O globo, n. 31259, 08/03/2019. País, p. 4

 

Entrevista - Adriana Moreira Borges: ‘Achávamos que o PSL era um partido do bem’

Adriana Moreira Borges

Thiago Herdy

08/03/2019

 

 

Como foi o seu envolvimento com a política?

Sou ativista política desde 2014, nosso objetivo sempre foi a renovação dos quadros partidários. Bolsonaro se filiou ao PSL e fomos para lá também. Nunca quis ser candidata, mas presidente do PSL mulher, para divulgar ações e trazer mulheres para a política. Nos últimos dias de registro da chapa, resolvi sair como federal, pra ajudar Bolsonaro a mudar o país.

Quando soube da condição para receber recursos?

Eu tinha contato com quatro assessores do Marcelo Álvaro (presidente do PSL em Minas). Ficávamos aguardando as verbas para campanha. Um dia o Robertinho (assessor) me chamou para ir no hotel onde ele ficava hospedado, na Avenida Brasil, em Belo Horizonte. Pediu para eu subir no apartamento, perguntei se ele tinha posição sobre o que eu pleiteava, que era ser presidente do PSL mulher. Ele disse que tava encaminhado. Mas, na verdade, eles estavam me enrolando, porque a prioridade era só eleger o Marcelo. Perguntei do fundo partidário. Foi quando ele me fez uma proposta para que eu recebesse R$ 100 mil. Ficaria com 10% para minha campanha e assinaria cheques em branco para que ele pudesse, com os R$ 90 mil restantes, pagar a campanha de outros candidatos.

Qual foi a sua reação?

Fiquei chocada. Imagina se eu ia aceitar uma coisa dessas. Eu pensava: meu Deus! Como ativista política, que quer que o Brasil dê certo, de repente percebe que o PSL é igual aos outros partidos.

O que fez em seguida?

Liguei para meu pai, que é advogado, contei a história. Ele disse que eu agi muito bem, por ter descartado isso. Eles estavam me usando como número, apenas para ter uma cota. Dias depois, voltei a ligar para o Robertinho, pedi R$ 30 mil para fazer campanha. Ele começou a rir. Passou o contato do Marcelo, disse que ele decidia sobre o assunto. Não liguei.

Como fez sua campanha?

Recebi uma doação do Salim Mattar (empresário), consegui quase 12 mil votos em Minas.

Levou o assunto a Bolsonaro?

Não quis levar, fiquei tão frustrada, quis retirar a candidatura. Nós que entramos no PSL achávamos que este era um partido do bem. Queríamos mudar este país. Foi um choque tão grande, que, quando fui embora, entrei no carro e fiquei cinco minutos respirando. Como pode? Que nojeira.

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Cheque em branco

Thiago Herdy

08/03/2019

 

 

Ex-assessor de ministro condicionou R$ 100 mil à devolução de R$ 90 mil, diz ex-candidata

Candidata do PSL de Minas Gerais ao cargo de deputada federal nas eleições do ano passado, Adriana Moreira Borges afirma que um exassessor do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, condicionou um repasse de R$ 100 mil do fundo partidário do PSL para sua campanha à devolução de R$ 90 mil ao partido.

Em entrevista ao GLOBO, ela contou que a garantia de retorno dos valores deveria ser dada por meio de nove cheques com valores em branco, assinados por ela.

As condições para o repasse foram informadas a Adriana por Roberto Silva Soares, mais conhecido como Robertinho Soares, ex-assessor do gabinete de Álvaro Antônio na Câmara dos Deputados e atual primeirosecretário do diretório do PSL em Minas. Ele nega e afirma que há uma campanha de difamação contra Álvaro Antônio.

Adriana é a terceira integrante do PSL a denunciar a existência de um esquema para desvio de verbas públicas do fundo de campanha do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, em Minas Gerais. Outros dois casos foram revelados pela “Folha de S. Paulo”. As suspeitas de lavagem de dinheiro levaram Bolsonaro a se desentender com o ex-presidente nacional da sigla, Gustavo Bebianno, demitido da Secretaria-Geral da Presidência.

Ontem, Adriana prestou depoimento ao Ministério Público mineiro, que investiga as suspeitas de uso de candidatos para desviar fundo partidário do PSL. O GLOBO teve acesso ao documento, no qual ela reafirma o que disse ao jornal.

Na entrevista, Adriana contou que Soares a chamou no fim de agosto do ano passado para ir ao hotel onde ficava hospedado, na região Central de Belo Horizonte, para tratar da possibilidade de ela ser nomeada presidente do PSL Mulher. O posto daria visibilidade à sua candidatura.

No local, ela diz ter sido informada que, para receber recursos públicos de campanha, deveria percorrer outro caminho.

— Ele me fez uma proposta para que eu recebesse R$ 100 mil. Ficaria com 10% para minha campanha e assinaria cheques em branco para que ele pudesse, com os R$ 90 mil restantes, pagar a campanha de outros candidatos —relatou.

Adriana, por sua vez, diz que não aceitou as condições e, por isso, recebeu do partido apenas R$ 4 mil, pagos em duas parcelas de R$ 2 mil. Diz ter ficado “chocada” ao ouvir a proposta:

— Eu pensava: meu Deus! Como ativista política, que quer que o Brasil dê certo, de repente você percebe que o PSL é igual aos outros.

Segundo a ex-candidata, à medida que a campanha avançava, no fim do ano passado, insistiu com o assessor sobre a necessidade de receber recursos partidários.

Segundo Adriana, Soares, então, a orientou a entrar em contato com Marcelo Álvaro Antônio, porque “ele estava decidindo sobre esse assunto”. Ela diz não ter feito o contato. Conseguiu uma doação de R$ 20 mil do empresário e fundador da empresa Localiza, José Salim Mattar Júnior, atual secretário especial de Desestatização do Ministério da Economia, e tocou sua campanha.

A ex-candidata do PSL obteve 11.830 votos, ou 0,12% do total, e não foi eleita. Ela gastou R$ 22,6 mil dos R$ 24 mil que recebeu. Diz que não denunciou o caso antes porque não sabia que outros candidatos também receberam propostas “indecorosas”:

— Nós que entramos no PSL achávamos que era um partido do bem. Queríamos mudar o país. Foi um choque tão grande, que, quando fui embora, entrei dentro do carro e fiquei cinco minutos respirando. Como é que pode? —disse a candidata, que afirma ter cópias de conversas com o assessor por WhatsApp. Nos diálogos, a proposta de devolução de valores não é mencionada.

Adriana fez campanha em dobradinha com o candidato a deputado estadual Julio Hübner, do PSL, a quem procurou para contar sobre a proposta que recebeu. Em entrevista ao GLOBO, o parlamentar confirmou o relato da colega:

— Ela me procurou peguntando: ‘O que eu faço, para que lado eu vou?’.

Ele diz ter se arrependido de não ter convencido a colega a aceitar a proposta do assessor para denunciar, em seguida, “os bastidores da política como ela é”:

— Somos ativistas, atuamos pelo moralismo na política e contra falcatruas, como poderíamos aceitar uma coisa dessas?

Assim como ela, Hübner também se diz frustrado com os rumos do partido:

— A gente preferiu seguir a vida. Você tá ralando para mudar a política e chega um cara e faz um trem desses?

Outro lado

O deputado diz temer que Bolsonaro, a quem ainda confia, “passe a mão na cabeça” de Álvaro Antônio:

— Ele foi um oportunista de plantão, que usou o nome de Bolsonaro para se eleger e nada fez em prol do partido e dos outros candidatos.

Ontem, Soares negou a acusação e disse estar disposto a processá-la:

— Posso afirmar com 100% de certeza que essa senhora não tem prova. Lamentavelmente, existe uma campanha de difamação na tentativa de atingir o ministro com denúncias sem fundamento.

O ministro do Turismo disse que “não autorizou pedidos de devolução de recursos do fundo partidário”, que “desconhece e repudia essa prática”. Em nota, afirmou esperar que a “denúncia seja apurada para mostrar a verdade dos fatos”.

“Eu pensava: meu Deus! Como ativista política, que quer que o Brasil dê certo, de repente você percebe que o PSL é igual aos outros”

Adriana Borges, candidata em 2018 pelo PSL