O Estado de São Paulo, n. 45743, 13/01/2019. Política, p. A10

 

Palocci quer ser consultor outra vez

Ricardo Galhardo e Ricardo Brandt

13/01/2019

 

 

Condenado na Lava Jato, ex-ministro confessou uso de empresa de consultoria para lavar dinheiro

O ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antonio Palocci quer voltar ao ramo da consultoria. Condenado pela Lava Jato a 9 anos e 10 dias de prisão em regime domiciliar por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Palocci confessou ter usado a empresa Projeto Consultoria, da qual era dono, para camuflar milhões de reais provenientes de propinas.

Agora, espera autorização da Justiça para voltar a trabalhar. Segundo amigos, Palocci pretende auxiliar empresas na área de compliance, termo que define a adoção de boas práticas de gestão empresarial, entre as quais o não envolvimento em casos de corrupção, e que virou palavra da moda depois das prisões de grandes empresários pela força-tarefa de Curitiba.

No dia 29 de novembro, pouco depois de deixar a prisão na capital paranaense para cumprir pena em regime domiciliar, Palocci pediu autorização ao juiz Danilo Pereira Júnior, da 12.ª Vara Federal de Curitiba, para trabalhar enquanto cumpre a sentença.

“O trabalho não é negativo. Tenho certeza que o senhor pensa assim também”, argumentou Palocci na ocasião. “Não quero passear, não quero nada”, completou o ex-ministro, em tom de brincadeira.

O juiz negou o pedido sob a alegação de que ele ainda não está no regime aberto.

Enquanto isso, o ex-ministro vive com ajuda financeira da família. Seu irmão, Pedro, é um grande empresário da área da saúde em Ribeirão Preto (SP). Ele chegou a ser investigado pela Lava Jato, mas não foi indiciado.

No apartamento de 500 m2 em São Paulo, avaliado em R$ 12 milhões – e bloqueado pela Justiça –, Palocci mantém alguns hábitos adquiridos nos mais de 800 dias de prisão. Entre eles o de cultivar mudas de frutas. Na cadeia, o ex-ministro plantava as sementes das frutas que consumia e presenteava os parentes dos colegas de cárcere com as mudas. Foram mais de 400.

Outro hábito mantido é a leitura. Palocci está lendo Macunaíma – O herói sem nenhum caráter, de Mário de Andrade, e Tipos Psicológicos, de Carl G. Jung.

A carga horária de exercícios físicos caiu de três horas diárias na cadeia para uma hora e meia.

Na prisão domiciliar, o ex-ministro pode receber visitas, desde que não tenham ligação com os processos da Lava Jato. Não pode, porém, sair de casa sem autorização judicial. Ele é monitorado 24 horas por dia por meio de uma tornozeleira eletrônica.

Na audiência de novembro, Palocci foi advertido pelo juiz sobre a importância de manter o equipamento sempre com a bateria carregada. “O não carregamento do equipamento nos impede de monitorá-lo. Para nós, isso é uma fuga eletrônica, é a mesma coisa que o senhor tivesse pulado a grade da penitenciaria e fugido”, disse o magistrado.

Na manhã do Natal passado, um plantonista em Curitiba percebeu que a tornozeleira estava descarregada e procurou em vão os advogados de Palocci. A situação só foi resolvida às 8h40, quando o sistema de monitoramento mostrou que o dispositivo foi recarregado.

Pernoite. Na semana passada, Palocci recebeu autorização para pernoitar na casa na qual morou em Ribeirão Preto na volta de Brasília, onde prestou depoimentos durante três dias e fechou mais um acordo de delação – o terceiro.

Desde o início de dezembro o ex-ministro pede autorizações para visitar a mãe, Toninha, de 84 anos. Sua defesa entregou os comprovantes de endereço e o plano de viagem à Justiça. “Por oportuno, esclarece-se que os comprovantes estão em nome do requerente pois, em que pese sua genitora lá resida temporariamente, o imóvel pertence a Antonio Palocci.”

Toninha não estava na residência quando o filho chegou, na quarta-feira à noite, mas foi preparar o café da manhã para ele no dia seguinte. Depois voltou para o apartamento onde mora, no bairro Jardim Paulista, dirigindo um Polo prata.

A passagem de Palocci pela cidade que o elegeu prefeito três vezes foi cercada de segredo. No PT de Ribeirão Preto, ninguém ficou sabendo. “Ninguém comentou nada em nenhum dos grupos (de WhatsApp) do PT”, disse o presidente do diretório municipal do partido, Fernando Tremura.

O jornalista Galeno Amorim se surpreendeu quando viu a reportagem do Estado na porta da casa, por volta das 23h da quarta-feira. Desorientado, tentou despistar fingindo tocar a campainha da casa vizinha. Amorim, que presidiu a Fundação Biblioteca Nacional nos governos petistas, disse que foi encontrar Palocci – com quem tem uma relação próxima há mais de 20 anos – para falar sobre a publicação do livro que o exministro escreveu na prisão.

Segundo quem tem conversado com o ex-ministro, Palocci registrou reflexões sobre os mais de dois anos que passou na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, os erros do PT e os dele próprio “de forma franca”, além de revelações sobre os anos em que foi um dos homens mais poderosos do Brasil e seus principais personagens.

Palocci encara o livro como uma “obrigação” de abordar em profundidade as três delações que já firmou com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. A amigos, confidenciou que as colaborações revelam 40 fatos relevantes, a maior parte ainda inédita, e disse que a Lava Jato, enquanto instrumento de mudança da Justiça, “está só começando”.

Entre as revelações está uma conversa com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na qual teria orientado o correligionário a comprar o triplex do Guarujá, pivô de sua prisão. Lula teria recusado.