O Estado de São Paulo, n. 45781, 20/02/2019. Política, p. A8

 

Moro admite pressão de políticos e ameniza tom sobre caixa 2

Breno Pires e Teo Cury

20/02/2019

 

 

Ministro diz que prática ‘não é tão grave’ como crime de corrupção; afirmação contrasta com manifestações anteriores

 

Ao apresentar ontem, na Câmara, o seu pacote de leis anticrime, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, amenizou a gravidade da prática de caixa 2 eleitoral quando comparada a crimes de corrupção, homicídios e organização criminosa. A declaração contrasta com o que já falou o exjuiz da Lava Jato sobre o tema em ocasiões anteriores.

Segundo Moro, houve reclamação de parlamentares para que a proposta de criminalizar o caixa 2 fosse separada das demais apresentadas em seu pacote. O pedido foi atendido pelo governo, conforme antecipou ontem o Estado.

“Havia um sentimento de que o caixa 2 é um crime grave. De fato é grave, mas não é tão grave como o crime organizado, homicídios e corrupção, e houve reclamação para que não fosse tratado junto com essas condutas mais graves”, disse Moro. “É uma reclamação compreensível e foi acolhida.”

No passado, quando ainda era juiz da Lava Jato, Moro deu palestras em que qualificava o caixa 2 como até mais grave do que a corrupção.

“Temos que falar a verdade, o caixa 2 nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia”, disse em uma conferência na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, em abril de 2017. Em seguida, ele disse que se referia ao caixa 2 praticado por meio de corrupção, e não à omissão da contabilização de recursos de campanha. Mas reconheceu ser muito difícil separar uma prática da outra.

Moro falou ontem à imprensa ao lado do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, alvo de delação de executivos do Grupo J&F por caixa 2. A Procuradoria-Geral da República pediu anteontem para que o Supremo Tribunal Federal envie o caso para a Justiça Eleitoral analisar.

Questionado ontem, Onyx não respondeu sobre o fatiamento do pacote.

Inicialmente, a proposta de Moro era de um projeto único que englobasse todos os temas, que incluem crime violento, crime organizado e corrupção. Responsável pela articulação política, a Casa Civil propôs o fracionamento, separando a criminalização do caixa 2, temendo que a resistência de parlamentares a esse ponto emperrasse o pacote inteiro.

“Isso não muda nada em relação ao comprometimento do governo e do Congresso em relação a uma criminalização mais adequada do caixa 2. Apenas foi uma opção de tramitar em separado. Uma estratégia”, afirmou Moro.

Reação. O trecho do projeto que torna caixa 2 crime é inspirado na proposta da Transparência Internacional. O órgão ontem disse ver com preocupação a separação da medida.

“A proposta de criminalização do caixa 2 não pode ser usada como ‘boi de piranha’. Ela não pode ser sacrificada enquanto o Executivo busca aprovar outras propostas de seu interesse”, disse Bruno Brandão, diretor executivo da Transparência Internacional – Brasil.

A forma de tramitação dos projetos ainda vai ser definida pelos líderes de partidos. Ao Estado,o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (PSL-GO), disse que vai defender a tramitação conjunta do caixa 2 com o resto das medidas, mesmo com o desmembramento feito pelo governo. “Nós entendemos que esse é o melhor caminho”, afirmou Waldir.

O líder do PR, deputado José Rocha (BA), propôs que a tramitação do projeto de enfrentamento à corrupção e ao crime organizado ou violento seja feita em conjunto com outra proposta, elaborada por uma comissão de juristas presidida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Rocha subscreveu o projeto.

Uma comitiva de ministros acompanhou Moro na apresentação do projeto ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Entre eles, Paulo Guedes (Economia), Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), Luiz Mandetta (Saúde), Santos Cruz (Secretaria de Governo). A presença deles, segundo Moro, se deu “para demonstrar coesão do governo quanto ao projeto”.

 

‘Compreensível’

“Houve reclamação para que (caixa 2) não fosse tratado junto com essas condutas mais graves. É uma reclamação compreensível e foi acolhida.”

Sérgio Moro​, MINISTRO DA JUSTIÇA

 

FATIADO

Medidas contra corrupção e crime organizado

● Amplia o conceito de organização criminosa e cita PCC, Comando Vermelho, Família do Norte e milícias.

● Permite absolvição por homicídio se por legítima defesa em situações escusável medo, surpresa ou violenta emoção.

● Prevê medidas para assegurar a execução de pena após julgamento em segundo grau.

● Prevê a possibilidade de acordo em que o acusado e o Ministério Público podem negociar a pena, chamado de ‘plea bargain’.

● Autoriza confisco de bens sem comprovação lícita da origem.

● Prevê regras mais rígidas para progressão de pena.

● Prevê hipóteses mais limitadas para a prescrição – quando o processo é extinto pela demora do estado em julgar o réu.

 

Projeto de lei ordinária

● Transforma em crime a utilização de caixa 2 nas campanhas eleitorais.

 

Projeto de lei complementar

● Altera regras de competência da Justiça Eleitoral.