O Estado de São Paulo, n. 45783, 22/02/2019. Economia, p. B4

 

Reforma deve afetar mais a alta renda

Luciana Dyniewicz

22/02/2019

 

 

 Recorte capturado

Proposta tende a atingir principalmente trabalhadores de salários mais altos, dos setores público e privado, e quem começou a trabalhar cedo

Servidores públicos de alta renda, trabalhadores de classes mais altas e pessoas que entraram cedo no mercado estão entre os que devem ter mais benefícios reduzidos caso a proposta de reforma da Previdência, apresentada na última quarta-feira, seja aprovada pelo Congresso sem modificações.

No caso do primeiro grupo, funcionários públicos com renda superior a R$ 39 mil passarão a colaborar com uma alíquota de 22%. Hoje, a contribuição é de 11% e recai apenas sobre R$ 5.839, o teto da Previdência. O valor descontado mensalmente dos salários desses trabalhadores é o que mais deve aumentar com a nova aposentadoria, segundo advogados da área previdenciária.

No caso do grupo dos trabalhadores de classe mais alta – tanto do setor público como do privado –, a redução dos benefícios ocorrerá por causa do fim da aposentadoria por tempo de serviço, que não exige uma idade mínima para se aposentar. Hoje, a maioria dos trabalhadores que se enquadra nessa regra pertence a classes mais altas, pois são pessoas que conseguiram participar do mercado formal de trabalho na maior parte de sua vida.

“A reforma vai exigir uma cota de sacrifício de toda a sociedade, inclusive deve vir (uma lei para) militares. Mas há um impacto maior para os trabalhadores de renda mais elevada, que é quem hoje se aposenta por tempo de contribuição”, diz a advogada Cristiane Grano Haik, sócia do escritório Furriela.

No último grupo, daqueles que começaram a trabalhar cedo, o impacto decorrerá da exigência de um tempo maior necessário para se aposentar. Uma mulher que começou a trabalhar aos 16 anos, por exemplo, e hoje tem 42 anos poderia pedir sua aposentadoria daqui a quatro anos, segundo a atual regra por tempo de serviço. Pelo texto enviado ao Congresso pelo governo Jair Bolsonaro, porém, serão necessários mais 20 anos para esse contribuinte se aposentar, já que a regra de tempo de contribuição deixa de existir.

“A nova Previdência passa o recado de que a pessoa só deve se aposentar quando realmente precisar parar. Há instrumentos que farão a pessoa querer postergar a aposentadoria”, acrescenta Cristiane.

Uma dessas ferramentas, explica a advogada, é a regra que retira a obrigação do empregador de pagar a multa de 40% do FGTS em caso de demissão de um funcionário já aposentado.

Para a advogada Cristiane Ianagui Matsumoto, do Pinheiro Neto, a proposta para a Previdência deve ter um impacto geral na vida do trabalhador, que gastará mais com contribuição e precisará ter mais idade para conseguir receber 100% do benefício. Ela exemplifica com o caso de mulheres que hoje podem se aposentar aos 60 anos com 100% do benefício tendo contribuído por apenas 15 anos. Com a reforma, será necessário trabalhar até os 62 anos e contribuir por 20 para ter 60% do valor.

Há, porém, o outro lado da reforma, cujo texto preliminar garante uma redução na alíquota de contribuição dos mais pobres de 8,0% para 7,5%. De acordo com cálculos da consultoria LCA, cerca de 23 milhões de trabalhadores brasileiros com carteira assinada se enquadram nessa situação.

 

Benefício

23 milhões

são os brasileiros com carteira assinada que terão redução na alíquota de contribuição

 

PERGUNTAS & RESPOSTAS

Mudanças na aposentadoria

1. O que muda nas regras para quem se vai se aposentar pelo INSS?

Como é hoje

É possível se aposentar por idade – 60 anos (mulheres) e 65 anos (homens) –, com contribuição mínima de 15 anos. Também há a aposentadoria por tempo de contribuição, sem previsão de idade mínima, mas com exigência de tempo mínimo de tempo de contribuição de 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens)

Proposta

Idade mínima de 62 anos (mulheres) e 65 anos (homens) com mínimo de 20 anos de contribuição. Não haverá mais aposentadoria por tempo de contribuição.

Regras de transição

Para quem já está no mercado de trabalho, a reforma propõe três regras de transição para a aposentadoria por tempo de contribuição para os segurados do INSS. O trabalhador poderá optar pela forma mais vantajosa. Na aposentadoria por idade, realidade hoje para mais da metade dos segurados, também haverá transição.

 

2. O que muda nas regras para a aposentadoria de servidores públicos?

Como é hoje

São dois os modelos de aposentadoria: por tempo de contribuição, com idade mínima de 55 anos (mulheres) e 60 anos (homens) e tempo de contribuição de 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens), sendo pelo menos 10 anos como servidor público; ou por idade, aos 60 anos (mulheres) e 65 anos (homens).

Proposta

Idade mínima igual à exigida do segurado do INSS, de 62 anos (mulheres) e 65 anos (homens), com 25 anos de contribuição, sendo pelo menos 10 anos como servidor público. Para os que ingressaram até 31 de dezembro de 2003, a integralidade será mantida para quem se aposentar com a idade mínima final, de 65 anos (homens), 62 (mulheres), 60 (professores) ou 55 (policiais). Para quem ingressou após 2003, o critério benefício é igual ao do INSS.

Regra de transição

O servidor que hoje já cumpre idade mínima de 55 anos para mulheres e 60 para homens terá esses patamares elevados para 56 e 61, respectivamente. Em 2022, a idade mínima dos servidores vai subir para 57 anos para mulheres e 62 para homens. Além das idades mínimas, serão cobrados 20 anos de tempo de serviço público e mais a regra dos pontos, que soma idade e tempo de contribuição e começa em 86 para mulheres e 96 para homens, até atingir 100/105 (ver quadro ao lado).

 

3. Como fica a aposentadoria do trabalhador rural?

Como é hoje

Quem trabalha no campo pode se aposentar com idade mínima de 55 anos (mulheres) e 60 anos (homens), e mínimo de 15 anos de contribuição.

Proposta

A idade mínima aumenta para 60 anos (mulheres e homens), com 20 anos de tempo mínimo de contribuição. A reforma cria uma contribuição previdenciária anual de R$ 600 por grupo familiar para ter direito à aposentadoria. Hoje, o segurado especial só paga alíquota de 1,7% se vender a produção.

 

4. O que muda nas regras para os professores do setor privado?

Como é hoje

Não há idade mínima, mas se exige tempo de contribuição de 25 anos (mulheres) e 30 anos (homens).

Proposta

Idade mínima de 60 anos com 30 anos de contribuição para homens e mulheres.

 

5. E para os professores do setor público?

Como é hoje

A idade mínima é de 50 (mulheres) e 55 anos (homens), com 25 anos (mulheres) e 30 anos (homens) de tempo mínimo de contribuição, sendo 10 anos como servidor público e 5 anos no cargo de professor.

Proposta

Aumento na idade mínima para 60 anos (homens e mulheres), com 30 anos de contribuição, sendo pelo menos 10 anos como servidor público e 5 anos no cargo de professor.

 

As regras para aposentadoria dos políticos também serão alteradas?

Como é hoje

Os políticos podem se aposentar com idade mínima de 60 anos (para homens e mulheres) e 35 anos de contribuição. O valor do benefício no regime específico dos congressistas é de 1/35 do salário por ano contribuído como parlamentar.

Proposta

A idade mínima exigida dos atuais parlamentares será a mesma dos demais trabalhadores, de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, com 30% de pedágio sobre o tempo restante de contribuição. Novos eleitos estarão automaticamente no INSS.

 

7. Como ficam as regras para policiais federais e civis?

Como é hoje

Não há idade mínima para se aposentar, mas são exigidos 30 anos de contribuição mínima para homens e de 25 para mulheres.

Proposta

A idade mínima para aposentadoria ficará em 55 anos, com tempo mínimo de contribuição de 30 anos para homens e 25 para mulheres, além de tempo de exercício de 20 anos para eles e 15 para elas. Esse tempo na atividade policial vai subir gradualmente até 25 anos (homens) e 20 anos (mulheres). Para agentes penitenciários, os critérios serão os mesmos, excetuando o tempo de exercício, de 20 anos para ambos os sexos que subirá para 25 anos gradualmente.

 

8. Houve mudança nas regras para militares?

Por enquanto, não. Policiais e bombeiros militares terão as mesmas regras das Forças Armadas – que não estão contempladas na proposta de reforma enviada agora ao Congresso.

 

9. Como será feito o cálculo do benefício?

O cálculo do benefício levará em conta apenas o tempo de contribuição. O trabalhador só terá direito a 100% do benefício ao atingir 40 anos de contribuição. Com 20 anos de contribuição (o mínimo para os trabalhadores privados, que contribuem para o INSS), o benefício será de 60% do salário de contribuição, subindo 2 pontos porcentuais para cada ano a mais de contribuição. Nenhuma aposentadoria será menor que o salário mínimo (hoje de R$ 998). Isso significa que um trabalhador que contribua pelo piso vai receber o salário mínimo mesmo que não atinja 40 anos de contribuição. Quem se aposentar pelas regras de transição receberá até 100% da média de suas contribuições (limitado ao teto do INSS). O cálculo do valor dos benefícios foi alterado: hoje, ele considera apenas os 80% maiores salários do trabalhador e os 20% menores são descartados; o texto da reforma prevê que nessa conta serão considerados todos os salários.

 

10. Como vai funcionar o regime de capitalização?

Novos trabalhadores poderão aderir ao sistema de capitalização, em que as contribuições vão para uma conta individual, que banca os benefícios no futuro. Uma lei complementar ainda precisará estipular as regras específicas desse regime, mas a proposta não deve ser encaminhada agora ao Congresso. A ideia é que as reservas dos trabalhadores sejam geridas por entidades de previdência pública e privada, mas haverá possibilidade de prever que o próprio Tesouro gerencie esses recursos.

 

11. O que muda para quem recebe pensão por morte?

Como é

A pensão por morte é de 100% para segurados do INSS, respeitando o teto atual de R$ 5.839,45. Os servidores públicos, além desse porcentual, recebem 70% da parcela que superar o teto.

Proposta

O benefício será de 60% do valor para o primeiro dependente e será incrementado em 10% por dependente adicional. Ou seja, uma viúva com filho único receberá 70%. Essa regra valerá para trabalhadores tanto do setor privado quanto do serviço público. Em caso de morte por acidente de trabalho, doenças profissionais e de trabalho, a taxa de reposição do benefício será de 100%, segundo a proposta. Quem já recebe pensão por morte não terá o valor do benefício alterado. Dependentes de servidores que ingressaram antes da criação da previdência complementar terão o benefício calculado sem limitação ao teto do INSS (hoje de R$ 5.839,45).

 

12. Poderá haver acúmulo de benefícios?

Como é hoje

Não há limite para acúmulo de diferentes benefícios.

Proposta

Beneficiário passará a receber 100% do benefício de maior valor, além de uma parcela da soma dos demais dependendo do valor recebido. Ficarão fora da nova regra as acumulações de aposentadorias previstas em lei: médicos e professores. Também é permitido acumular aposentadoria obtidas em conta de regimes diferentes, por exemplo, INSS e regime de servidores, ou INSS e Forças Armadas.

 

13. O que muda no benefício de prestação continuada (BPC) pago a idosos em situação de pobreza e a deficientes?

Idosos nessa situação recebem hoje um salário mínimo a partir dos 65 anos. O mesmo valor é pago a pessoas com deficiência, independentemente da idade. A reforma prevê pagamento de R$ 400 para idosos a partir dos 60 anos. Aos 70 anos, o benefício atinge o valor de um salário mínimo mensal. O critério de concessão do benefício de renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo será colocado na Constituição. Além disso, será exigido que o beneficiário tenha patrimônio inferior a R$ 98 mil. Para pessoas com deficiência, regra não muda.

 

14. A reforma muda regras para aposentados que ainda trabalham?

O empregador não será mais obrigado a pagar a multa de 40% sobre o saldo do FGTS no caso de demissão de um empregado que já está aposentado. As empresas também não terão mais de recolher FGTS dos empregados que se aposentarem a partir da reforma.