Título: Das ruas à cozinha, o assunto em Brasília
Autor: Valadares , João
Fonte: Correio Braziliense, 02/08/2012, Política, p. 8

Na mesa do tradicional restaurante Piantella, na boca do dono de uma lanchonete da Rodoviária do Plano Piloto e na roda de aposta de taxistas. É também assunto no boteco e no cafezinho do Senado. A cidade que viu nascer o mensalão, um dos maiores escândalos da história recente do país, acompanha de perto o passo a passo do noticiário e contará os dias para o desfecho. A partir de hoje, olhos e ouvidos de Brasília estão voltados para o Supremo Tribunal Federal (STF). O mensalão virou evento. Envolveu a cidade. É comemorado por donos de restaurantes e hotéis, que esperam o aumento de até 30% na demanda.

"Quero todos na cadeia", diz o aposentado Rubens Naves, 73 anos, enquanto caminha apressado. Conta que não perde uma notícia sequer. "Estou com tudo catalogado. Guardo todos os jornais. Não perco nenhum lance dessa história toda. É uma roubalheira grande. Ficarei em casa assistindo à transmissão do julgamento." Bem mais novo, o técnico de informática da Caixa Econômica Federal João Victor, 26 anos, tinha 19 quando o escândalo estourou. "Eu me lembro bem. Amanhã (hoje) precisaremos ficar de olhos abertos. Tomara que todos aqueles que erraram sejam punidos. Brasília precisa cobrar para que esse exemplo seja dado ao Brasil", afirmou.

O empresário Marco Aurélio Costa, um dos sócios do Piantella — reduto de políticos —, lembra que, pelas mesas do seu restaurante, já passaram a redemocratização do país, as Diretas já, a ascensão de Tancredo Neves, a vitória e o impeachment de Fernando Collor de Melo, entre outros episódios históricos da nossa República. "Agora, é a vez do mensalão." Costa está oferecendo 10% de desconto a advogados que apresentarem a carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A expectativa é tanta que foi criado até prato com referência ao Supremo Tribunal Federal: é o grelhado "Supremo corte". No Expand, outro restaurante do empresário, há o sanduíche "Presuntão de inocência". "Estamos preparados. Neste período, os parlamentares, nossos clientes mais assíduos, estarão de recesso branco e o mensalão vai compensar o movimento de um mês que poderia ser mais calmo. Sem dúvida, é um dos momentos históricos do Brasil. O movimento de advogados será grande aqui." Pizza

José Valdson tem uma lanchonete pequena na Rodoviária do Plano Piloto. Ao perceber a presença da reportagem do Correio, gritou lá de dentro: "Vai acabar tudo em pizza. Passaram sete anos e só vão julgar agora. Acredito que ninguém será preso. Infelizmente, este é o nosso país", comentou. Ao lado, uma banca de revistas exibia as manchetes dos jornais e revistas sobre o mensalão. A vendedora Rose de Moraes trabalha numa livraria instalada na Rodoviária. "Não tenho muito tempo por causa do meu trabalho, mas sempre que chego em casa, ainda pego o fim dos noticiários na televisão. Eu mesma não acredito que eles (os réus) vão ser condenados. Moramos num país chamado Brasil." Ontem, taxistas que fazem ponto no STF conversavam animados. Esperam aumento considerável na quantidade de corridas. "Esse julgamento é muito grande. Vai demorar mais de um mês. Isso é ótimo, porque a gente terá uma oferta maior de passageiros aqui na cidade. A quantidade de advogados será enorme aqui a partir de amanhã (hoje)", ressaltou Mariano Luiz.

O taxista José Cipriano Leite, com experiência de 30 anos na praça, afirma que já transportou o principal réu do mensalão, o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu. "Ele já andou aqui no táxi uma vez. Não puxei conversa porque deixo os meus clientes bastante à vontade. Sentou no banco traseiro e não dialogamos. Claro que estamos esperando que a Justiça seja feita. Eu mesmo vou ficar aqui para transportar os advogados e os assessores dos réus. Assim, fico sabendo das informações sigilosas", brinca. O presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília (Sindhobar), Clayton Machado, estima um aumento de 30% a 40% na procura. "Por conta disso, muitos hotéis estão adotando tarifas cheias, ou seja, dificilmente haverá descontos e negociação porque há poucas vagas disponíveis", afirma. "O mensalão acabou se tornando um grande evento para a cidade." Quem diria.

Ponto de ônibus desativado Das 6h até as 20h de hoje, os motoristas que trafegam nas imediações do STF encontrarão poucas mudanças. A velocidade nas vias S1 e S2 serão controladas por agentes de trânsito e não será permitido estacionar ao longo do meio-fio. Os maiores prejudicados, no entanto, serão os usuários de ônibus, uma vez que o ponto em frente à Suprema Corte será interditado hoje e amanhã.