Título: A transparência de cada um
Autor: Tahan , Lilian
Fonte: Correio Braziliense, 05/08/2012, Cidades, p. 30

Transparência é um conceito para o qual cabem diferentes interpretações quando se refere à exposição de salários dos servidores públicos. Orientados a informar os valores das remunerações de seus funcionários, os órgãos públicos estão fazendo uma leitura própria da Lei de Acesso à Informação, que embasa a publicação dos dados. Essa diferença de interpretação do texto legal repercute na forma como os valores são disponibilizados nos sites oficiais. No Distrito Federal, o GDF foi o único poder a revelar todos os quesitos referentes aos contracheques de seus 120 mil trabalhadores, incluindo nomes de funcionários, vencimentos básicos, funções comissionadas, descontos obrigatórios e pagamentos líquidos.

Da forma como a Secretaria de Transparência disponibilizou as informações na web, é possível pesquisar quantos são os servidores que ganham acima do teto (são 1.626), em que setores trabalham e a função que desempenham. Pode-se calcular a média de salário de categorias como a de médicos (R$ 13.345,41) ou de professores (R$ 6.695,75) e detectar, por exemplo, que em um só mês, o de junho, por exemplo, o GDF pagou mais de R$ 7 milhões em horas extras, 90% delas concentradas na área de saúde. Com os dados à disposição, pode-se concluir que o salário mínimo no DF é acima de R$ 1 mil e que 461 inativos ganham mais que o teto de R$ 24.117,62 — valor que precisa ser abatido para se enquadrar na Constituição.

Depois da Secretaria de Transparência, foi a vez de o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), que publicou informações sobre contracheques de seus funcionários após uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomendar a medida. Diferentemente do GDF, no entanto, o TJDFT divulgou, em vez dos nomes, as matrículas dos trabalhadores, com cargo, remuneração básica, função comissionada, benefícios e o total bruto. Além disso, é fácil saber quando os salários ultrapassam o teto constitucional, uma vez que é identificada a quantia acima de R$ 24,1 mil glosada para atender às exigências da lei. A partir das informações oferecidas no site do TJDFT, soube-se que o tribunal pagou em maio mais de R$ 100 mil a 76 servidores. Isso ocorreu porque, além dos vencimentos regulares, esses funcionários tiveram ganhos eventuais, entre os quais passivos de ações judiciais favoráveis ao pagamento retroativo de benefícios.

Ao julgar um mandado de segurança impetrado pelo sindicato dos auditores de controle interno do DF, que pediram para evitar a divulgação sobre os dados de seus salários, o desembargador do TJDFT Mário Machado expôs argumentos que coincidem com o entendimento do tribunal sobre a Lei de Acesso à Informação e a decisão de publicar matrículas dos funcionários, e não os nomes de servidores. "O real objetivo da lei é assegurar o direito fundamental de acesso à informação, sem violar a intimidade e a privacidade dos servidores públicos e de seus familiares, muito menos colocar em risco sua segurança", sustentou Machado.

Metodologia A primeira versão da tabela de salários divulgada pela Câmara Legislativa na última semana regredia em alguns quesitos em relação à metodologia do GDF e do TJDFT. Assim como o Tribunal, a Câmara não expôs nomes e, a princípio, era necessário saber a matrícula do servidor para fazer a pesquisa. Além disso, só era possível descobrir o salário real do funcionário depois de fazer o cruzamento das tabelas de valores brutos com a de funções comissionadas. Assim, remunerações acima do teto ficavam escondidas. Mas a Casa reconheceu que os dados pouco contribuíam para a transparência e em dois dias mudou a forma de disponibilizar as informações.

Desde a sexta-feira, estão publicados em uma tabela as matrículas de servidores, os cargos ou funções que desempenham, o departamento em que trabalham, a data em que ingressaram, o salário bruto, se há teto redutor e o valor líquido dos proventos. Assim, passou a ser possível saber, como revelou o Correio em sua edição de ontem, que 53 funcionários da Câmara Legislativa têm salários que ultrapassam o teto constitucional e são limitados no valor de R$ 24,1 mil por força da lei. Depois dos ajustes, também apareceram os contracheques com altos valores, como o de um servidor concursado que exerce um cargo de chefia na unidade de redação parlamentar e construção de textos legislativos. Em julho, ele recebeu R$ 50.927,23, levando em conta ganhos eventuais como férias e 13 salário.

R$ 24.117,62 A Constituição estabelece este valor como o teto salarial, mas há artifícios que permitem inflar ainda mais o contracheque

MP ainda não aderiu Quanto ao Ministério Público do DF, houve uma sinalização de que as informações referentes a salários serão publicadas em breve. Para tanto, o órgão de controle aguarda uma posição definitiva do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que elaborou um projeto de resolução em que prevê o mecanismo de transparência dos contracheques. Mas a comissão responsável pelo assunto abriu prazo para a apresentação de sugestões, que até agora somam 13 emendas. Depois de analisá-las, conselheiros do CNMP vão aprovar a versão final da proposta que valerá para todos os ministérios públicos. A tendência é de que a publicação siga o formato usado pelo TJDFT.

Polêmica até na Justiça

A Lei de Acesso à Informação (nº 12.527/2011) entrou em vigor em 16 de maio deste ano. Ela dispõe sobre os procedimentos a serem adotados pelos entes federados como forma de garantir o acesso da população a informações relacionadas com gastos da máquina pública. A colocação dos contracheques dos servidores no ar na internet é uma das leituras da lei, tanto que cada poder está adotando um procedimento.

O Governo do DF foi o primeiro a disponibilizar os dados no país (à frente até da União), inclusive com a identificação nominal dos servidores, em 27 de junho passado. O Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) colocou as informações dias depois (mas sem identificar os servidores) e a Câmara Legislativa do DF só o fez na semana passada. Já o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) e o Tribunal de Contas do DF (TCDF) ainda não se posicionaram sobre a maneira que farão as divulgações.

Até agora, o modelo de publicidade mais contestado foi o do Executivo local. A identificação nominal dos servidores levou a reclamações generalizadas, chegando a provocar reações judiciais dos sindicatos representantes das categorias. Eles reclamavam de exposição excessiva das pessoas. Das várias ações, a do Sindicato dos Servidores Públicos Civis (Sindireta) teve liminar favorável e retirou a publicação do ar durante algumas horas. Mas a decisão foi derrubada pouco depois. Resposta mais positiva teve o sindicato dos auditores fiscais, que mantém até hoje liminar que garante a não publicação das informações da categoria lotada justamente na pasta responsável por fazer a divulgação, a Secretaria de Transparência e Controle.