O globo, n. 31233, 10/02/2019. País, p. 10

 

Barragem tinha histórico de alterações e soluções emergenciais

Dimitrius Dantas

10/02/2019

 

 

Consultores em geotecnia apontam que reservatório de Brumadinho apresentava problemas desde os anos 1980

Uma história de projetos alterados, imprudências e soluções emergenciais. A pedido do GLOBO, três consultores em geotecnia, área que une engenharia e geologia, analisaram os relatórios feitos em 2017 e 2018 pela empresa alemã Tüv Süd, responsável por atestar a segurança da barragem I do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG). De acordo com os profissionais, há indícios de que a estrutura já enfrentava, desde a década de 1980, problemas que podem ter contribuído para o desastre com mais de 150 mortos. Entre 1982 e 1990, a empresa Tecnosan projetou cinco degraus de três metros cada para a barragem. Mas o plano não foi seguido, e os degraus foram construídos com alturas diferentes. Em um deles, os projetistas optaram por mudar a técnica de construção. Até aquele momento, toda a estrutura havia sido feita a montante, o método mais barato.

Em um dos trechos, porém, erguido em 1984, foi adotando um modelo mais caro e eficaz, conhecido como “linha de centro". Segundo os geólogos ouvidos pelo GLOBO, a troca pode ser um indicativo de que a empresa encontrou sinais de instabilidade na estrutura. Dois anos depois, em 1986, a Tecnosan decidiu cobrir todos os degraus já construídos com uma nova estrutura, o envelopamento. O problema, na visão dos três técnicos consultados pelo GLOBO e dos engenheiros da Tüv Süd, foi que o projeto não previu um dreno de fundo, algo que equivaleria a um ralo de piscina, responsável por levar a água da barragem para fora.

Mudanças no projeto

Os relatórios da Tüv Süd são claros ao dizer que a ausência de um dreno é uma imprudência. Na tragédia de Mariana, ocorrida há três anos, um defeito no dreno foi um dos fatores que levaram ao rompimento. Sobre as obras realizadas neste período, a Vale informou que elas tiveram a intenção de melhor a segurança e a drenagem da barragem. “Este objetivo foi alcançado, o que pode ser comprovado nos projetos das etapas subsequentes". O GLOBO não encontrou a Tecnosan.

Nove anos depois, em 1995, outro problema. Uma nova empresa, a Tecnosolo, constatou que toda a estrutura estava abaixo dos níveis de segurança recomendados — um índice inferior a 1,3, quando o recomendado é 1,5. A situação forçou uma mudança na estrutura da barragem, com a construção de um recuo para o empilhamento de novos níveis de rejeitos, como se fosse um degrau mais largo de uma escada em curva. Segundo geólogos, era esse o ponto de maior fragilidade da barragem e foi o possível local de rompimento.

— A razão para essas modificações foi a infiltração de água e, 20 anos depois, continuava tendo o mesmo problema. Já era um ponto de fraqueza em 1995 — explica Alberto Pio Fiori, professor livre-docente da USP. Para ele, o nível de água diminuiu a coesão da estrutura da barragem. Seria o equivalente a ter milhares de toneladas dos degraus sobre um colchão de água:

Ponto de ruptura

— Se você olhar nas imagens do desabamento, foi exatamente no ponto do recuo que aconteceu a ruptura da barragem—diz. O consultor Carlos Manoel Nieble afirmou que a construção do recuo é um sinal de que foi detectado algum risco na estrutura. Com relação a essas obras, a Vale informou que a mudança do eixo buscou melhores condições de segurança. Segundo a empresa, o projeto deu certo, já que os alteamentos feitos depois disso mantiveram índices de segurança acima de 1,5. Em nota, a Tecnosolo afirmou que faz os projetos e que cabe às empresas donas da barragem executarem.

“Em seguida aos projetos, diversas empresas construtoras executaram as obras projetadas. Tem que ser visto se essas obras foram de fato executadas como projetadas”, afirma a empresa. Nos pontos próximos ao recuo e abaixo dele, os engenheiros da Tüv Süd encontraram uma série de problemas, como trincheiras solapadas, o surgimento de água no solo, o terreno parcialmente úmido (o que técnicos chamam de saturado) e drenos secos. Além disso, havia um escoramento de emergência numa área em que o solo começou a ceder, indício de que havia um problema na estrutura.

— O dreno seco indica que esse dreno não funcionou. Se não funcionou, teriam que ter feito outro. Essa barragem, aparentemente, sempre teve um problema de nível de água alto — afirma o consultor Mauro Hernandez Lozano. Ele critica a classificação de risco exigida pelo governo. Segundo a análise, a barragem em Brumadinho tinha dano potencial elevado, mas uma classificação de risco baixa.

— Claramente, a forma de classificar está errada. Eles pediram providências que, para mim, não foram tomadas. Nós lidamos todo dia com esse problema, a gente fala para fazer isso, isso e isso. Mas não querem gastar. Não só nessa barragem —afirma. Segundo a Vale, “todas as recomendações e orientações,” feitas no relatório da Tüv Süd foram seguidas. De acordo com a companhia, “as razões do rompimento estão sendo investigadas”.