O globo, n. 31232, 09/02/2019. País, p. 4

 

Novo susto

Camila Bastos

Manoel Ventura

Ana Lucia Azevedo

09/02/2019

 

 

Moradores têm que deixar suas casas em Minas por risco de acidentes em barragens

Passadas duas semanas do rompimento de uma barragem em Brumadinho, que deixou pelo menos 157 mortos, moradores dos municípios de Barão de Cocais , na região central de Minas Gerais, e de Itatiaiuçu, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, foram obrigados a deixar suas casas na madrugada de ontem por risco de novo acidente. A determinação foi da Agência Nacional de Mineração (ANM). A decisão foi tomada após equipes técnicas identificarem que duas barragens de mineração estão com o nível de pressão acima do permitido. Em Barão de Cocais, 393 pessoas de de cinco bairros e comunidades rurais saíram de casa por volta de 1h, após sirenes de alerta serem acionadas devido às condições da Barragem Sul Superior da mina Gongo Soco, da Vale. De acordo com a mineradora, a consultoria Walm negou a Declaração de Condição de Estabilidade da estrutura. Assim, a empresa teve que começar a executar o nível 1 do Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração. Em nota, a Vale ressaltou que a decisão foi preventiva. Segundo o informe da empresa, a Vale está intensificando as inspeções da barragem Sul Superior e será implantado equipamento com capacidade de detectar movimentações “milimétricas” na estrutura. A Vale informou ainda que consultores internacionais farão uma nova avaliação da situação no próximo domingo.

Medo e desinformação

Nos bairros de Barão de Cocais, o clima é de medo e desinformação. Foi com o som alto da sirene que Elias Rodrigues, de 37 anos, acordou na madrugada de ontem. — Eu levantei correndo com a minha esposa, encontramos os vizinhos gritando e fugimos para um ponto seguro lá na roça em que a gente mora —contou ele. Naquele momento, o motorista ainda não sabia se a barragem estava rompendo, se estava em risco ou era um treinamento. Em Itatiaiuçu, cerca de 200 pessoas foram desalojadas após alerta da Defesa Civil sobre risco de rompimento da barragem da Mina de Serra Azul, da mineradora ArcelorMittal.

A empresa informou que a medida resultou de uma auditoria espontânea contratada pela empresa. “Empregando uma metodologia mais conservadora, a auditoria independente responsável pela declaração de estabilidade revisou o último relatório e adotou para a barragem um Fator de Segurança mais restritivo”, disse a empresa, em nota. O diretor da ANM, Eduardo Leão, afirmou que as empresas contratadas pela Vale e pela ArcelorMittal informaram na quinta-feira à noite que não iriam assinar a Declaração de Condição de Estabilidade das barragens. O documento atesta que as barragens estão em boas condições e deve ser apresentado às autoridades a cada seis meses. As próximas declarações de estabilidade precisam ser entregues em março. Ao realizarem inspeção nos locais, as empresas detectaram que a pressão nas barragens está acima do permitido. A agência, então, decidiu imediatamente acionar o nível 2 de emergência das barragens, que desencadeia a evacuação de toda zona de inundação projetada em caso de rompimento do reservatório. O fator de risco das duas barragens está em 1,2. O adequado é no mínimo 1,5. Abaixo de 1, o risco de rompimento é iminente. As causas da pressão e o que será feito para evitar o rompimento ainda será analisado. Não há prazo para as pessoas voltarem para suas casas. A ANM enviou fiscais para as duas barragens. As duas estruturas foram construídas com a metodologia de alteamento a montante, considerada mais perigosa, e não estavam mais em operação. Esse modelo foi usado na construção das barragens de Brumadinho e de Mariana, que romperam. A barragem Sul Superior, de minério de ferro, está classificada pela ANM como dano potencial associado alto em caso de rompimento, mas com baixo risco de colapso. Ela tem 6 milhões de metros cúbicos de rejeitos, segundo dados da agência. A barragem da Vale que se rompeu em Brumadinho tinha 11,7 de metros cúbicos. A barragem da Arce lorMit tal Mineração tem 5,2 milhões de metros cúbicos de rejeitos e também está classificada pela ANM comoda no potencial associadoalto em caso de rompimento, mas com baixo risco.

Outros casos

Essas duas barragens não são as únicas do setor de mineração que tiveram declaração de estabilidade negada. Os dados informados pelas empresas ao governo mineiro, relativos a 2018, destacam que os auditores não garantiram a estabilidade das barragens de mineração B1-A e Dique B3, ambas em Brumadinho e operadas pela Emicon Mineração. Também sem garantia estão a UTM/Caldas, das Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e o Dique Couves, da MBL, em Itatiaiuçu. A Fundação Estadual de Meio Ambiente diz ainda que outras três estruturas estão sem declaração porque o “o auditor não conclui sobre a situação de estabilidade”.

O que foi respondido sobre Brumadinho

O que exatamente aconteceu com a barragem?

A parede sólida da barragem se liquefez e se transformou na lama que destroçou estruturas e causou mortes. Segundo especialistas, a li que façãoéumfe nômeno previsível, associado ao aumento da infiltração de água, eque está na lista de maiores problemas desse tipo de barragem, chamado de amontante.

Havia problemas nos equipamentos de medição?

A Polícia Federal teve acesso à troca de e-mails, iniciada dois dias antes do desastre, entre cinco funcionários da Vale e três da TÜV SÜD, uma das empresas responsáveis por monitorar a segurança da barragem. Essas mensagens, reveladas pela GloboNews, mostram que cinco piezômetros (aparelhos que medem o nível da água e a pressão que ela exerce na estrutura) não estavam funcionando e havia medidas discrepantes nos outros equipamentos de medição.

Qual deveria ter sido a atitude da Vale ao tomar conhecimento da falha nos piezômetros?

Medições anômalas e piezômetros que não funcionam são como o infarto de um coração, em analogia feita pelo professor Carlos Barreira Martinez, um dos mais respeitados especialistas em segurança em barragens do país. Para ele, a primeira atitude da Vale deveria ter sido evacuar imediatamente a população da região.

O que ainda falta responder

Por que a barragem se rompeu?

A investigação ainda não foi concluída, mas há indícios do que pode ter provocado o acidente. Em junho e em setembro do ano passado, laudos técnicos da empresa alemã TÜV SÜD, que atestou a segurança do local, apontaram erosão e problemas de drenagem.

Por que as sirenes de alerta não tocaram?

O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, disse que as sirenes não foram acionadas devido à velocidade da lama. Segundo ele, o rompimento da barragem foi muito rápido e a sirene “foi engolfada pela quebra da barragem antes que ela pudesse tocar”.

Por que o refeitório dos funcionários estava localizado no caminho da lama?

Professor de engenharia geotécnica da Coppe/UFRJ, Willy Lacerda diz que a Vale deveria ter levado em conta o estudo que avalia os potenciais impactos da ruptura da barragem, incluindo o alcance da mancha de lama.

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Auditorias sem padronização

Ana Lucia Azevedo

09/02/2019

 

 

A Declaração de Condição de Estabilidade, cuja falta levou a Agência Nacional de Mineração a evacuar a população à volta de duas barragens em Minas Gerais, na madrugada passada, não é garantia da segurança dessas estruturas. Para o engenheiro Joaquim Pimenta de Ávila, consultor de segurança em barragens e que se tornou testemunha-chave no caso do rompimento de Fundão, em Mariana, em 2015, padrões de controle e auditoria também são fundamentais.

Ávila projetou Fundão e relatou à Polícia Federal, em 2016, que seu projeto havia sido alterado pela mineradora. Ele havia alertado a Samarco sobre o risco de rompimento um ano antes do desastre. O especialista salienta que a barragem de Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, e todos os quatro outros reservatórios de rejeito de mineração que romperam nos últimos anos no Brasil, tinham laudos de segurança que atestavam a estabilidade. —O laudo e a declaração são necessários, mas insuficientes —afirma.

Um dos problemas, explica, é que não existem regras que padronizem e garantam a qualidade da auditoria. Há laudos que dão mais destaque a aspectos pouco relevantes, como a poda da grama, do que à avaliação das condições de estabilidade. Segundo ele, o processo não é lógico nem eficiente e se baseia muitas vezes na opinião do auditor. E cada auditor estrutura o laudo como quer, observa.

Leis estaduais e federais exigem inspeção, mas não há protocolos e regulamentos, com o estabelecimento dos requisitos mínimos a serem adotados. Segundo Ávila, os trabalhos são realizados pelos auditores e fica a critério dos mesmos a definição do conteúdo. Tais regras são exigidas em países como Canadá e Austrália. Outro ponto crucial, na avaliação dele, é que deveria haver constante de controle de segurança. As condições da barragem mudam, em função de alteamentos, volume de rejeitos e do terreno. —Eu era contra proibir as barragens a montante. Mas agora vejo que isso é uma necessidade. A operação é falha, falta rigor e esse tipo de barragem é muito sensível à forma como é operada.