Título: A praça do silêncio
Autor: Abreu , Diego
Fonte: Correio Braziliense, 04/08/2012, Política, p. 2

Considerado um julgamento de proporções históricas, com repercussão internacional, o mensalão decepcionou pela ausência de mobilização social nos dois primeiros dias. Acostumada a ser palco de grandes manifestações, a Praça dos Três Poderes, onde fica a sede do Supremo Tribunal Federal (STF), tem movimento aquém do esperado. Quando comparado a outros julgamentos polêmicos recentes — como a permissão de aborto no caso de fetos anencéfalos, a confirmação das cotas raciais nas universidades, a liberação de pesquisas com células-tronco e a legalidade da Lei da Ficha Limpa —, o mensalão é pífio.

Nessa sexta-feira, no segundo dia do julgamento, cerca de 10 integrantes do Movimento Sindical Contra a Corrupção colocaram uma cela de ferro em frente à Corte com as imagens dos principais envolvidos no caso, como o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares.

Outra figura que circulou pela Praça dos Três Poderes para protestar ontem foi o lavrador Nilson Francisco dos Santos, 63 anos. No entanto, ele nem sequer sabia o que estava acontecendo dentro do STF: "Há muito tempo não vejo televisão", justificou Nilson, que veio a Brasília, acompanhado da cadela Princesa, para protestar pelo fato de não conseguir se aposentar. Morador de Londrina, ele percorreu todo o trecho de pouco mais de 1.080km até a capital federal de bicicleta, vestido de palhaço. No veículo, a frase: "Quem é palhaço é o povo brasileiro". Quem passava pela praça achava que o protesto era uma referência ao mensalão.

Impacto direto Na análise de especialistas ouvidos pelo Correio, um dos motivos principais da baixa audiência do atual julgamento do STF é a falta de impacto direto na vida das pessoas. O cientista político Leonardo Barreto, professor da Universidade de Brasília (UnB), explica que, nos casos em que a Corte julgou a possibilidade de mulheres grávidas de anencéfalos (com ausência de cérebro) interromperem a gestação ou da constitucionalidade das cotas universitárias, por exemplo, muitos movimentos sociais e organizações não governamentais participaram ativamente porque militavam havia anos nessas causas.

Outro fato destacado pelo especialista é que boa parte desses movimentos sociais são ligados à esquerda. Sendo assim, o ideal partidário tem ocultado o movimento de manifestantes, que preferiram não se envolver no julgamento do mensalão, em que a maioria dos acusados é do PT. "A lógica deles é a seguinte: "Se a gente for, vai parecer que somos contra o PT". Eles têm medo de o PSDB capitalizar em cima disso", argumenta Barreto.

Na avaliação do cientista político Paulo Cesar Nascimento, também professor da UnB, a tradição de impunidade do país distancia a população desse tipo de julgamento. Para ele, no Brasil, os casos de corrupção são tão frequentes que já não chamam mais tanta atenção da sociedade. "Tem um certo ceticismo das pessoas. É a velha ideia de que tudo aqui vai dar em pizza", compara. Para ele, a questão temporal também é definidora, já que o mensalão está sendo julgado sete anos após o caso ter vindo à tona. Barreto faz a mesma análise. "O escândalo é antigo. Se o julgamento tivesse acontecido antes, talvez mobilizasse mais gente. Outra questão é que os jovens que hoje têm 18 anos, na época, tinham 11. Ou seja, não se lembram ao ponto de se indignar e se manifestar", avalia.