O Estado de São Paulo, n. 45787, 26/02/2019. Política, p. A10

 

Cabral admite pela primeira vez que pediu e recebeu propinas

Fábio Grellet

26/02/2019

 

 

Preso desde 2016 pela Lava Jato, ex-governador do Rio dá depoimento ao Ministério Público; ‘quero x% da obra’, relata ele

Lava Jato. Sérgio Cabral falou ao MPF na 5ª feira passada

Preso desde novembro de 2016 e já condenado a 197 anos e 11 meses de prisão, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB) admitiu pela primeira vez que recebeu propina durante suas gestões como governador. A confissão foi feita em depoimento na quinta-feira passada ao Ministério Público Federal (MPF) no Rio, e seu conteúdo foi divulgado ontem pelo Jornal Nacional, da TV Globo.

A mudança de discurso ocorre após a troca de advogado – Marcelo Delambert assumiu a defesa de Cabral em 3 de janeiro deste ano. Por enquanto, não foi firmado acordo de delação premiada – Cabral é tratado pelo MPF como réu confesso.

Ao longo do depoimento, que foi sigiloso, o ex-governador admitiu que recebeu propina de empreiteiras, como Queiroz Galvão e Odebrecht, e de empresários, como Arthur Menezes Soares Filho conhecido como “Rei Arthur” e dono de empresas que mantiveram contratos com o governo do Estado nas gestões de Cabral (20072010 e 2011-2014).

Cabral disse que definia a porcentagem que queria receber, conforme a obra, e avisava Regis Fichtner, que foi chefe da Casa Civil durante suas gestões e está preso desde 15 de fevereiro. Segundo Cabral, caberia a Fichtner, que classificou como “primeiro-ministro” de seu governo, negociar a propina com as empresas que firmavam contratos com o governo.

“Tudo comandado pelo Régis. Eu dava na mão dele. Dizia: eu quero assim, faz assim, ele ia fazendo, coordenando e tirando os próprios proveitos dele. Eu tirava os meus proveitos dos meus combinados, eu quero ‘x%’ da obra, 2%, 3% da obra, e o Régis fazia um acordo, se beneficiava também dessa caixa. E se beneficiava... que não me abria isso, tudo eu vinha a descobrir depois. Ele fazia contrato na cara de pau, para a Queiroz, para a Odebrecht, para não sei o que”, disse Cabral, no vídeo exibido pela emissora.

Cabral afirmou que o esquema começou no início de sua primeira gestão, em 2007. “Se não foi janeiro, foi fevereiro, se não foi fevereiro, foi março, quando começou a rolar a propina paga por aqueles agentes, fornecedores”, disse Cabral.

Segundo o ex-governador, em 2002 Fichtner ganhou uma bonificação, que acredita ter sido de R$ 500 mil, pelos serviços prestados no esquema.

Defesa. Em nota enviada para a TV Globo, o escritório de advocacia que defende Regis Fichtner afirmou que, se o ex-governador fez tais declarações, elas “só podem estar servindo ao propósito de obtenção de benefícios ilegítimos de alguém que já foi condenado em inúmeros processos”. Na sequência, acrescentou que “a defesa só vai se manifestar quando tiver acesso ao depoimento de Cabral”.

A reportagem não conseguiu localizar representantes do empresário Arthur Soares Filho, que está foragido, e das empresas citadas por Cabral. Também não conseguiu falar com Marcelo Delambert, que passou a representar Cabral. À emissora, Delambert disse que o depoimento se deu a pedido da defesa, com o objetivo de “melhor esclarecer” os fatos.