Título: Juristas divergem sobre falta de provas
Autor: Mader , Helena
Fonte: Correio Braziliense, 12/08/2012, Política, p. 2

Antes de sentenciar o destino dos 38 réus do mensalão, os ministros do Supremo Tribunal Federal terão que enfrentar um dilema que também aflige magistrados de outras instâncias do Judiciário brasileiro. Em crimes como o de corrupção, muitos juízes resistem em basear suas decisões apenas nas provas testemunhais e exigem evidências cabais, como recibos, comprovantes de depósito, cheques assinados ou gravações telefônicas feitas com autorização judicial. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, fez questão de mostrar ao STF que a peça acusatória da ação penal 470 é suficiente para a condenação. "Só não produzimos a prova impossível", disse Gurgel no plenário da Corte.

Nos primeiros sete dias de julgamento do mensalão, os advogados de 25 réus que subiram à tribuna do Supremo tentaram desqualificar a acusação. Para eles, é impossível condenar os réus apenas com base no que disseram as mais de 600 testemunhas.

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho, diz que a exigência da chamada prova cabal nos crimes de corrupção é um entendimento ultrapassado, mas reconhece que essa mentalidade ainda é recorrente no Judiciário. "Os esquemas de corrupção são extremamente sofisticados e as pessoas agem com todo o empenho para não deixar nenhum vestígio. Isso é tão elementar que chega a ser assombroso", argumenta Camanho. "Estamos em um mundo de laranjas, de empresas off shores. É claro que produzir provas cabais, nesse contexto, é muito mais complicado".

O criminalista Nabor Bulhões, convidado para ficar à disposição do STF durante o julgamento do mensalão e atuar em caso de algum abandono da causa, discorda de Camanho. Para ele, a legislação penal brasileira exige a apresentação de provas inequívocas, mesmo para crimes de corrupção. "Nos crimes materiais ou de resultado, como a corrupção, é fundamental a prova material. Não basta uma testemunha dizer que uma pessoa exigiu vantagem de outrem e a recebeu. Seria insuficiente para condenar", defende o criminalista. Para ele, a prova testemunhal é importante, desde que associada a outros elementos. "Às vezes, a prova testemunhal não supre a materialidade. O artigo 386 do Código de Processo Penal diz que o juiz deve absolver quando não houver prova da existência do fato ou quando não existir prova suficiente para condenação. Ou seja, o legislador atesta que, havendo dúvidas, não pode haver condenação", acrescenta Bulhões.

O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Nelson Calandra, reforça a argumentação de Bulhões e garante que a materialidade dos crimes precisa ser devidamente provada. Mas ele reconhece a dificuldade de produzir evidências em casos de corrupção. "Acusações genéricas e abertas equivalem à quebra de um princípio-base do direito penal. A denúncia tem que descrever qual fato e qual conduta são imputados a cada pessoa", justifica o presidente da entidade. Mas ele reconhece que a corrupção é um crime "extremamente complexo, em que ninguém vai assinar documento".