O globo, n. 31264, 13/03/2019. Opinião, p. 2

 

O julgamento no STF que pode prejudicar o combate à corrupção

13/03/2019

 

 

É natural que o avanço do enfrentamento da corrupção praticada por colarinhos brancos bem situados nas proximidades ou dentro do Estado, pessoas físicas e jurídicas, viesse a esbarrar em forte resistência. No país em que se criou a ideia de que cadeia havia sido feita apenas para pobres, geraria fortes reações quando ricos e poderosos, políticos e empresários, começassem a ser processados, condenados e presos.

Esta mudança histórica começou a ser constatada na investigação do escândalo do mensalão petista, denunciado em 2005, até o emblemático julgamento do caso pelo Supremo Tribunal Federal, em 2012, de que saíram condenados, inclusive à prisão, influentes autoridades do então governo do PT, quadros estrelados do partido, assim como de legendas aliadas. A sempre conhecida simbiose subterrânea entre política e dinheiro sujo ficou exposta.

O julgamento previsto para hoje no Supremo, a partir de inquérito sobre o deputado federal Pedro Paulo (MDB-RJ), acerca da dúvida se denúncias de crimes eleitorais e de corrupção alegadamente cometidos pela campanha do candidato a prefeito do Rio, Eduardo Paes, em 2012, deverão ser julgadas apenas na Justiça Eleitoral, ou não, poderá fazer retroceder todo este avanço contra o roubo do dinheiro público.

Basta que o Supremo opte por concentrar tudo na Justiça Eleitoral. A posição da Procuradoria-Geral da República, defendida pela procuradora Raquel Dodge em artigo, domingo, no GLOBO, é que os dois tipos de crimes sejam divididos, indo os delitos federais (de corrupção) para, por óbvio, Varas Federais e os eleitorais, para sua respectiva jurisdição. Dodge usa embasamento constitucional para defender a sua posição.

Não que a Justiça Eleitoral seja melhor ou pior, mas ela está preparada apenas para tratar de eventos específicos do processo eleitoral. Não tem estrutura para enfrentar altas delinquências no desvio de dinheiro do contribuinte e sua posterior lavagem por esquemas sofisticados, cuja elucidação requer parcerias com procuradores e juízes de outros países, por exemplo. O que a Lava-Jato constatou e ainda investiga são argumentos irrespondíveis em favor da divisão de trabalho entre as duas Justiças.

É sintomático que haja preferência de advogados de acusados de corrupção em desviar todos os delitos dos clientes para juízes eleitorais. Embora haja casos em que a corrupção lave dinheiro transferindo recursos para campanhas eleitorais, não é difícil separar a tipificação de cada crime. O STF precisa referendar a sensatez.