O globo, n. 31224, 01/02/2019. Artigos, p. 2

 

A Uber e o Direito do Trabalho

Eros Roberto Grau

01/02/2019

 

 

Recentíssima decisão da Court d’Appel francesa, no dia 10 de janeiro, definiu a relação entre a Uber e seus contratados como expressiva de uma relação de subordinação trabalhista, um autêntico contrato de trabalho.

Cá entre nós, os serviços de transporte individual de passageiros, tal e qual define o artigo 12 da Lei 12.587/2012, são serviços de utilidade pública. Serviços que “deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene, de qualidade dos serviços e de fixação prévia dos valores máximos das tarifas a serem cobradas”.

O texto do inciso X do seu artigo 4º foi recentemente alterado pela Lei 13.640/18, que define como transporte remunerado privado individual de passageiros o “serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede”. Daí, apesar do quanto também dispõe o artigo 2º da Lei Federal 12.468/2011, que regulamenta a profissão de taxista, a tentativa de distinguir-se os serviços de transporte de passageiros pelos contratados da Uber e os prestados por taxistas, transporte público individual remunerado de passageiros que consubstancia um serviço de utilidade pública.

Pouco importa, contudo, a esta altura, em face da decisão da Court d’Appel francesa, considerarmos essa distinção.

O que desperta atenção é a possibilidade de questionarmos, no Brasil, a caracterização da relação entre a Uber e seus contratados como trabalhista. Haveria entre eles mera associação ou uma relação de trabalho, um contrato de trabalho ainda que não formalizado como tal? Não tenho dúvida nenhuma em relação à não caracterização dos motoristas como “parceiros”, mas sim como subordinados trabalhistas da Uber.

A decisão da Court d’Appel francesa aplica-se qual uma luva ao nosso Direito Positivo na medida em que determina à Uber que respeite os direitos sociais dos choferes de cujos serviços se utilize, não importa tenha ou não sido formalizado um contrato de trabalho entre ambos.

As condições de execução de trabalho a eles impostas são próprias a uma relação trabalhista, nem de longe podendo ser concebidas como expressivas de uma parceria contratual. Sua sujeição às definições da Uber quanto à escolha da clientela a atender, às tarifas a serem praticadas, aos percursos a seguirem a caracteriza, bem assim às sanções que lhe sejam por ela eventualmente impostas, como típica relação de subordinação trabalhista.

O que se dá na França — onde a partir dessa decisão da Court d’Appel decorre seu direito à segurança social, à aposentadoria, à indenização no caso de rompimento do contrato com a Uber — é de todo adequado à nossa ordem jurídica, ao Direito do Trabalho.

Percorro, cá de onde estou, em Paris, os sites que poderiam me informar a respeito de processos judiciais nos quais essa matéria esteja ou tenha sido apreciada. Nada encontrei, mas não importa. O que desejo lembrar é que no meu livro “Por que tenho medo dos juízes” afirmei que o Direito Positivo é contraditório: está a serviço do modo de produção social dominante e, concomitantemente, consubstancia a derradeira garantia de defesa das classes subalternas. Daí que só me resta esperar, torcendo para que isso logo aconteça, que o nosso Poder Judiciário seja convocado a decidir a propósito da relação entre a Uber e — dizendo-o corretamente — seus empregados.