O Estado de São Paulo, n. 45788, 27/02/2019. Política, p. A8

 

Cabral implica pezão e cita caixa 2 de Paes

Constança Rezende 

27/02/2019

 

 

Em depoimento ao juiz Marcelo Bretas, da 7.ª Vara Federal Criminal, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB) afirmou ontem que Luiz Fernando Pezão (MDB) – que foi seu vice e o sucedeu no governo – participou do esquema de propinas admitido por ele ao Ministério Público Federal. Cabral disse ainda que o ex-prefeito Eduardo Paes (hoje no DEM) teria se beneficiado com dinheiro de caixa 2 na campanha à Prefeitura do Rio em 2008.

Em outro trecho, o ex-governador disse que até membros da Igreja Católica teriam se beneficiado de desvios na saúde, por meio de organizações sociais que administram. Ele declarou que o cardeal-arcebispo d. Orani Tempesta “tinha interesse” nas irregularidades.

Preso desde 2016 pela Lava Jato, Cabral admitiu pela primeira vez que pediu e recebeu propinas em depoimento, semana passada, ao MPF do Rio. Ontem, disse que decidiu confessar “para ficar bem consigo mesmo”. “Esse foi o meu erro de postura, de apego ao dinheiro, ao poder. Isso é um vício”, afirmou ele, que responde a 28 processos e já foi condenado a quase 200 anos de prisão.

O ex-governador disse que havia “uma tradição” de cobrar propina de prestadores de serviços do Estado. No caso dos contratos da Saúde, ele disse que ficava com 3% e Sérgio Côrtes, ex-secretário da pasta, com 2%. Cabral também afirmou que o dinheiro que os doleiros Renato e Marcelo Chebar disseram ter lavado de propina era dele. “Participei da propina, sim. O dinheiro dos irmãos Chebar era meu dinheiro, sim.”

Cabral isentou de responsabilidade sua mulher, Adriana Ancelmo, por negociações criminosas feitas por meio do escritório de advocacia dela. “Eu contaminei esse escritório”, afirmou. Adriana chegou a ser presa, foi solta e passou a cumprir prisão domiciliar e, desde o ano passado, teve a restrição substituída pelo uso de tornozeleira eletrônica.

 

Paes. Segundo Cabral, houve um esquema de propina na primeira fase das obras no Maracanã, para os Jogos Pan-Americanos, quando Eduardo Paes era seu secretário de Esportes e Lazer. Ele não disse se Paes recebeu propina, mas afirmou que arrecadou dinheiro para a campanha do ex-prefeito por caixa 2.

“Se não me falha a memória, Arthur Soares (empresário e prestador de serviços para o Estado do Rio) deu, à campanha do Paes, de R$ 3 milhões a R$ 4 milhões e depois reclamou muito porque os serviços não foram dados a ele. Ele esperava receber contratos. Depois acabou ganhando (a obra) do Centro de Operações do Rio.”

Cabral disse que o empresário Miguel Iskin, que tinha contratos com hospitais públicos, também doou R$ 1 milhão para a campanha do Paes. Ele acrescentou que fez questão que o ex-secretário municipal e atual deputado federal Pedro Paulo (MDB), que é ligado ao ex-prefeito, estivesse junto dele nessas negociações de caixa 2 da campanha de Eduardo Paes.

A campanha de Pezão ao governo do Rio em 2014, afirmou Cabral, custou R$ 400 milhões, enquanto oficialmente teria contabilizado apenas R$ 70 milhões. Ele afirmou que Iskin também lhe deu dinheiro para a campanha de Pezão, para comprar o apoio do Solidariedade.

O emedebista afirmou que Pezão, preso em novembro, também recebeu propina quando era seu vice e como seu Secretário de Obras. “Ele trouxe com ele o Hudson Braga, que era braço direito dele. E sim, também existia a taxa de oxigênio (1% do valor de contratos públicos paga pelas empreiteiras como forma de propina)”, confessou.

 

D. Orani. Cabral citou contratos do Estado com a Organização Social Pró-Saúde, que é administrada por padres da Igreja Católica e o cardeal d. Orani João Tempesta, arcebispo da Arquidiocese do Rio, como possivelmente irregulares. “Não tenho dúvida de que deve ter havido esquema de propina com a OS da Igreja Católica, a Pró-Saúde. D. Orani devia ter interesse nisso, com todo respeito ao d. Orani, mas ele tinha interesse nisso.”

Por nota, Arquidiocese do Rio repudiou as afirmações do exgovernador. Respondeu que a Igreja Católica no Rio “tem o único interesse que organizações sociais cumpram seus objetivos, na forma da lei, em vista do bem comum”. Já a Pró-Saúde afirmou que “tem colaborado com as investigações e, em virtude do sigilo do processo, não se manifestará sobre os fatos”.

Em nota, Paes afirmou que “jamais pediu qualquer tipo de propina ou beneficiou qualquer empresa, muito menos fez parte de qualquer organização criminosa”. O Estado procurou representantes de Pezão, dos empresários Arthur Soares e Miguel Iskin, de Hudson Braga e do partido Solidariedade, mas nenhum deles se manifestou.

 

"Vício"

“Esse foi o meu erro de postura, de apego ao dinheiro, ao poder. Isso é um vício.”

 

“Ele (Pezão) trouxe o Hudson Braga, braço direito dele. E, sim, também existia a taxa de oxigênio (1% do valor de contratos públicos pago pelas empreiteiras como forma de propina).”

Sérgio Cabral (MDB)

EX-GOVERNADOR DO RIO