O globo, n. 31272, 21/03/2019. Opinião, p. 2
Deve ser feito um balanço sensato da viagem
21/03/2019
No balanço de lucros e perdas da primeira viagem bilateral do presidente Bolsonaro, e logo aos EUA de Donald Trump, destaca-se o ganho da boa química estabelecida entre os dois. A imprensa americana tem chamado o presidente brasileiro de “Trump tropical”, e de fato há semelhanças ideológicas entre ambos. O bom relacionamento pessoal entre presidentes não é tudo, mas abre canais estratégicos de comunicação. No plano das questões concretas tratadas e encaminhadas entre Bolsonaro e Trump, há vários pontos positivos, mas que requerem um bom exercício de reflexão em Brasília.
Abrir a base de foguetes de Alcântara aos americanos deve tirar o programa espacial brasileiro do atoleiro. Porém, a falta de algum compromisso firme da Casa Branca de ampliar o comércio com o Brasil, embora o Planalto haja se comprometido a importar mais trigo americano, preocupa. Criamos ruído com a Argentina, nosso fornecedor e parceiro no Mercosul, sem ainda termos vantagens palpáveis.
Está entre os lucros a promessa de aproximação do Brasil com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mediante apoio americano, buscado há tempos. O peso da entrada neste clube de países desenvolvidos vai além de qualquer valor honorífico, porque induzirá o país a aderir a boas práticas de política econômica, forçando uma maior abertura da economia, essencial para melhorar os padrões do sistema produtivo nacional por meio da concorrência. O mesmo acontecerá se de fato o Brasil renunciar, na Organização Mundial do Comércio (OMC), à condição de economia emergente, exigência feita por Trump para dar seu apoio à entrada na OCDE. Tudo servirá de estímulo à tramitação da agenda liberalizante do ministro da Economia, Paulo Guedes.
É provável que as afinidades ideológicas entre Bolsonaro e Trump — que levaram o presidente brasileiro a cometer o erro de apoiar a reeleição de Trump, assunto que não lhe diz respeito — tenham feito com que o presidente brasileiro adotasse uma postura dúbia diante de uma pergunta, na entrevista coletiva dos dois, sobre se fora tratado na conversa algum apoio logístico do Brasil a uma intervenção militar americana na Venezuela, o que seria contra os interesses do continente. Bolsonaro respondeu que “certas questões” não podem ser reveladas, o que levou mais uma vez o vice, Hamilton Mourão, em Brasília, a suavizar as afirmações do chefe do Executivo.
As identificações mútuas podem levar a decisões apressadas. Por exemplo, assumir a condição de aliado “extra-Otan”, Organização do Tratado do Atlântico Norte, criada depois da Segunda Guerra para confrontar a União Soviética. Os militares da equipe de Bolsonaro devem apoiar, pela necessidade de modernização das Forças Armadas. Mas não se pode esquecer das questões que virão no mesmo pacote, como os desentendimentos entre Trump e europeus.
O governo precisa ser equilibrado ao fazer o balanço final da viagem.