Título: A principal acusação
Autor: Mader , Helena
Fonte: Correio Braziliense, 05/08/2012, Política, p. 2
O escândalo do mensalão ganhou repercussão nacional e ficou conhecido como um grande esquema de pagamento de propina a parlamentares. Mas, ao contrário do que sugere a expressão, o principal crime descrito na denúncia contra os réus não é o de corrupção. A acusação mais recorrente no processo, que começou a ser julgado na última quinta-feira, é a de lavagem de dinheiro, que prevê pena de três a 10 anos de detenção. Dos 38 réus do mensalão, 86% foram denunciados por esse crime, percentual muito superior aos acusados de corrupção ou de formação de quadrilha, por exemplo.
Para a Procuradoria-Geral da República, 33 réus recorreram a métodos criminosos para ocultar a origem ilícita do dinheiro usado no esquema do mensalão. Mas especialistas ouvidos pelo Correio explicam que as condenações por lavagem de dinheiro são raras no Judiciário brasileiro, já que os tribunais exigem a comprovação de que houve um crime anterior. Ou seja, é preciso que a PGR mostre com clareza como os acusados tiveram acesso aos milhões que circularam pelo chamado valerioduto para que os ministros do Supremo Tribunal Federal decidam condenar os acusados por lavagem de dinheiro.
De acordo com a denúncia da Procuradoria-Geral da República, foram descritas pelo menos 60 situações de flagrantes desse crime. "Os delitos de lavagem de dinheiro eram praticados de forma habitual, haja vista que a denúncia descreveu mais de 60 episódios consumados ao longo do tempo", explicou em suas alegações finais o procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Por conta disso, ele pediu ao STF um agravamento de punição para os réus, em caso de condenação por lavagem de dinheiro. A lei prevê um aumento de um a dois terços da pena se os crimes forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa. Nesse caso, os réus condenados podem ficar até 16 anos e meio presos.
Dos 38 réus, apenas cinco não respondem por lavagem: o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-secretário de Comunicação do governo Luiz Gushiken e os ex-deputados federais petistas José Genoino e João Magno. Todos são acusados de formação de quadrilha, corrupção ou peculato.
A Procuradoria-Geral da República alega que as operações implementadas no esquema do mensalão "tiveram como objetivo primário dissimular a natureza, origem, localização, movimentação e a propriedade dos valores". Ainda segundo a denúncia, os recursos que abasteceram o esquema eram "provenientes de uma organização criminosa dedicada à prática de crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional."
Ainda de acordo com a PGR, o Banco Rural teve papel fundamental no esquema de lavagem de dinheiro, pois teria concedido empréstimos fictícios no total de R$ 32 milhões a empresas do empresário Marcos Valério e ao PT. Os advogados dos diretores da instituição alegam que há perícias da Polícia Federal que atestam a veracidade dos empréstimos e, com base nesses documentos, a defesa vai tentar absolver os quatro ex-dirigentes do Rural.
Identificação O empresário Marcos Valério, acusado de ser operador do esquema do mensalão, é réu por formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato, evasão de divisas, além de ter sido denunciado por lavagem de dinheiro. A defesa dele alega que é impossível caracterizar o delito de lavagem porque os valores que circularam entre Valério e os acusados tinham origem em empréstimos bancários lícitos e que os recursos estavam depositados em conta bancária de titularidade da própria agência de publicidade do acusado. Os advogados de defesa alegam ainda que a orientação para saque dada pela empresa de Valério tinha a identificação nominal dos sacadores.
"Os valores foram sacados pelas pessoas indicadas pela empresa ao banco, que arquivou os recibos dos sacados e até cópia das identidades. Dinheiro em conta bancária devidamente titulada e com origem lícita não é dinheiro sujo que precisa ou pode ser lavado", argumentou o advogado de Valério, Marcelo Leonardo, no memorial que entregou ao STF.
A defesa de Marcos Valério recorre até mesmo ao caseiro Francenildo Santos Costa, que, em 2006, denunciou o ex-ministro Antonio Palocci. O advogado do publicitário anexou um documento do Ministério Público Federal em que é pedido o trancamento do inquérito policial contra o caseiro, por suposta lavagem de dinheiro. "Francenildo não praticou conduta criminosa porque em nenhum momento dissimulou ou ocultou a origem dos depósitos, eis que receber depósitos em conta-corrente própria é conduta revestida de absoluta transparência", afirmou à época o MPF, diante das denúncias de que ele teria recebido recursos suspeitos em sua conta bancária. Logo depois de citar o trecho referente a Francenildo, o advogado de Valério contextualiza os argumentos em prol de seu cliente. "Além do dinheiro estar em conta bancária identificada, de titularidade da empresa SMP&B, foram tomadas as providências para identificação dos sacadores."
Saque de assessor A defesa do ex-deputado federal João Paulo Cunha diz que ele não pode ser acusado de lavagem de dinheiro sem que a PGR comprove que Cunha tinha conhecimento da origem ilegal dos recursos sacados. "Era imprescindível que o acusado soubesse da origem ilícita e quisesse intencionalmente aderir à conduta da suposta quadrilha para auxiliá-la a mascarar sua origem ilegal. Onde está a prova de que ele estava ciente da origem ilícita dos recursos?", questiona o advogado Alberto Zacharias Toron, em sua argumentação remetida ao STF.
O ex-deputado federal Professor Luizinho, acusado de receber R$ 20 mil do esquema do mensalão, responde apenas pelo crime de lavagem de dinheiro. O dinheiro foi sacado pelo então assessor parlamentar do deputado José Nilson dos Santos. O advogado de Professor Luizinho, Pierpaolo Bottini, afirmou ao Correio que o ex-deputado nem sequer sabia da existência desse dinheiro e que a responsabilidade foi toda do assessor. Ainda assim, ele nega o crime de lavagem. "A procuradoria diz que o fato de alguém receber R$ 20 mil em dinheiro vivo sem saber a origem seria uma forma de ocultação. Mas a pessoa que pegou esses recursos no banco deixou identidade, assinou recibo, ou seja, não há nada que sequer pudesse ser caracterizado como crime de lavagem de dinheiro."
Sessões extras A possibilidade de atrasos no julgamento fez o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar a possibilidade de marcar sessões adicionais às previstas no cronograma. A medida pode evitar que ações protelatórias impeçam a participação do ministro Cezar Peluso, com aposentadoria marcada para setembro.
38 Total de réus no processo do mensalão, em julgamento no Supremo Tribunal Federal desde a última quinta-feira
33 Quantidade de réus que respondem por lavagem de dinheiro. Dos quais, 23 também são acusados de formação de quadrilha e 10, de evasão de divisas
"Os delitos de lavagem de dinheiro eram praticados de forma habitual" Roberto Gurgel, procurador-geral da República, em suas alegações finais
"Onde está a prova de que ele estava ciente da origem ilícita dos recursos?" Alberto Zacharias Toron, advogado de João Paulo Cunha, em sua argumentação remetida ao STF