O Estado de São Paulo, n. 45736, 06/01/2019. Política, p. A8
Esquerda, segurança e 'fim do mimimi'
Gilberto Amendola
06/01/2019
Analistas e aliados de Bolsonaro tentam definir proposta de acabar com o ‘politicamente correto’
Logo no início do seu discurso no parlatório do Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro suscitou dúvidas ao defender que o País seja libertado do “politicamente correto”. O mundo político fez leituras peculiares da fala do presidente.
Integrantes da oposição entendem que “o fim do politicamente correto” seria uma espécie de sinal verde para discriminações – mesmo que em forma de piadas – contra mulheres, gays, negros ou pessoas com deficiência.
No entorno do presidente, as interpretações vão de “fim do mimimi” até um ataque à esquerda e aos “defensores de bandido”. As deputadas federais eleitas pelo PSL Joice Hasselmann e Carla Zambelli, por exemplo, ressaltaram aquilo que elas consideram autêntico em Bolsonaro.
“Ele, assim como eu, não gosta de frescura”, disse Joice. “Não tem a ver com preconceito, mas, com o Bolsonaro, as coisas são o que elas são. As coisas são espontâneas”, afirmou Carla.
Outras pessoas próximas ao presidente acreditam que o “fim do politicamente correto” apregoado por ele está ligado “ao fim do socialismo” (também parte do discurso de posse). Ou seja, para o presidente, o politicamente correto seria um instrumento da esquerda para exercer controle social e se manter no poder.
O termo no discurso de Bolsonaro também seria, segundo Carla Zambelli, uma referência à ação de seu governo no campo da segurança pública. “Quando o presidente diz que vai endurecer com bandidos e traficantes, é o lado politicamente correto da sociedade que vem usar os direitos humanos para criticálo. O presidente, imagino, referiu-se a isso durante o seu discurso. No governo dele vai ser diferente”, afirmou.
A deputada estadual eleita Janaína Paschoal (PSL) interpreta como uma ode à liberdade de expressão. “Estávamos todos vivendo uma verdadeira opressão. Qualquer crítica, qualquer ponderação referente às bandeiras do assim chamado ‘politicamente correto’ vinha sendo estigmatizada como racismo, machismo, homofobia, fascismo etc.”, disse ela.
“Nesse sentido, respirei aliviada com a fala do presidente. Só penso ser importante lembrar que o contrário do politicamente correto não é o politicamente incorreto, mas a liberdade”, acrescentou a deputada.
Perseguição. Nos últimos anos, o próprio Bolsonaro já manifestou sua contrariedade ao politicamente correto. Em outubro de 2017, ele publicou no Twitter um texto contra uma decisão da juíza Frana Elizabeth Mendes que o condenou a pagar R$ 50 mil de indenização por ter se referido a quilombolas e negros de forma ofensiva. Na ocasião, a juíza declarou que “política não é piada”. Bolsonaro rebateu: “Não me diga!? Contra todo o politicamente correto que só é usado quando interessa aos ‘amigos’ que estamos aqui e seguiremos avançando.”
No YouTube, é possível assistir a um vídeo, de 2016, em que Bolsonaro relaciona o politicamente correto ao que ele chama de “vitimismo”. “Uma das desgraças do País é o politicamente correto. O povo está sendo doutrinado para acusar alguém do seu insucesso. Se ele brocha em casa, ele culpa alguém... A culpa não é dele, não. Ele culpa o Viagra, o Cialis, a mulher, a criança chorando no quarto...”
Em 2018, já durante a campanha, em um evento do setor sucroenergético, Bolsonaro declarou que, por culpa do politicamente correto, não seria possível brincar com praticamente mais nada. “Eu exagero de vez em quando nas brincadeiras, por isso sou réu no Supremo Tribunal Federal. Mas a gente vai mudar o Brasil, se Deus quiser.” Na ocasião, Bolsonaro se referia a duas ações penais no STF por ter dito à deputada Maria do Rosário (PT-RS), em 2014, que não a estupraria porque ela “não merecia”.
Protocolos. O jornalista, escritor e professor da ECA-USP Eugênio Bucci afirmou que, apesar do discurso, “a Presidência da República precisa ser regida, por meio de seus protocolos, normas, leis e pela própria Constituição, pelo politicamente correto”. “O código de ética do cargo, impõe uma conduta que já é sinônimo de politicamente correto”, disse.
Já o professor de Ética e Filosofia Roberto Romano disse que Bolsonaro não deve compreender todas as implicações de decretar o fim do politicamente correto. “Ele só repetiu um slogan do pensamento e da prática de parte da nova direita brasileira que não tem cultura e elaboração sobre o mundo da ética e das construções sociais”, disse.
Expressão. Para o cientista político Humberto Dantas (Uninove), o discurso indica que Bolsonaro “tenta se aproximar da ideia americana de liberdade de expressão – que tolera manifestações mais contundentes e até agressivas contra adversários ideológicos”.
O humorista Oscar Filho também comentou o discurso do presidente. “Nem um presidente nem ninguém pode libertar o povo do politicamente correto. Anunciar uma ideia dessa é querer impedir a evolução das relações humanas e isso são as pessoas que decidem”, disse. “Um anúncio como esse soa tão autoritário, impossível e ridículo quanto construir um muro entre dois países”, completou.
‘Doutrina’
“Uma das desgraças do País é o politicamente correto. O povo está sendo doutrinado para acusar alguém do seu insucesso. Se ele brocha em casa, ele culpa alguém... A culpa não é dele, não.” Jair Bolsonaro PRESIDENTE DA REPÚBLICA, EM 2016
“A Presidência da República precisa ser regida, por meio de seus protocolos, normas, leis e pela Constituição, pelo politicamente correto. O código de ética do cargo impõe uma conduta que já é sinônimo de politicamente correto.” Eugênio Bucci PROFESSOR DA USP
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Bolsonaro e Haddad trocam ataques em rede social
Teo Cury
06/01/2019
Discussão começou com texto sobre ‘moda anti-intelectualismo’; ‘fantoche do presidiário’, reage presidente
No primeiro sábado que passou em Brasília após a posse, o presidente Jair Bolsonaro usou as redes sociais para discutir com o ex-prefeito Fernando Haddad (PT-SP), derrotado no segundo turno das eleições presidenciais. Por meio do Twitter, Bolsonaro chamou Haddad de “fantoche do presidiário corrupto”, sem citar o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso na Lava Jato, e disse que o PT “quebrou o Brasil de tanto roubar”.
O motivo para a troca de ataques foi uma mensagem postada pelo petista, anteontem, compartilhando artigo em português do site da agência alemã Deutsche Welle. No texto, o jornalista Philipp Lichterbeck diz que no Brasil “está na moda um anti-intelectualismo que lembra a Inquisição”.
Para o presidente, os petistas “inventam” razões para a derrota nas eleições, mesmo com “campanha mais de R$ 30 milhões mais cara”. “Eles procuram e criam todos os motivos possíveis para estarem sendo rejeitados pela maioria da população, só não citam o verdadeiro: o PT quebrou o Brasil de tanto roubar, deixou a violência tomar proporções de guerra, é uma verdadeira quadrilha e ninguém aguenta mais isso!”, escreveu Bolsonaro.
Em seguida, Haddad respondeu, também por meio da rede social: “Na verdade, quem disse isso foi um jornalista da Deutsche Welle, mas se você já se sentir seguro para um debate frente a frente, estou disponível. Forte abraço!”
Descanso. Bolsonaro passou o dia com a família na Granja do Torto, uma das residências oficiais da Presidência, para aonde voltou depois de ter passado a noite de quinta-feira no Palácio da Alvorada. Por volta das 13h, o presidente publicou uma foto no Instagram vestindo uma camisa do Palmeiras, time pelo qual torce em São Paulo.
Segundo a Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto, o presidente não deve participar de reuniões neste fim de semana. Por volta das 11h de ontem, pouco mais de 20 pessoas posaram para fotos em frente à placa que identifica a “Residência Oficial do Torto”, fazendo gestos de armas com as mãos.
Mais cedo, também usando as redes sociais, Bolsonaro afirmou que o novo coordenador do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Murilo Resende, priorizará o ensino, e não o que chamou de doutrinação dos alunos em sala de aula.