O globo, n. 31259, 08/03/2019. Artigos, p. 3

 

Para a Lava-Jato não acabar em pizza

Stanley Valeriano

08/03/2019

 

 

Ao longo dos últimos cinco anos, a população vem acompanhando o desenrolar da Operação Lava-Jato e torcido para que seus resultados não sejam passageiros e transitórios. De fato, todos estamos acostumados a acompanhar pelos telejornais os inúmeros escândalos de corrupção e as inúmeras operações anteriores que já morreram na praia. Quem não se lembra de Satiagraha, Anões do Orçamento e Propinoduto e de outras operações cujo final resultou em pizza? Embora a Lava-Jato não seja a salvação para todas as mazelas do país, espera-se que seus resultados sejam duradouros e que seja realmente um sinal de uma mudança sólida e contínua em direção a uma sociedade menos corrupta e em que as verbas públicas sejam aplicadas com responsabilidade, em favor do cidadão e de suas necessidades.

Alcançar esses objetivos é uma tarefa árdua porque há muitas resistências. Trata-se de desestruturar um sistema profundamente enraizado que move interesses milionários e atinge algumas das pessoas mais poderosas da República. De fato, há sempre muitos interessados em que a Lava- Jato tenha o mesmo fim que grandes escândalos de corrupção anteriores e essas resistências aparecem, a cada momento da operação, com trajes diferentes.

O próximo round a ser enfrentado é um julgamento que se aproxima no STF, em que será discutido se a Justiça Eleitoral tem competência para julgar crimes de corrupção, quando houver conexão com crimes eleitorais. Parece algo banal e sem importância para a maior parte da população, mas esse julgamento pode significar o fim de toda a Lava-Jato. Fato é que a Justiça Eleitoral não está preparada para lidar com casos grandes e complexos, como a Lava-Jato, e permitir a transferência dos julgamentos, em razão dessa suposta conexão, implicaria o fim da operação e mesmo a anulação das condenações já obtidas.

A impropriedade de se remeter tais processos à Justiça Eleitoral fica evidente após uma simples olhada nas estatísticas publicadas pelo Conselho Nacional de Justiça no boletim “Justiça em Números 2018”: enquanto na Justiça Federal em todo o Brasil tramitaram mais de 300 mil processos criminais no ano de 2017, a Justiça Eleitoral tinha sob sua jurisdição pouco mais de 13 mil. Apesar de serem poucos casos, os processos criminais na Justiça Eleitoral costumam demorar até o dobro do tempo de tramitação do processo não criminal. Além disso, não se tem notícia de condenações pela Justiça Eleitoral. Não se trata de crítica à Justiça Eleitoral, mas de reconhecer que essa justiça especializada foi criada para outras finalidades.

Para além desse ponto, é importante destacar o papel do STF como corte constitucional na construção de um microssistema de combate à corrupção, que vem se aperfeiçoando com a criação de institutos como a colaboração premiada e a leniência e a aplicação das leis de lavagem de dinheiro e organizações criminosas.

Com efeito, o STF, imbuído de sua responsabilidade na efetivação dos princípios constitucionais, tem sempre conseguido atuar de forma equilibrada entre a hermenêutica tradicional e o pragmatismo jurídico nas questões de grande relevância social. Prova disso é que essa interpretação voltada não apenas para a literalidade da lei, mas também para as consequências sociais de sua aplicação, permitiu avançar em vários pontos, como: vinculação do mandato à filiação partidária, releitura da abrangência da prerrogativa de foro e aplicação da prisão após o julgamento em segundo grau.

Seguindo essa mesma linha, espera-se que o STF consiga proteger a Lava-Jato de mais uma tentativa de ataque, que pode feri-la de morte. Que a Corte Suprema, captando as necessidades de nosso tempo, possa fazer uma abordagem jurídica voltada para o futuro, especialmente em termos de política criminal e de sinalização de que o país seguirá avançando no combate à corrupção.