O globo, n. 31280, 29/03/2019. País, p. 4

 

Trégua à vista

Eduardo Bresciani

Gustavo Maia

Jussara Soares

Victor Farias

29/03/2019

 

 

Após ataques, Bolsonaro e Moro afagam Maia, que indica destravar projetos do governo

Um dia depois de a crise entre governo e Congresso ter chegado a seu auge com troca de ataques públicos, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o presidente Jair Bolsonaro acenaram com uma trégua em declarações públicas.

Em outro gesto de reaproximação, Maia recebeu em café da manhã o ministro da Justiça, Sergio Moro, com quem também havia se desentendido recentemente, por causa da tramitação do pacote anticrime enviado pelo governo à Câmara.

Para além do discurso de harmonia, o governo conseguiu avanços concretos em suas duas principais apostas no conturbado início de relação com o Legislativo.

Ao ministro da Justiça, Maia prometeu que o prazo do grupo de trabalho criado para analisar o pacote anticrime de Moro será reduzido —de 90 para 45 dias, segundo a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), presente ao encontro dos dois.

Em outra frente, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara definiu o deputado Marcelo Freitas (PSL-MG) como relator da reforma da Previdência, um nome que teve aval do Palácio do Planalto.

Na quarta-feira, dia mais tenso da crise, Bolsonaro havia afirmado que Maia estaria “abalado” por questões familiares, numa referência à prisão de seu sogro, o exministro Moreira Franco. Ontem, o presidente levantou a bandeira branca:

— Para mim, isso foi uma chuva de verão. O sol está lindo. O Brasil está acima de nós — declarou o presidente, durante solenidade da Justiça Militar, antes de mandar “um abraço para o Rodrigo Maia”. — Da minha parte não tem problema nenhum, vamos em frente, é “página virada”.

O presidente da Câmara fez coro ao discurso:

— Não tem farpa. Não vamos olhar para trás, não tem a disputa de quem começou, de quem errou. Tenho certeza que o importante é que a gente continue trabalhando — afirmou, num tom diferente da véspera, quando declarou que o presidente está “brincando de governar”.

Próximos testes

Amenizar o tom das brigas públicas foi um primeiro passo para o governo conseguir avançar na articulação de uma base aliada no Congresso, sua principal deficiência na área política até aqui.

Embora tenha sido um consenso entre Planalto e o presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-SP), o deputado escolhido para relatar a reforma da Previdência na comissão teve de ser do partido de Bolsonaro, também porque não houve acordo com outra legenda para assumir a função.

Há ainda desafios a serem enfrentados na Câmara. Diante da insatisfação de parlamentares com o governo, a lista de de derrotas que o Executivo teve nos primeiros meses do ano pode aumentar. Para a próxima semana, deputados articulam fazer mudanças na Medida Provisória que definiu a estrutura administrativa da gestão Bolsonaro, o que poderia mexer no número de ministérios.

O humor dos parlamentares com o ministro Moro também será testado. Após convocação aprovada por deputados esta semana, ele terá que prestar esclarecimentos na Câmara sobre o projeto anticrime.

Ontem, Maia e Moro minimizaram as trocas de farpas das últimas semanas. O presidente da Câmara chegou a dizer que Moro estava “confundindo as bolas” ao reclamar da velocidade de tramitação do pacote anticrime na Casa. Além disso, disse que o projeto de Moro era uma cópia de outro defendido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Após o café da manhã, Maia classificou os episódios como “um problema de comunicação.

— Houve frases mal colocadas da minha parte e da parte dele também. Os dois reconheceram. Tenho certeza que o grupo de trabalho vai ajudar muito. Na próxima semana, ele vai receber o grupo de trabalho, quero estar junto —disse Maia.

Já o ministro da Justiça garantiu ter “relação muito cordial” com o deputado.

— Temos que deixar as divergências pessoais de lado, que, às vezes, nem são tão pessoais, são bobagens. Foi acertado um compromisso de o projeto tramitar na Câmara —declarou Moro.

Ontem, Bolsonaro reconheceu que há parlamentares queixosos de receber pouca atenção do Planalto, inclusive do próprio presidente. E explicou que tem tido dificuldade de atender a todos.

— Eu gostaria de atender mais políticos no Planalto, mas o dia só tem 24 horas. Eu tenho que cinco, seis horas dormir, por isso eu não atendo mais gente.

O presidente disse ainda que não existe uma “base aliada garantida”, já que os parlamentares são independentes para decidir de acordo com os próprios entendimentos.

—É isso que faz a democracia ficar forte. É natural, eu fui deputado por 28 anos.

“É assim a nossa vida, de vez em quando há alguns percalços. Para mim, isso foi uma chuva de verão. Um abraço para o Rodrigo Maia. É página virada”

Jair Bolsonaro

“Não tem farpa. Não vamos olhar para trás, não tem a disputa de quem começou, de quem errou. Tenho certeza que o importante é que a gente continue trabalhando”

Rodrigo Maia

“Tenho relação cordial com o presidente da Câmara, uma pessoa sensata. Temos de deixar as divergências pessoais de lado. Às vezes, nem são pessoais, são bobagens”

Sergio Moro

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Presidente recua e agora fala em ‘rememorar’ 1964

Gustavo Maia

Jussara Soares

Vinicius Sassine

29/03/2019

 

 

Bolsonaro diz que não determinou que os quartéis comemorassem o golpe militar; porta-voz do Planalto havia usado a expressão

O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que não determinou que os quartéis comemorassem o golpe militar de 1964, que completa 55 anos no próximo domingo, dia 31 de março. Segundo ele, a ordem para as Forças Armadas foi para “rememorar” e “rever o que está certo e o que está errado” no período.

Na última segunda-feira, no entanto, o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, disse à imprensa que Bolsonaro determinara que o Ministério da Defesa fizesse “as comemorações devidas” no aniversário da data, que iniciou um período de 21 anos de ditadura, entre 1964 e 1985.

— Não foi comemorar. (Foi) rememorar, rever o que está errado, o que está certo e usar isso para o bem do Brasil no futuro.

Jair Bolsonaro comparou a ditadura a um casamento com problema. Segundo ele, quando um casal resolve se perdoar, não é “para voltar naquele assunto do passado que houve um mal entendido”.

—A Lei da Anistia tá aí e aí valeu para todos. Inclusive o governo militar da (época da) fez com que ela fosse ampla, geral e irrestrita. E alguns setores dentro do Parlamento não queriam que certas pessoas voltassem a Brasília porque atrapalhariam seus projetos. Lei da Anistia, vamos respeitar.

Mudança de nome

Ontem, o comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, alterou em sua agenda o termo usado para se referir ao evento do qual participará para lembrar o golpe de 31 de março de 1964 . Na primeira agenda da semana divulgada na última segunda-feira, consta a presença de Pujol em “Solenidade comemorativa ao Dia 31 Mar 1964”.

Às 14 horas de ontem, a expressão foi alterada pelo comando do Exército para “Solenidade alusiva ao Dia 31 Mar 1964”. O Centro de Comunicação Social do Exército informou que a troca foi necessária para deixar a expressão mais “adequada” ao que ocorrerá nos comandos e quartéis.

Pujol, a exemplo dos comandantes de Aeronáutica e Marinha, foram oficiados essa semana pelo Ministério Público Federal no Distrito Federal com uma recomendação para que se abstenham de qualquer tipo de comemoração do golpe de 64. Eles foram alertados sobre a possibilidade de configuração de ato de improbidade administrativa, caso a comemoração fosse feita.

O MPF deu prazo de 48 horas para uma explicação sobre a realização dos atos referentes ao aniversário de 55 anos do golpe que implantou por 21 anos uma ditadura militar. Providências deveriam ser adotadas para que militares subordinados deixem de promover ou fazer parte de qualquer manifestação pública que se configure comemoração ou homenagem.