O globo, n. 31272, 21/03/2019. Economia, p. 18

 

Entrevista - Luis Eduardo Afonso: 'Concessões grandes para economia pequena'

Luis Eduardo Afonso

Daiane Costa

21/03/2019

 

 

A economia com a reforma dos militares é suficiente?

É uma economia muito pequena, não vai corrigir o desequilíbrio atuarial do sistema desse grupo, e é um valor muito tímido se comparado com o que será economizado com outros grupos e com as mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Porque houve esse afrouxamento?

A área militar é muito sensível, mas está na hora de a sociedade discutir o que é a inatividade dos militares. O entendimento é que eles não se aposentam, eles vão para a reserva, mas essa conta começa a ser paga cedo e com benefícios no valor integral. É preciso repensar esse sistema de proteção social, pois ele representa um ônus para a sociedade como em nenhum outro país.

Dessa forma, o governo afasta a reforma do foco de reduzir as desigualdades?

No geral, o sistema de aposentadorias proposto é menos desigual. Mas não sabemos o que o processo de tramitação no Congresso vai produzir de perdas em relação à proposta original.

De que forma a economia com o projeto dos militares poderia ser maior?

Nenhuma outra categoria teve a possibilidade de negociar desse jeito. Foram concessões relativamente grandes para uma economia pequena.

Há risco de outras categorias exigirem concessões?

Os servidores públicos civis já estão batendo o bumbo com violência. Na segundafeira, estive em um seminário sobre reforma, e me surpreendeu o tom dos servidores em oposição à proposta.

O governo vai ter de abdicar do discurso de igualdade?

Eu acho que vai manter o discurso, mas obviamente sai um pouco enfraquecido perante a opinião pública e outros grupos da sociedade. Uma frase que se aplica bem ao dia de hoje é a do escritor George Orwell: “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”.

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Bolsa cai 1,55% com reação do mercado à proposta

Rennan Setti

Daiane Costa

João Sorima Neto

Ana Paula Ribeiro

21/03/2019

 

 

Investidores temem que reestruturação de carreira das Forças Armadas atrase andamento da reforma da Previdência e leve governo a ter de negociar outros pontos do projeto de mudança nas aposentadorias

O projeto de mudanças nas aposentadorias dos militares foi mal recebido ontem por investidores, fazendo com que a Bolsa fechasse em queda de 1,55% e o dólar reduzisse sua queda —encerrou com recuo de 0,6%, a R$ 3,767, após ter caído mais de 1% antes da entrega da proposta. Frustrou analistas a economia projetada, de R$ 10,45 bilhões em dez anos. Segundo eles, os ruídos poderiam representar um entrave à aprovação da reforma da Previdência.

Os especialistas criticaram a ideia de propor simultaneamente a mudança nas aposentadorias das Forças Armadas e a reestruturação das carreiras dos militares. Isso abriria um flanco para que novas demandas surjam, observou o especialista em Previdência Pedro Nery:

— A reforma é importante porque vincula os estados, em que boa parte da crise fiscal se relaciona com a previdência militar. Mas fazer a reestruturação neste momento é um erro estratégico.

Sérgio Vale, da MB Associados, enxerga na ação um simbolismo prejudicial à reforma.

— Não cabia discutir aumento salarial agora. Dá a ideia de que quem está no poder consegue manter privilégios e vai contra a ideia de justiça social —criticou.

Segundo Renato Ribeiro, sócio da Gap Asset, o ruído se amplifica diante da forte presença de militares no governo:

—A sensação é ruim. Embora seja difícil quantificar o impacto na reforma, a percepção é que o presidente privilegia um setor próximo a ele.

Para o advogado Erick Magalhães, do Magalhães & Moreno, o projeto aumenta privilégios, uma vez que o déficit dos militares foi o que mais cresceu em 2018, chegando a R$ 40 bilhões. Para Fábio Klein, da Tendências, a economia menor que o esperado deve tornar mais difíceis as discussões políticas da reforma.

— Será mais difícil chegar à economia de R$ 1 trilhão. O governo precisará flexibilizar as mudanças em outras frentes — disse Klein, que mantém aposta em impacto acima de R$ 600 bilhões.

Bernd Berg, da Woodman Asset em Zurique, prevê que a Bolsa e o real sofrerão no curto prazo em reação ao projeto.

— Embora as expectativas tenham se frustrado, ainda espero que a reforma seja aprovada. Mas terei que monitorar de perto a tramitação —ponderou.

Diferenças entre as regras para civis e militares

> Regra de transição. No caso dos trabalhadores da iniciativa privada, o pedágio (tempo adicional sobre o que falta hoje para se aposentar) se aplica apenas a quem está a dois anos da aposentadoria e é de 50%. Para os militares, será aplicado a todos que já estão na carreira e será de 17%.

> Idade mínima. A reforma dos trabalhadores do setor privado e dos servidores civis estabelece idades mínimas para se aposentar. No caso dos militares, a exigência é apenas tempo de serviço, de 35 anos.

> Integralidade. Apenas os servidores públicos civis que entraram até 2003 continuarão tendo direito a integralidade (manter na aposentadoria o último salário da carreira) e paridade (obter na aposentadoria os mesmos reajustes de quem está na ativa), mas, para isso, precisarão cumprir idade mínima de 65 anos (homem) e 62 (mulher). No caso dos militares, eles continuarão tendo direito ao soldo integral.

> Alíquotas. No caso dos servidores civis, as alíquotas de contribuição serão progressivas, variando de 7,5% a 22%. Para os militares, passarão a ser de 8,5% em 2020, subindo um ponto percentual a cada ano, até 10,5%.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Projeto de militares é criticado por parlamentares

Marcello Corrêa

Bruno Góes

21/03/2019

 

 

Deputados temem que tratamento dado à categoria tenha um impacto negativo na reforma dos demais trabalhadores

A proposta de reestruturação das carreiras dos militares já começou a ser criticada dentro da própria base do governo. Após a entrega do projeto que muda o sistema das Forças Armadas, o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (PSL-GO), disse que não era o momento para tratar do assunto no Congresso:

— Eu penso que vem num momento difícil. No meu entendimento, era um diálogo que não era para este momento. O momento agora é de sacrifício. Penso que outras carreiras vão pedir essa mesma reestruturação.

Waldir também criticou o aumento de 30 para 35 anos de tempo de contribuição para os militares. Segundo ele, a regra continuará a permitir que um oficial que começou aos 20 anos consiga ir para a inatividade aos 55 anos.

Essa reestruturação também foi criticada pelo líder do DEM, Elmar Nascimento (BA), que afirmou que os parlamentares terão de analisar o projeto para garantir que todas as categorias estejam dando sua contribuição.

— Não dá para ser seletivo nessa questão da Previdência, privilegiar uma categoria em detrimento de outras, sob pena de agente contaminara votação da reforma aqui na Casa —afirmou Nascimento, que não descartou que o texto fique mais duro para a categoria. —Se o governo não soube aplicar uma equidade maior, nós vamos fazê-lo.

Para Nascimento, se o governo começar a fazer concessões, corre-se o risco de desfigurar a proposta e não alcançar os objetivos.

—Na minha região, há uma frase: onde passa o boi, passa a boiada. Domes mojei toque há defensores dos militares, tem muita gente (parlamentares) chegada à classe do magistério, dos servidores públicos.

Líder do PSD, o deputado André de Paula (PE) destacou um ponto positivo do movimento do governo: mostrar que a reforma vale para todos.

—Política é símbolo. Como o governo tem uma presença maciça militar, soaria estranhos e os militares não dividissem com os outros trabalhadores esse sacrifício—disse.