O globo, n. 31224, 01/02/2019. País, p. 7

 

Um senador, vários tons e a sede de sempre pelo poder

Amanda Almeida

01/02/2019

 

 

Cacique do MDB dá guinada no discurso e se aproxima do governo Bolsonaro, sem deixar de lado o PT e antigos aliados

Do palanque de Fernando Haddad (PT), em 2018, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) desceu direto para a turma do gargarejo do governo Jair Bolsonaro.

Desde dezembro, quando começou a construir sua candidatura à presidência do Senado, cadeira que quer ocupar pela quinta vez, o emedebista deu uma guinada no discurso e trocou os ataques à reforma da Previdência de Michel Temera e lo giosà agenda econômica deBol sonar o, que também tema revisão nas regras de aposentadoria como principal bandeira. Para quem não entendeu, Renan tem desenhado nas últimas entrevistas.

“O velho Renan cumpriu seu papel em momentos dramáticos da vida nacional. Mas ele precisa sair de cena. O novo Renan parece mais convincente, mais calmo, mais amplo do ponto de vista do espectro político, compreende melhora complexidade das circunstâncias. É claro que o velho Renan tem de ser respeitado e, a qualquer momento, pode até ser chamado de volta”, destrinchou Renan, à revista Época, na semana passada, sua aparente crise de identidade.

Ela, porém, não existe. Renan sabe onde mira. Foi esse discurso que o conduziu a assumir hoje seu quarto mandato como favorito na disputa pela Presidência do Senado, marcada para o início da noite. Especialista em inversõesde rumo, o“velho Renan” já escapou de muitos naufrágios na política, apoiando e abandonando aliados estrategicamente.

Quando o governo de Fernando Collor fez água, Renan foi um dos primeiros a gritar impeachment. Quando Dilma Rousseff perdeu a guerra com Eduardo Cunha, Renan liberou os caminhos no Senado a Michel Temer. Ante o rombo no casco aberto por Joesley Batista, descartou o correligionário da mesma maneira.

Mas nem sempre foi preciso trair. Renan mantevese alinhado a Fernando Henrique e serviu com igual ímpeto a Lula. Abraçando tucanos e petistas, diz que agora está aberto a conversar com Bolsonaro.

— A hora que ele me chamar eu vou —disse ao GLOBO, no início deste mês. Ontem, Bolsonaro já o chamou para uma conversa.

Nas palavras de Renan, ele é agora reformista e liberal. Para além do flerte à equipe econômica, em dezembro, ele também acenou em entrevistas que não pretende ser problema para o governo em outras agendas. Embora tenha passado os últimos anos defendendo o Estatuto do Desarmamento e segurando votações que o flexibilizavam, ele disse que haja o debate sobre sua revisão.

Confiar desconfiando

Com um olho no “novo Renan” e outro no “velho”, o governo confia desconfiando. Ao vera ascensão do senador como candidato à presidência, Paulo Guedes, então indicado a ministro da Economia, topou jantar com o parlamentar em novembro. A interlocutores, elogiou a inteligência política e capacidade de articulação do emedebista.

Agora ministro, tem evitado responder sobre a disputa pelo comando do Senado. Diz que não pode interferir na briga no Legislativo. Internamente, tem defendido que o governo tente construir uma boa relação com Renan, porque, caso eleito, ele terá papel fundamental na votação das medidas econômicas.

Já na Casa Civil, desafeto público de Renan, o ministro Onyx Lorenzoni passou o último mês trabalhando contra o emedebista. Senadores reclamaram, em entrevistas, da interferência do ministro na disputa. Segundo relatos, Leonardo Quintão, da e quipede Lorenzo ni,pe diu quep ré-candidatos desistissem da briga em nome de Davi Alcolumbre (DEM-AP), em troca, teria feito várias promessas, como um “governo de portas abertas”.

Enquanto acenou aB olson aro, Renan, que responde anove inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), não deixou o PT para trás. Nesta semana, reuniu-se com os senadores do partido. Pediu votos. Pregou que defenderá a independência do Legislativo e que dará espaço à oposição.

—Na conversa com a gente, quem aparece é o velho Renan — resume um bem humorado senador petista.

Não só ao PT, mas a senadores de diferentes colorações partidárias, um dos argumentos de pró-Renan mais fortes é a “coragem” de enfrentar o Ministério Público e o Judiciário. Nos últimos anos, o emedebista usou os microfones do Senado para atacar o que chama de “arbitrariedades” de promotores, procuradores e magistrados.

À frente da Presidência da Casa, contrariou decisão de ministro do STF —que tentou o afastar —, recorreu contra operações da Polícia Federal em apartamentos funcionais e atacou o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e o ex-juiz e agora ministro da Justiça Sérgio Moro. Os episódios nunca foram esquecidos nas conversas sobre a nova Presidência do Senado.

As guinadas do discurso

“Eu quero ajudar o Brasil. É meu dever e o governo Michel Temer é a única saída posta”

_ Em junho de 2016, como presidente do Senado, poucos meses antes de presidir sessão de impeachment de Dilma

“O presidente (Temer) me chamou para que eu tivesse uma conversa com ele. Nunca imaginei que iria voltar ao Palácio neste governo”

_ Em novembro de 2018, depois do afastamento do governo Temer

“O governo do senhor é do povo, para o povo, diferentemente do governo de agora, com qual não podemos concordar”

_ Dirigindo-se a Lula, em agosto de 2017, sobre Michel Temer

“Converso com ele (Bolsonaro) qualquer hora que for convidado. A hora que ele me chamar, eu vou”

_ em janeiro deste ano