O globo, n. 31231, 08/02/2019. Rio, p. 9
Tragédia previsível
08/02/2019
Deslizamentos, enxurradas e vítimas
Apesar de ter um radar meteorológico com alcance de 250 quilômetros, município demorou a emitir alerta condizente com a força do temporal de anteontem
Por volta das 17h de anteontem, pouco antes de boa parte do Rio ficar submersa, o temporal que cairia sobre acidade passava pela região da Costa Verde e já dava sinais de sua potência. Localizado no Sumaré, o radar meteorológico da prefeitura alcança um raio de 250 quilômetros, que é a distância entre o Rio eParaty,on de o céu desabava. Ou seja, o município contava com um recurso tecnológico para emitir alertas mais efetivos, com antecedência maior, e poderia ter antecipado a mobilização de equipes de emergência para a retirada de pessoas de áreas propícias a deslizamentos. Também poderia ter interditado vi ascomo a Avenida Niemeyer, conhecida pela vulnerabilidade de suas encostas. Mas o alerta que a Defesa Civil municipal enviou para a população via SMS chegou de forma protocolar às 20h25m, divulgando estágio de atenção, com o risco de chuvas de moderadas a “ocasionalmente” fortes.
Somente às 22h15m o Rio entrou em estágio de crise, e o caos estava mais do que instalado nas ruas. Cariocas e turistas ficaram em meio a enxurradas de água, terra e lama que destruíram lojas e soterraram casas e carros. Foram 206 chamados para a Defesa Civil, 186 quedas de árvores, 110 ruas interditadas por conta de alagamentos. E pelo menos seis mortes.
Duas pessoas morreram dentro de um ônibus atingido por um deslizamento de terra na Avenida Niemeyer. Uma foi soterrada na Rocinha, segundo bairro com maior índice pluviométrico na noite de tempestade. Também houve duas vítimas em Barra de Guaratiba e uma no Vidigal.
Ontem, o prefeito Marcelo Crivella, em entrevista no Centro de Operações Rio, pôs a culpa na combinação de ocupações irregulares na cidade com mudanças climáticas.
—Não é fácil porque, historicamente, temos uma população que ocupa essas encostas, foram 90mm de chuva em uma hora, vento de 110 km/h. Acho que foram os fatos que provocaram essa tragédia —afirmou.
Segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, o fenômeno climático se explica por três fatores: o avanço de grandes áreas de instabilidade vindas de São Paulo; fortes correntes de vento — as rajadas chegaram perto da velocidade de um furacão, embora a dinâmica seja diferente — e a presença de um sistema de baixa pressão no mar. Eles disseram, no entanto, que nada foi uma surpresa.
—Não há nada de anormal no fenômeno. Nos nossos registros, ocorrem desde os anos 1920. Tivemos recordes de volume de chuva maiores que o de ontem (quarta-feira) — informou Thiago Sousa, meteorologista do Inmet.
Para o engenheiro e professor da Coppe-UFRJ Moacyr Duarte, especialista em gerenciamento de risco, não há dúvidas de que a prefeitura cometeu falhas:
— Se havia indícios de que choveria forte, a população deveria ter sido alertada de forma incisiva. Por precaução, é preferível um alarme falso do que contabilizar prejuízos e perdas de vidas. O Havaí, por exemplo, já emitiu vários alertas de tsunamis que não se concretizaram.
As chuvas caíram em volume oposto ao dos investimentos públicos em serviços que poderiam prevenir ou minimizarseus estragos. De acordo com um levantamento do deputado federal Pedro Paulo (DEM), em 2017 e 2018, o prefeito Marcelo Crivella firmou R$ 240,3 milhões em contratos para conservação de ruas e drenagem, mas só pagou R$ 99,3 milhões (41%).
— Esse dinheiro deve ser gasto antes do verão, em ações preventivas —disse.
A prefeitura reconheceu que não gastou averba, mas destacou que usou dinheiro de outras rubricas em trabalhos de prevenção.