O globo, n. 31279, 28/03/2019. País, p. 6

 

Falta de articulação expõe governo no Congresso

Bruno Góes

Eduardo Bresciani

28/03/2019

 

 

Moro terá de comparecer a comissão na Câmara, e deputados planejam mudar MP que definiu número de ministérios

As dificuldades do governo para articular uma base aliada no Congresso permitiram ontem mais um dia de más notícias para o Palácio do Planalto na Câmara e no Senado. Chamados a falar em comissões, seis ministros foram expostos a críticas de líderes partidários.

Deputados da oposição aproveitaram a vulnerabilidade da base para aprovar, por 10 votos a 0, a convocação do ministro da Justiça, Sergio Moro, a comparecer à Comissão de Participação Legislativa para falar sobre o projeto anticrime e o decreto de posse de armas. Por ter sido uma convocação, Moro, que ontem esteve no Senado, é obrigado a comparecer à comissão da Câmara.

Um possibilidade de evitar um desgaste com a convocação de Moro veio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que ontem trocou ataques com o presidente Jair Bolsonaro. Ele avisou que há chance de a medida ser revista, uma vez que o colegiado que aprovou o chamado não seria o mais adequado para cobrar explicações do chefe da Justiça.

Mas há sinais de novos problemas para o governo nas próximas semanas. Parlamentares revelaram ao GLOBO a existência de articulações na Câmara para a aprovação de uma série de mudanças no texto da Medida Provisória (MP) 870, que definiu a estrutura administrativa do governo. Se o plano for levado adiante, a formatação do governo pode ser redesenhada pelos congressistas, com o corte de ministérios e até o remanejamento de repartições entre pastas na estrutura do Executivo. Em uma frase ilustrativa da dificuldade de organização da base aliada, o líder do partido de Bolsonaro no Senado criticou ontem a fragilidade do governo no Congresso.

—Estamos juntos na guerra, mas sem logística, sem munição — disse Major Olímpio (PSL-SP).

Responsável pela articulação política, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, esteve ontem com senadores de seis partidos para mostrar que a crise está sendo contornada.

541 emendas

A MP 870 recebeu no total 541 emendas de parlamentares. Muitas defendem reduzir ainda mais o número de ministérios e mudar a atribuição de vários integrantes do primeiro escalão, em especial do ministro da Justiça Sergio Moro. Primeira medida de Bolsonaro na Presidência, a MP estabeleceu o novo formato do governo, com 22 ministérios. Na próxima semana, uma comissão para analisar o texto da matéria deve ser instalada.

Há parlamentares que pregam o fim das pastas do Turismo e dos Direitos Humanos. Também começam a analisar a possível transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) da Justiça para a Economia e a recriação do Ministério de Segurança Pública. A Funai também poderia retornar ao ministério de Moro.

— Em meio à crescente onda de violência que assombra o país, não vejo motivos para extinguir o Ministério da Segurança Pública como fez o governo. Vou defender, ao longo da tramitação da MP 870, que este organograma administrativo seja restabelecido —diz o líder do DEM, Elmar Nascimento (BA).

Indicado pelo MDB para a comissão, o deputado Hildo Rocha (MA) é um dos autores de emendas para que a estrutura da Funai volte à pasta da Justiça.

— Não tem cabimento a Funai ficar na pasta de Direitos Humanos. Pelas conversas que tive, acho que será aprovada a emenda — disse o parlamentar.

O emedebista destaca que a bancada da bala já se manifestou a favor da recriação da pasta da Segurança.

— Era um ministério que vinha dando certo, tendo resultados positivos.

Na comissão, dos 25 integrantes titulares, só há dois parlamentares do PSL, a deputada Bia Kicis (DF) e senadora Selma Arruda (MT).

Além de Sergio Moro, que falou do pacote anticrime no Senado, e de Guedes, que tratou de reforma da Previdência ao comparecer à Comissão de Assuntos Econômicos da Casa durante toda a tarde, o ministro da Educação, Ricardo Vélez, foi bastante questionado na Câmara sobre uma série de polêmicas e exonerações que marcam sua gestão na pasta.

Outro auxiliar do primeiro escalão de Bolsonaro fustigado na Câmara foi o chanceler Ernesto Araújo. Em uma sessão que durou cerca de sete horas, os opositores chamaram de subserviente e humilhante a relação do Brasil com os Estados Unidos. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, foi cobrado no Senado sobre a situação dos cubanos que ficaram no país, após o fim do contrato do governo com Cuba no programa Mais Médicos. O titular do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu pautas controversas como a flexibilização dos agrotóxicos.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Ministro dá limites para Congresso mudar pacote

Daniel Gullino

28/03/2019

 

 

Moro diz que desistiria de projeto se deputados retirarem, por exemplo, trechos sobre corrupção

Ao comparecer ontem à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado para falar sobre o pacote anticrime enviado ao Congresso, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, afirmou que não concordará com eventuais mudanças feitas por parlamentares que desfigurem o projeto.

O pacote de Moro consiste em três projetos que modificam 14 leis, numa tentativa de endurecer o combate ao crime organizado, à corrupção e à violência. Perguntado como reagiria se os trechos sobre corrupção fossem retiradas, o ministro disse que nesta hipótese preferiria retirar o projeto.

— Nenhum deputado ou deputada me solicitou a retirada das previsões da corrupção do projeto. Eu, particularmente, se houvesse uma solicitação dessa espécie, eu jamais concordaria. Os três temas estão relacionados. Eu preferiria retirar o projeto. É preciso dar uma resposta aos anseios da sociedade em relação a esses problemas.

Moro chamou de “contornável” a briga que teve na semana passada com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que se irritou com o ministro por ter sido cobrado a acelerar a tramitação do pacote. Maia chamou Moro de “funcionário de Bolsonaro” e chegou a dizer que o pacote era cópia de um projeto do ministro do STF Alexandre de Moraes sobre segurança pública — os dois textos estão sendo analisados por uma comissão de deputados instituída por Maia.

— Há uma prioridade, de fato, da Nova Previdência. O que eu tenho argumentado é que essa questão da Segurança Pública também é extremamente relevante. Houve uma troca de palavras ásperas, mas isso é absolutamente contornável.

Foi sugerido a Moro que o pacote anticrime começasse a tramitar pelo Senado, evitando assim uma suposta má vontade da Câmara com o projeto. Para isso, seria preciso que um senador apresentasse o pacote no Senado, mas Moro preferiu não se envolver diretamente nesta possível manobra.

— Temos que respeitar a Câmara e o seu presidente. Se o Senado conseguir um “ok”, podemos prosseguir aqui pelo Senado. Eu não tenho nenhuma objeção.