O globo, n. 31279, 28/03/2019. País, p. 4

 

Alta tensão

Silvia Amorim

Tiago Aguiar

Bruno Góes

28/03/2019

 

 

Bolsonaro e Maia trocam novos ataques; Onyx promete diálogo melhor com Congresso

Em meio às dificuldades de articulação política do governo federal eà tramitação da reforma da Previdência na Câmara, o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEMRJ) continuaram ontem a trocar acusações. Em entrevista à TV Band, Bolsonaro disse que o deputado está “um pouco abalado com questões pessoais”. Maia rebateu dizendo que o presidente está “brincando de governar”. A declaração gerou uma tréplica de Bolsonaro, que participou de um evento beneficente em São Paulo.

—Não existe brincadeira de minha parte. Muito pelo contrário. Quero não acreditar que ele( Maia) tenha falado isso—afirmou o presidente.

Bolsonaro disse ainda que as palavras usadas por Maia não eram condizentes como cargo de presidente da Câmara.

— Se foi isso que ele disse mesmo, eu lamento. Não é palavra de uma pessoa que conduz uma Casa (legislativa).

A relação entre os dois piorou no último final de semana, quando Maia cobrou publicamente um maior empenho do governo pela Reforma da Previdência. Na ocasião, Bolsonaro subiu o tom e, em viagem ao Chile, afirmou que já fez sua parte e que “não vai entrar no campo de batalha do Congresso”.

Enquanto isso, tentando melhorar a relação com o Congresso, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, se reuniu individualmente ontem com senadores de seis partidos no Senado. O líder do governo na Casa, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), também participou dos encontros. Nas reuniões, Onyx reconheceu erros na articulação e prometeu uma melhora no diálogo com os parlamentares, inclusive com uma participação maior de Bolsonaro.

— Estamos na fase do apaziguamento. É a mesma coisa (de) quem tem febre alta e toma um antitérmico. Não vai resolver na hora a febre, tem um tempinho para que ela ceda e a pessoa saia daquela situação. Estamos exatamente nesse momento, da pacificação. Ainda pode ter um escorregãozinho, uma escorregadinha lá.

Em outra frente, o vicepresidente Hamilton Mourão sinalizou ontem que está disposto a participar das conversas com parlamentares, se houver determinação do presidente.

As rusgas foram lembradas durante a entrevista do presidente à TV Band.

— Não tenho problema com Rodrigo Maia. Nada, zero problema com ele. Ele está um pouco abalado com questões pessoais que vem acontecendo na vida dele.

Questionado se estava se referindo à prisão preventiva do ex-ministro Moreira Franco, casado com a sogra de Maia, Bolsonaro respondeu:

—Não quero entrar em detalhes, coisas pessoais, que logicamente isso passa por esse estado emocional dele no momento.

Na última quinta-feira, quando Moreira foi preso preventivamente junto com o expresidente Michel Temer, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), um dos filhos do presidente, perguntou em uma rede social: “Por que o presidente da Câmara anda tão nervoso?”. A postagem irritou Maia, que é próximo do ministro Paulo Guedes (Economia) e o principal articular da votação da Reforma da Previdência na Câmara.

Ontem, ao ser perguntado, em Brasília, sobre a declaração de Bolsonaro à TV Band, o presidente da Câmara reagiu:

— Abalados estão os brasileiros que estão esperando desde 1º de janeiro que o governo comece a funcionar. São 12 milhões de desempregados, 15 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza, capacidade de investimento do Estado brasileiro diminuindo, 60 mil homicídios... E o presidente brincando de presidir o Brasil.

Questão de saúde

À TV Band, Bolsonaro atribuiu os problemas na articulação política do governo a seu estado de saúde, que o impediria de despachar até tarde, e à falta de indicações dos partidos políticos para seu Ministério. Ele disse ainda não ter condições de atender todos os parlamentares:

—Quando você olha para o Parlamento, você não vê apenas o presidente da Câmara ou o do Senado, você vê 594 congressistas. E grande parte deles quer falar comigo. Para conversar os mais variados assuntos. Eu não tenho como atender a todo mundo.

Bolsonaro disse que está fazendo o melhor que pode na articulação política, embora tenha ficado “20 e poucos dias fora de combate”, enquanto se recuperava da cirurgia para reconstrução do aparelho digestivo após o atentado a faca que sofreu em setembro do ano passado.

—É lógico que (a recuperação) atrapalha. Além de não poder ir mais tarde no expediente e tenho que encerrar 18, 19 horas. Então isso atrapalha um pouco —afirmou.

Ele reclamou, ainda, que alguns deputados querem encontrá-lo para pedir indicações de cargos:

—Mas não me venham pedir (indicação na) Ceagesp (central de distribuição de alimentos em São Paulo), como alguns pouquíssimos pedem. Daí não dá certo.

Segundo o presidente, a distribuição de ministérios “sem indicação de partidos políticos” dificulta o relacionamento com o Congresso. (*Estagiário, sob supervisão de Tiago Dantas. Colaboraram Amanda Almeida e Daniel Gullino)

A linha do tempo da crise

1 Ruídos na tramitação do pacote anticrime

Maia retarda a tramitação do pacote anticrime do ministro Sergio Moro. Este reclama via mensagem de celular que um acordo estava sendo descumprido. Maia vai a público e diz que o ex-juiz está “confundindo as bolas”.

2 Provocação de Carlos Bolsonaro nas redes

Em sinal de apoio a Moro, Carlos Bolsonaro posta em uma rede social: “Por que o presidente da Câmara anda tão nervoso?”. Naquele dia o ex-ministro Moreira Franco, casado com a sogra de Maia, havia sido preso.

3 Maia anuncia que não articulará mais a reforma

Irritado com as provocações de Carlos, Maia afirma que não conduzirá mais as articulações pela aprovação da reformada Previdência.“A responsabilidade do diálogo daqui pra frente com os deputados passa a ser do governo”.

4 Ironias de Bolsonaro e citações à ‘velha política’

Em viagem ao Chile, Bolsonaro voltou a alfinetar Maia. Comparou o presidente da Câmara com uma “namorada” que quer ir embora. Ele disse ainda que “tem político que não quer largar a velha política”.

5 PEC do Orçamento e ausência de Guedes

Na terça-feira, o ministro Paulo Guedes, principal fiador da reforma da Previdência, deixou de ir à Câmara para debater a proposta. Horas depois, deputados aprovaram projeto que engessa ainda mais o Orçamento.

6 Nova troca de ataques e mais impasse

Bolsonaro afirmou que Maia está “um pouco abalado com questões pessoais”. O deputado rebateu dizendo que o presidente está “brincando de governar”. Em tréplica, Bolsonaro lamentou declaração de Maia.

“Ele está um pouco abalado com questões pessoais que vem acontecendo na vida dele”

Jair Bolsonaro, presidente da República

“Abalados estão os brasileiros que estão esperando desde 1º de janeiro que o governo comece a funcionar”

Rodrigo Maia, presidente da Câmara