O globo, n. 31226, 03/02/2019. País, p. 4

 

Davi no comando

03/02/2019

 

 

Senador do Amapá une oposição e governo e acaba com dinastia do MDB

Uma inusitada aliança entre Palácio do Planalto, senadores recém-eleitos na onda de renovação que atingiu as urna sem outubro e algumas das principais lideranças de oposição a Bolsonaro levou ontem à eleição de Davi Alcolumbre (DEM-AP), 41 anos, para presidir o Senado nos próximos dois anos. O resultado pôs fim à dinastia do MDB de Renan Calheiros( AL)à frente da Casa. O grupo comandava o Congresso há 16 anos, vencendo nove eleições consecutivas. Alcolumbre venceu no primeiro turno com 42 votos, um a maisque o necessário, após Renan desistir da disputa. — Situação e oposição contarão com o mais amplo respeito. (...) Espero e confio que possamos entregar, ao fim deste biênio que se inicia, com o país retomando os trilhos de desenvolvimento e da prosperidade, as reformas complexas que, com urgência, nosso país reclama — anunciou Alcolumbre. Depois de o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, ter ordenado, durante a madrugada, que a votação fosse secreta, a primeira tentativa de escolher o novo comando da Casa acabou anulada. Ao ser aberta, a apuração somou 82 cédulas, em uma Casa que tem 81 senadores. Foi quando um anova rodada devotação estava n ametade que Renan surpreendeu, subiu à tribuna e renunciou à sua candidatura, abrindo caminho para a vitória fácil de Alcolumbre. Proferida na madrugada, a decisão de Toffoli foi comemorada pelo emedebista e seus aliados. Para eles, as chances do grupo eram muito maiores e seria possível até mesmo uma vitória no primeiro turno com o voto secreto. Os adversários, porém, fizeram uma campanha para que, além de declarar o voto, os senadores mostrassem as cédulas antes de as depositarem nas urnas. Na primeira rodada de votação, 30 senadores tinham feito tal atoe nenhum deles votara em Renan. Quando se constatou que havia 82 cédulas na urna, optou-se por uma nova votação, já no final d atarde. Entre os fiscais de urna estava Acir Gurgacz (PDT- RO ), que está preso em regime semiaberto. O reinício da votação mostrou que a confiança do grupo de Renan estava ameaçada. Aliado fiel, o senador Jader Barbalho (MDB-PA) abandonou o plenário reclamando que os colegas não sabiam “nem votar”. A senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) foi a primeira a votar e, ao contrário do que havia feito na primeira rodada, exibiu o voto a favor de Alcolumbre. Pouco depois, Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, decidiu mostrar sua cédula com voto no candidato do DEM. Na primeira tentativa de votação, ele não declarou o voto. Em seguida, o senador Roberto Rocha (MA), do PSDB como Gabrilli, anunciou que seu partido fechara questão pela exibição do voto.

Bolsonaro parabeniza

Renan subiu à tribuna, reclamou da mudança de postura de Flávio e dos tucanos. Afirmou que o processo não era democrático eque, por isso, desistia da disputa. Concluiu citando o ex-deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), que renunciou ao mandato, para dizer que continuaria no Senado para resistir aseus adversários, em um recado ao governo. — Queria dizer que o Davi não é Davi, ele é o Golias. Ele é o novo presidente do Senado e eu retiro minha candidatura, porque eu não vou me submeter a isso. Eles querem ganhar de todo jeito, como voto da minoria, isso não pode acontecer. Eu não sou o Jean Wyllys. Eu não vou renunciar ao meu mandato. Eu vou ficar aqui no Senado —disse o emedebista, com forte reação do plenário. A votação prosseguiu em ritmo de festa de aliados de Davi Alcolumbre. Sua candidatura cresceu por ter recebido o apoio direto do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, de quem é amigo. Nas redes sociais, Onyx citou um verso bíblico para comemorar a vitória do governo: “Davi respondeu: ‘Você vem contra mim com espada, lança e dardo. Mas eu vou contra você em nome do Senhor Todo-Poderoso, que você desafiou.’ Brasil acima de tudo, Deus acima de todos! Viva o BRASIL”, escreveu Onyx, fazendo uma referência ao slogan da campanha. O presidente Jair Bolsonaro, hospitalizado após cirurgia para a retira dada bolsa de colostomia,foi a uma rede social para parabenizar o senador: “Meus cumprimentos pela indicação de seus pares ao comando do Senado. O senhor tem como desafio transformar em ações o sentimento de mudanças que a população expressou nas últimas eleições. O governo está pronto para também cumprira sua missão. O Brasil tem pressa!”. Coma vitória de Alcolumbre,o DE Mes tará no comando de Câmara e Senado, já que Rodrigo Maia (RJ) foi reeleito, anteontem, pelos deputados. (André de Souza, Amanda Almeida, Eduardo Bresciani, Gabriela Valente, Jussara Soares e Manoel Ventura)

“Não conduzirei um Senado de revanchismo. Situação e oposição contarão com o mais amplo respeito”

Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado

“Davi não é Davi, ele é o Golias. Eu não sou o Jean Wyllys. Eu não vou renunciar ao meu mandato, vou ficar aqui no Senado”

Renan Calheiros (MDB-AL), senador, após abandonar disputa

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Planalto não deve esperar vida fácil

Paulo Celso Pereira

03/02/2019

 

 

A maré de renovação que varreu as urnas país afora chegou ontem à disputa pelo comando do Senado. Apesar de ter sobrevivido à onda eleitoral de outubro, Renan Calheiros não resistiu ao apelo por mudanças na Casa que presidiu quatro vezes. Lançado na disputa pelo chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o senador Davi Alcolumbre beneficiou-se de uma coalizão improvável: para derrotar Renan, bolsonaristas se uniram aos senadores da renovação e a alguns dos principais líderes da oposição.

Se conseguiu colocar na cadeira de presidente um aliado, o Planalto não deve, no entanto, esperar vida fácil na Casa. A atuação ostensiva do chefe da Casa Civil durante a disputa, que inclusive comemorou nas redes sociais o resultado, deve deixar, por muito tempo, feridas abertas no grupo derrotado. E, ao contrário do que tradicionalmente ocorre, o governo sabe que não poderá contar com boa parte dos senadores que elegeram o novo presidente.

Dois dos principais articuladores de Alcolumbre foram os senadores Randolfe Rodrigues (Rede) e Tasso Jereissati (PSDB) —o primeiro integra o bloco de oposição moderada, que tenta se diferenciar do PT, enquanto o segundo, embora apoie a agenda de reformas econômicas, pertence à ala tucana mais distante do governo.

A pulverização de candidaturas —chegaram a ser nove —mostra que a primeira tarefa do governo será organizar uma base parlamentar mínima que permita o avanço de negociações políticas na Casa. Ironicamente, apesar de ter sido um dos vencedores da tarde de ontem, Onyx Lorenzoni dificilmente será aceito como interlocutor pelo grupo derrotado. Para piorar, o ministro já havia rompido pontes na véspera, durante a disputa da Câmara.

O governo terá nos próximos meses, portanto, um desafio paradoxal: embora os presidentes das duas Casas, ambos do DEM, tenham disposição para pautar as reformas, será preciso muita negociação para conseguir os votos necessários para aprová-las.