O globo, n. 31275, 24/03/2019. País, p. 4

 

A vez das forças-tarefa eleitorais

Cleide Carvalho

Silvia Amorim

Juliana Castro

André de Souza

24/03/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Sem estrutura, tribunais e MP enfrentam desafio ao herdar casos da Lava-Jato

Com estrutura ainda modesta, a Justiça e o Ministério Público Eleitoral planejam se fortalecer diante da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de remeter para o seu âmbito processos sobre crimes ligados à prática de caixa dois. O entendimento da Corte recebeu críticas de integrantes da Lava Jato, que enxergam na medida o enfraquecimento da operação. Procuradores eleitorais não descartam criar grupos especializados no combate à corrupção, uma de suas novas atribuições.

O suporte de pessoal foi fundamental para o sucesso das investigações da Lava Jato desde 2014. No Rio, a força-tarefa que prendeu na última quinta-feira o ex presidente Michel Temer (MDB) conta com 11 procuradores — sete deles trabalhando apenas nos casos relativos à operação.

A equipe é atendida ainda por quase 40 assessores. Em Curitiba, há 15 procuradores, 11 policiais federais e 30 assessores atuando nos casos, a maioria de maneira exclusiva. Para efeito de comparação, na capital paranaense, a maior zona eleitoral tem apenas quatro servidores concursados (dois analistas judiciários e dois técnicos), além de um estagiário e outros dois funcionários. No Rio, cada promotor eleitoral tem um assessor jurídico, além de poucos servidores.

— A decisão do Supremo obriga o país a repensar a estrutura eleitoral, que necessita ser ampliada —diz o professor Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC, especialista em governança eleitoral

Em portaria de 7 de fevereiro, antes mesmo da decisão do STF, a procuradora geral da República, Raquel Dodge, ampliou a estrutura das Procuradorias Regionais Eleitorais, que compõem a segunda instância do Ministério Público Eleitoral (MPE). A medida foi adotada para melhorar a fiscalização dos recursos públicos usados em campanhas e da participação feminina em eleições. Minas Gerais, Bahia e Paraíba foram os primeiros estados a receber reforços.

No Brasil, há cerca de três mil promotores eleitorais, que acumulam função atuando em tribunais de Justiça. Desde o ano passado, a Justiça Eleitoral de São Paulo recebeu investigações envolvendo o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) e o senador José Serra (PSDB). O caso envolvendo o ex-prefeito petista, aliás, já foi arquivado na Justiça comum, mas segue tramitando na eleitoral.

No estado, os casos de caixa dois vão se juntar a cerca de 15 mil processos que já correm atualmente na Procuradoria Regional Eleitoral. Diante da nova demanda, o procurador do MPE de São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, quer criar equipes específicas para atuar nos casos:

—Se necessário, podemos também formar uma força tarefa. A Procuradoria Eleitoral tem boa condição de trabalho, mas perde se comparada à Lava-Jato, que tem condições que nenhum outro procurador no Brasil tem. Nada nos impede, no entanto, de montar uma estrutura semelhante.

Varas de família e fazenda

Assim como o MPE, juízes eleitorais também terão que se adaptar à nova realidade. Enquanto não há reforço, as investigações devem esbarrar na falta de equipes especializadas, no rodízio de magistrados a cada dois anos e na realidade daqueles que acumulam suas funções originais nas mais variadas áreas —da Vara de Família à Fazenda Pública —com a demanda eleitoral. Situações de discrepância na comparação entre Justiça Eleitoral e comum são percebidas no dia a dia. Na primeira, não há juízes fixos com dedicação integral. Já na 7ª Vara Federal Criminal do Rio, por exemplo, comandada pelo juiz Marcelo Bretas, cujo gabinete foi reforçado para atender à demanda da Lava-Jato, há 26 pessoas trabalhando. Bretas ficou ainda dois anos sem receber processos que não fossem ligados à operação. Um exemplo de sobrecarga de trabalho ocorreu na última semana em Araraquara, no interior de São Paulo. O juiz responsável pela 13ª Vara Eleitoral cuidou também dos casos cíveis da sua comarca e dos de uma cidade vizinha, pois uma juíza acabou tendo que se ausentar por doença.

Um relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sugere em números por que o país até hoje dedicou poucos recursos humanos para tribunais eleitorais. Na Justiça Estadual, havia em 2017, em média, 7.435 processos por magistrado, tendo cada um julgado 1.914. Na Justiça Federal, os números eram 8.265 e 1.849, respectivamente. Na Justiça Eleitoral, caíam para 225 e 141. Ex-corregedor do CNJ, o ministro Gilson Dipp é otimista quanto aos novos inquéritos e processos que a Justiça Eleitoral terá que conduzir a partir de agora. Ele admite que a Lava-Jato tem outro padrão de estrutura.

— Não estão comparando a Justiça Eleitoral com a que existe em todo o país, com mais de 800 varas. Estão analisando basicamente quatro varas especializadas em lavagem, o suprassumo da especialização. A Lava-Jato completou cinco anos no domingo passado, com o registro de 285 condenações. A partir do novo entendimento do Supremo, advogados poderão pedir a nulidade de decisões anteriores, alegando que houve caixa dois. Foi o que tentou fazer — sem sucesso — a defesa do ex-ministro Moreira Franco, ao recorrer ao STF na sexta-feira.

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STF também assumiu nova função ao julgar mensalão

Carolina Brígido

24/03/2019

 

 

Em agosto de 2007, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) abriu a ação penal do mensalão e transformou em réus os 40 investigados do escândalo que estremeceu o governo Lula. Era missão da Corte, a partir daquele momento, conduzir a apuração do esquema de corrupção que drenou recursos públicos para pagar mesada a deputados em troca de apoio aos projetos do governo.

Na época, o ministro relator do processo, Joaquim Barbosa, criticou o foro privilegiado concedido a ocupantes de cargos públicos, afirmando que isso obrigava o STF a assumir funções de primeira instância. Barbosa defendia que ao menos fossem mandados para a primeira instância acusados que não eram parlamentares, mas tal proposta não foi aceita. Foi nesse período que a Corte começou a abrir também outros processos criminais.

O volume de causas aguardando julgamento encontrou uma barreira: a estrutura escassa e a pouca experiência do STF para lidar com a demanda criminal. A solução veio em novembro de 2007, quando a então presidente do STF, a ministra Ellen Gracie, hoje aposentada, editou norma permitindo a convocação de juízes auxiliares e instrutores para os gabinetes dos ministros. Na época, cada gabinete poderia receber a ajuda de um juiz convocado. Ao longo dos anos, com o aumento de processos penais na Corte, foram requisitados mais magistrados para o STF.

Em 2015, com a chegada das ações da Lava-Jato, eles foram considerados ainda mais necessários. Existem hoje 29 magistrados atuando fora dos holofotes. Cada ministro tem, em média, a ajuda de três desses juízes. Eles atuam em várias frentes —do interrogatório de testemunhas até a elaboração de votos e decisões. Os magistrados são convocados da primeira instância e também de tribunais de segunda instância de todo o país, escolhidos pelos próprios ministros. Além dos salários pagos pelas varas e tribunais de origem, os juízes recebem do STF uma quantia complementar, para que os vencimentos totais cheguem a R$ 37.328,65. O valor final corresponde ao salário dos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Hoje, em geral, cada gabinete tem três juízes, além do ministro. Uma das exceções é Edson Fachin. O relator da Lava Jato, pela quantidade de trabalho, tem quatro. Celso de Mello, o mais antigo integrante do tribunal, tem dois. Relutou por anos e trabalhava sozinho. Mas, em 2018, resolveu pedir ajuda. Como revisor da Lava-Jato, ele vota logo depois do relator, de forma mais detalhada que os demais colegas.

Marco Aurélio Mello é o único que não admite outro juiz em seu gabinete. Atualmente, há gabinetes com a equipe incompleta, porque alguns juízes voltaram aos seus tribunais de origem, mas ainda não foram substituídos. Hoje, boa parte dos processos da Lava-Jato foi distribuída para tribunais de instâncias inferiores, devido à mudança da regra do foro privilegiado. Além da diminuição dos processos penais, é decrescente o número de processos que chega à Corte, pelo aperfeiçoamento dos filtros de recebimento. Apesar disso, há ministros do STF interessados em aumentar o número de juízes convocados nos gabinetes.