O globo, n. 31278, 27/03/2019. País, p. 6

 

O fisco do Rio na mira da lava-jato

Chico Otávio

Juliana Castro

27/03/2019

 

 

Confissão de Cabral revela como empresas corrompiam para sonegar impostos

No segundo depoimento desde que mudou sua linha de defesa e passou a confessar os crimes de que é acusado, o ex-governador Sérgio Cabral admitiu nesta terça-feira ao juiz Marcelo Bretas ter recebido propina de pelo menos uma grande empresa atuante no Estado do Rio em troca de lhe dar benefícios fiscais e outras vantagens . Em relação ao Grupo Petrópolis, dono da cervejaria Itaipava, Cabral ratificou o que foi dito por seu operador, Carlos Miranda, que em delação afirmou que o grupo pagava mesada de R$ 500 mil à organização liderada pelo emedebista.

A confissão de Cabral abre caminho para uma nova frente de trabalho da Lava-Jato do Rio: a corrupção na área fiscal do governo estadual. Já há investigações em andamento, tanto no Ministério Público Federal (MPF) quanto no Ministério Público do Rio (MP-RJ), sobre um suposto esquema de blindagem de empresas no recolhimento do ICMS devido.

O depoimento de Cabral fortalece a suspeita de que a fraude regular contra a receita estadual só funcionava porque envolvia agentes fazendários. O ex-governador se ofereceu para colaborar com novas investigações.

— Eu poderia ir ao MPF, se desejar, esclarecer em outras circunstâncias, muitas coisas com relação a isso — afirmou, quando falava sobre a influência do empresário Walter Faria, dono do grupo Petrópolis.

Os investigadores desconfiam que, para não pagar ICMS, empresas do esquema de Cabral não contavam apenas com a farra dos benefícios fiscais concedidos pela caneta do ex-governador. Os inquéritos em andamentos tentarão provar que uma ponta do esquema operava dentro da Secretaria Estadual de Fazenda, principalmente nas inspetorias de grandes contribuintes, como a de bebidas e de supermercados, para fazer vista grossa para as manobras contábeis dos devedores.

O ponto de partida é a referência que Cabral fez ao ex-agente fazendário Ary Ferreira da Costa Filho, o Aryzinho, apontado como um de seus operadores. O nome dele foi citado no depoimento de ontem, quando o ex-governador disse que parte da propina paga pelo Grupo Petrópolis ficava com Carlos Miranda, e parte com Ary. Os investigadores acreditam que o ex-agente fazendário era o elo entre as empresas interessadas, o Palácio Guanabara e o Fisco fluminense.

Até então, os investigadores sabiam que Ary operava principalmente para os empresários do Grupo Dirija, a rede de concessionárias de veículos que firmou contratos fraudulentos com uma empresa de Carlos Miranda para justificar o repasse de recursos a Cabral. Com o depoimento de ontem, o ex-governador revela que Aryzinho também operou para a cervejaria e pode ter atuado na compra de blindagem para outros interessados.

— Em relação à Itaipava, o grupo Petrópolis, tinha propina. Houve ajuda em campanha eleitoral e, de fato, havia esse recurso, como o Carlos Miranda falou no depoimento dele — afirmou Cabral.

O ex-governador também foi questionado sobre dinheiro que receberia do grupo Prezunic, na gestão anterior da empresa.

— Em relação ao Prezunic, não houve propina. Quando era presidente da Alerj, houve uma tentativa de alguns deputados de extorsão ao grupo que seu Joaquim (Joaquim Cunha, do grupo Prezunic) liderava. Eu impedi, ele ficou grato e passou a me ajudar em campanhas, principalmente a de 2002 e 2006. (Joaquim) foi um contribuinte importante de caixa dois.

Outro lado

Procurado, o Cencosud, detentor da Prezunic desde 2012, afirmou que, “quando assumiu a operação desta rede no Rio de Janeiro, conforme já havia esclarecido anteriormente, confirma que desconhece qualquer pagamento feito de forma irregular e está à disposição das autoridades para qualquer esclarecimento adicional que se faça necessário”. O GLOBO não localizou Joaquim Cunha.

A assessoria de imprensa do Grupo Petrópolis informou que as empresas do conglomerado não obtiveram qualquer benefício fiscal ou financeiro durante o governo de Sérgio Cabral.

“A empresa sempre atuou de acordo com a legislação e suas relações com o Estado do Rio de Janeiro foram pautadas pelos critérios de geração de empregos para a região, razão pela qual nunca precisou de qualquer subterfúgio para atuar no Estado”, informou em nota.

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Picciani, Melo e Albertassi serão julgados pela 1ª vez

27/03/2019

 

 

Ex-deputados são acusados de receber propinas das empresas de ônibus

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) vai julgar amanhã os ex-deputados estaduais Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do MDB, acusados de receber propinas de empresas de ônibus e da Odebrecht. A ação penal da chamada Operação Cadeia Velha, deflagrada em novembro de 2017, corre na segunda instância da Justiça Federal porque os parlamentares tinham foro privilegiado. Por isso, o TRF-2 é quem vai proferir sentença e definirá as penas, caso haja condenação.

Os parlamentares respondem por associação criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O julgamento ocorre na 1ª Seção Especializada, composta por seis desembargadores. O relator é o desembargador federal Abel Gomes. Os advogados e a acusação têm 15 minutos cada para fazer a sustentação. O Ministério Público Federal (MPF) pediu a condenação dos deputados.

No caso da Fetranspor, o MPF afirma que Picciani recebeu repasses no valor total de R$ 49,9 milhões entre 2010 e 2015, como contrapartida por atos de ofício em favor das empresas de ônibus e pagamentos de R$ 18,6 milhões em 2016 e 2017 em retribuição a atos funcionais com desvio de finalidade. Melo é acusado de receber R$ 54,3 milhões entre 2010 e 2015. Já Albertassi dissimulou, segundo o MPF, pagamentos mensais recebidos de 2012 até 2014 e que somaram mais de R$ 1,7 milhão. As defesas negam.

Melo e Albertassi estão presos preventivamente desde a deflagração da Cadeia Velha, em novembro de 2017. Picciani também foi preso na ocasião, mas no ano passado passou para o regime domiciliar, por enfrentar problemas de saúde.