O globo, n. 31279, 28/03/2019. Opinião, p. 2

 

Falta de articulação cobra seu preço

28/03/2019

 

 

Passadas as rusgas entre o clã Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sobre a tramitação do estratégico projeto de reforma da Previdência, esperava-se que o clima melhorasse. O presidente Jair Bolsonaro e Maia trocaram acenos. Parecia que o Planalto, enfim, iria se envolver, como imprescindível, na articulação política para viabilizar o projeto no Congresso. Deixaria de imaginar que o presidente da Casa poderia acumular esta função. Não há registro de algo parecido no passado.

Mas bastaram os fatos ocorridos em Brasília na terça-feira para se constatar que o Planalto continua leniente na condução das mudanças na seguridade social, básicas para todos — sociedade e governo. As trapalhadas em torno do agendamento da ida do ministro da Economia, Paulo Guedes, à Comissão de Constituição e Justiça começaram a abalar o otimismo que possa ter sido criado com o aparente apaziguamento na Praça dos Três Poderes.

Guedes tem demonstrado apetite e desenvoltura para combater no campo político por esta reforma e outras, também necessárias. Mas ele não pode, nem deve, tentar fazer tudo. Por impossível. Se alguém imagina que Paulo Guedes possa ser o ponta de lança da coordenação política erra tanto quanto quem considerou a hipótese de Rodrigo Maia se desdobrar em representante primordial do Planalto na Câmara.

Permanecem os sinais de falta de coordenação, agravada pela persistente ausência do próprio presidente Bolsonaro no trabalho de viabilização das reformas no Congresso. O agendamento da presença de Paulo Guedes na CCJ foi um da série de desastres que o governo vem acumulando. Não houve qualquer dos cuidados básicos da suposta base do governo para impedir que a oposição ocupasse os primeiros lugares nas inscrições para a sabatina do ministro. Ele ficaria isolado num paredão de fuzilamento. Enquanto isso, torna-se cada vez mais gritante a ausência do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, do mesmo partido de Maia, mas com quem não se entende.

Em um recado evidente a Bolsonaro, que se recusa a conversar com o Legislativo, veio a aprovação, à noite, na Câmara, faltando agora o aval do Senado, de uma proposta de emenda constitucional (PEC), a do Orçamento Impositivo, que vai contra uma das importantes intenções da equipe econômica: em duas rápidas votações, foi carimbada uma PEC de 2015 que torna o Orçamento ainda mais rígido, grande obstáculo ao ajuste fiscal e à retomada do crescimento. Ela amplia a imposição de gastos previstos num Orçamento do qual 90,4% já são de despesas obrigatórias. O Ministério da Economia, ao contrário e corretamente, quer desvincular gastos e desindexá-los.

As votações na PEC foram maciças — dos 308 votos necessários, o projeto obteve, no primeiro turno, 448 contra apenas 3, e, no segundo, 453 a 6. Até deputados do partido de Bolsonaro, o PSL, votaram contra o governo. O próprio Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) comemorou o fato, lembrando o apoio do pai ao projeto.

O fato é lamentável demonstração de descaso na Câmara com a crise do país. Que ao menos sirva de alarme para o Planalto. Enquanto isso, o presidente, na manhã de ontem, foi ao cinema com a primeira-dama, Michelle.