Título: Direto para a cadeia
Autor: Abreu , Diego
Fonte: Correio Braziliense, 04/08/2012, Política, p. 2
Foi o dia da acusação. Enquanto o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, esquadrinhava o processo do mensalão, episódio que qualificou como "o mais atrevido e escandaloso caso de corrupção e desvio de recursos públicos flagrado no país", o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) acompanhava em silêncio. No fim de uma tarde de apresentação da denúncia, o chefe do Ministério Público Federal requereu a expedição do mandado de prisão contra 36 réus imediatamente após a conclusão do julgamento. Quer que todos os condenados sejam enviados à cadeia antes mesmo do término da análise dos recursos e do trânsito em julgado da Ação Penal 470, o nome formal do mensalão no Supremo.
Gurgel teve cinco horas para detalhar a denúncia — oito minutos para cada um dos 38 réus —, mas gastou quase meia hora apenas para descrever a participação do ex-ministro chefe da Casa Civil José Dirceu, apontado como o chefe da quadrilha, protagonista, líder do núcleo político e mentor do suposto esquema de desvio de recursos públicos e pagamento de propinas em troca da aprovação de projetos de interesse do governo Lula no Congresso.
O nome de Dirceu, que responde por formação de quadrilha e corrupção ativa, foi citado também quando Gurgel se referia aos núcleos político, operacional e financeiro. O procurador-geral deixou claro que não há provas diretas contra Dirceu, mas ressaltou que contra líderes do crime organizado nunca há evidências de participação, apenas testemunhos ou perícias.
Carro-forte Munido de um iPad, Gurgel adotou um tom sóbrio. Em apenas algumas citações, optou pela ironia. Por exemplo, quando disse que os integrantes do suposto esquema sempre faziam operações em dinheiro vivo. "Parece uma desconfiança absoluta no sistema bancário", ridicularizou. Citou o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, o suposto operador do esquema montado por José Dirceu, 197 vezes. Valério teria viabilizado a distribuição de dinheiro para a base aliada com a intermediação de empréstimos supostamente fraudados do Banco Rural ao PT e desvios de recursos de contratos de publicidade.
O dinheiro era entregue em espécie a presidentes de partidos e parlamentares, sem comunicação das operações ao Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf). Em algumas ocasiões, por se tratarem de vultosas quantias, era necessário usar um carro-forte, com seguranças.
Pouco antes de encerrar o pronunciamento, Gurgel estava rouco. Quase perdeu a voz. Tossiu e retomou o discurso para um desabafo e uma nova acusação. Disse ter sido alvo de ataques de toda ordem depois que apresentou as alegações finais pedindo a condenação de 36 dos 38 réus denunciados pelo antecessor Antonio Fernando de Souza — Luiz Gushiken e Jacinto Lamas tiveram a absolvição requerida por falta de provas. "Em 30 anos de Ministério Público, jamais enfrentei, e acredito que nenhum procurador-geral anterior, nada sequer comparável à onda de ataques grosseiros e mentirosos de caudalosas diatribes e verrinas, arreganhos de toda espécie, por variados meios, por notórios magarefes da honra que não possuem", declarou. Em seguida, aos jornalistas, acrescentou: "É um grupo extremamente arrogante".
Depois de quatro horas e 38 minutos, a acusação foi encerrada com citação a uma música popular. O autor, Chico Buarque, um antigo aliado petista: "Dormia a nossa Pátria-mãe tão distraída sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações".
Os acusados Confira a participação dos principais reús no mensalão, segundo a denúncia lida ontem pelo procurador-Geral da República
José Dirceu (foto) Foi o mentor do esquema. Era o líder do núcleo político, o chefe da quadrilha. Não executava ações diretamente, mas planejava todas as atividades. Nada acontecia sem o seu conhecimento. O envolvimento dele é comprovado por perícias e depoimentos, principalmente de Marcos Valério. O publicitário disse que Dirceu sabia de tudo. O ex-ministro da Casa Civil engendrava o esquema dentro do Palácio do Planalto, com ordens cumpridas por Delúbio Soares e José Genoino. Sabia da cooptação, dos pagamentos a parlamentares e da origem ilícita desses recursos. Crimes: lavagem de dinheiro e corrupção ativa
José Genoino Ex-presidente nacional do PT, Genoino era o interlocutor político do grupo. Cabia a ele formular as propostas e acordos com os partidos. Participou de reuniões com líderes do PP, PL e PTB. Sempre se reportava a Dirceu. Crimes: lavagem de dinheiro e corrupção ativa
Delúbio Soares Ex- tesoureiro nacional do PT e coordenador financeiro da campanha de Lula em 2002, ele era o elo entre os núcleos político com o operacional e financeiro, dos quais fazia parte o publicitário Marcos Valério. Cabia a Delúbio indicar os nomes e os valores a serem transferidos para parlamentares e presidentes de partidos. Também foi beneficiário final dos recursos. Teria recebido pelo menos R$ 550 mil. Crimes: lavagem de dinheiro e corrupção ativa
Marcos Valério Apontado como o principal operador do esquema. Se José Dirceu teve importância como mentor, Marcos Valério era o executor. Fazia também a ponte entre os núcleos operacional e financeiro com o político. Conseguiu os empréstimos ao PT no valor de R$ 32 milhões para o esquema e também usava as suas empresas SMP&B e DNA Propaganda para lavar o dinheiro supostamente desviado de contratos com o Banco do Brasil e Câmara dos Deputados. Crimes: formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e evasão de divisas
Roberto Jefferson Delator do mensalão, também se beneficiou do esquema. Como presidente nacional do PTB, negociou com José Genoino o recebimento de R$ 20 milhões, para manter o partido na base do governo Lula. Por causa desse acerto, ele e o tesoureiro do partido, Emerson Palmieri, receberam R$ 4 milhões de Marcos Valério em duas parcelas em dinheiro vivo na sede do partido. Crimes: corrupção passiva e lavagem de dinheiro
João Paulo Cunha Presidente da Câmara dos Deputados na época do mensalão, recebeu R$ 50 mil por meio da mulher, Márcia Cunha. Os recursos teria sido liberados em troca de favorecimento à agência SMP&B, contratada pela Câmara. Crimes: Corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato
Valdemar Costa Neto (foto) Entre 2003 e 2004, Valdemar recebeu R$ 8.885.742,00 em troca de apoio ao governo Lula. O dinheiro foi transferido por meio de um esquema de lavagem de dinheiro. Crimes: corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha