Estas ideologias se instalavam principalmente nas cidades portuárias e comerciais costeiras. Criaram-se os conceitos de litoralização e de interiorização, um dos fundamentos da ideia da mudança da capital do país para o interior. Muito se tem falado da influência do árabe e do hebraico no idioma português. No entanto, há de se considerar o inverso, a influência dos idiomas ibéricos no hebraico. Como foi o caso da criação do ladino, uma linguagem de judeus sefaraditas, ibéricos.

Neste sentido, apresenta-se aqui um caso singular, interessante, da influência do português sobre o hebraico. Proibidos de pronunciar o nome de Deus, os judeus passaram a se referir ao mesmo como sendo O Nome, ou O Lugar, Nas orações hebraicas, é frequente a utilização da palavra como referência a Deus, este termo, representando a junção de palavras portuguesas, “a” e “do”, com a palavra hebraica

nome. O fato de ser uma palavra em feminino apenas confirma que o Deus dos judeus assume tanto formas masculinas como formas femininas. Uma das canções da noite da Páscoa hebraica, “Vehi Sheamda “E Ela que se posicionou”), apresenta o Deus no feminino, como “A defensora do povo judeu”.