O globo, n. 31282, 31/03/2019. Economia, p. 34

 

Bolsonaro quer reduzir imposto sobre empresas

Manoel Ventura

Rennan Setti

Ramona Ordoñez

31/03/2019

 

 

Em rede social, presidente afirma que Ministério da Economia estuda diminuir a carga tributária corporativa e começar a taxar a distribuição de lucros e dividendos a acionistas, para compensar a perda de arrecadação

O presidente Jair Bolsonaro escreveu ontem nas redes sociais que o governo estuda reduzir impostos para empresas. Como compensação, segundo ele, a medida avaliada pelo Ministério da Economia envolve criar um tributo sobre dividendos, que é uma parte do lucro distribuída aos acionistas da empresa.

“Ministério da Economia estuda reduzir impostos de empresas, gerando competitividade interna, empregos, barateamento do produto e competitividade também no exterior”, disse o presidente, citando o exemplo de medida semelhante adotada nos EUA.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, defende desde a campanha tributar lucros e dividendos em troca de reduzir o imposto das empresas. Essa ideia foi endossada ontem por Bolsonaro.

“A ideia seria a troca da cobrança de Imposto de Renda sobre os dividendos. Atualmente, as empresas do Brasil que lucram mais de R$ 20 mil por mês pagam 25% de Imposto de Renda  Pessoa Jurídica (IRPJ) e 9% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), totalizando 34%”, explicou.

O presidente fez um histórico da cobrança do imposto sobre dividendos e comparou o Brasil ao restante do mundo. “Em compensação, desde 1995, o Brasil não cobra Imposto de Renda sobre dividendos (parcela do lucro distribuída aos acionistas de uma empresa), na contramão da prática internacional”, explicou Bolsonaro.

O estudo anunciado por Bolsonaro faz parte de uma agenda combinada por Guedes e pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Os dois acertaram, esta semana, tocar uma agenda paralela à reforma da Previdência, principal medida do governo. Uma das ações é criar um grupo para estudar a reforma tributária. Guedes já disse que as mudanças nas regras sobre impostos virão depois da reforma do sistema de aposentadorias.

Em janeiro, ao participar do Fórum Econômico Mundial, em Davos, Guedes contou que uma das possibilidades avaliadas pelo governo era reduzir a média de impostos das empresas de 34% para 15%. Ele ressaltou, porém, que seria necessário adotar medidas compensatórias, entre as quais passar a taxar a distribuição de dividendos e os juros sobre capital próprio. Esta semana, em uma audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, o ministro repetiu essa intenção.

Para o ex-secretário da Receita Everardo Maciel, isso seria “um equívoco”. Ele vê risco de aumentar a carga tributária. E argumenta que a tributação dos dividendos é complexa, estimula a distribuição disfarçada dos lucros e a sonegação:

—Vai estimular uma coisa chamada distribuição disfarçada de lucros. No lugar de distribuir o lucro, os gastos serão feitos na pessoa jurídica. É uma bobagem.

Como Estônia e Letônia

Mas trabalho publicado no ano passado pelo pesquisador do Ipea Sérgio Wulff Gobetti mostra que a redução da tributação do lucro na empresa, ao mesmo tempo em que se amplia a tributação efetiva dos dividendos distribuídos aos acionistas, é uma tendência mundial. Segundo dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne, em sua maioria, países ricos, a alíquota média que incide sobre os dividendos é de 23,8%. Entre 36 países, apenas Estônia e Letônia não tributam os dividendos.

— A ideia faz sentido. Ao diminuir a carga tributária das empresas e passar a taxar o lucro distribuído ao acionista, a empresa terá maior incentivo a investir seu lucro. O cuidado que deve haver é na calibragem, para que não haja impacto fiscal ou outros efeitos indesejados —afirmou Luis Otávio Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil. Segundo números da Receita Federal, os brasileiros declararam em 2016 o recebimento de R$ 269,41 bilhões em lucros e dividendos.

—O Brasil é uma exceção, já que o mundo inteiro tributa dividendos. Socialmente, é um sistema mais justo, porque cada sócio da empresa é tributado conforme sua posição. Mas meu receio é que, por outro lado, isso represente uma queda na arrecadação do governo federal — explicou Eliseu Martins, professor da Universidade de São Paulo (USP).