Título: Brasília, terreno árido para os investidores
Autor: Amorim , Diego
Fonte: Correio Braziliense, 12/08/2012, Cidades, p. 36

A necessidade de diversificar a economia local, com menos dependência do serviço público e uma iniciativa privada mais madura, passa necessariamente pelo avanço do empreendedorismo. Peculiaridades de Brasília, no entanto, tornam muitas vezes o ambiente desfavorável para a abertura de negócios. Apesar do potencial de um dos mercados consumidores mais pujantes do país, criar uma empresa na capital federal ainda é tarefa bastante difícil.

Ao longo da última semana, o Correio ouviu empresários para mapear os principais obstáculos encontrados por eles. Há quem desista do sonho de ter o próprio negócio diante de tantos entraves. Além das recorrentes queixas sobre a elevada carga tributária e a falta de incentivos, comum aos empreendedores de todo o país, os brasilienses esbarram em obstáculos próprios da cidade, como legislações desatualizadas que travam a liberação das licenças de funcionamento e os preços salgados dos imóveis.

De 2011 a 2012, de acordo com os dados mais atualizados da Junta Comercial do Distrito Federal, a média mensal de empresas criadas cresceu 8,2%, mesmo com os problemas técnicos e de gestão enfrentados pelo órgão recentemente. O total de estabelecimentos que fechou as portas, por sua vez, cresceu mais que o dobro desse percentual: 17,3%. Muitos decidiram passar o ponto por incapacidade de arcar com os preços de aluguel exorbitantes.

Prática associada a mercados extremamente aquecidos, a cobrança da chamada luva em Brasília virou regra. Interessados em pontos nas quadras mais cobiçadas das asas Sul e Norte chegam a organizar leilões informais para tomar o espaço do atual ocupante. Somente para ter o direito de alugar a loja, paga-se mais de R$ 250 mil. Na briga pelos lugares mais estratégicos e espaçosos, dificilmente há espaço para os micro e pequenos empresários.

Sem perspectiva de quedas significativas nos valores dos imóveis comerciais, o diretor superintendente do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do DF, Antônio Valdir Oliveira Filho, sugere que os novos empreendedores invistam no comércio on-line. "Os preços são considerados altos, mas ninguém vai baixar aluguel, é a lógica do mercado, não adianta reclamar. Precisamos pensar em alternativas", afirma.

Burocracia Quando o empresário, enfim, consegue um bom lugar e tem condições de pagar por ele, é hora de transferir ao contador — na maioria dos casos — a missão de fazer a empresa nascer oficialmente. Fase de reunir papeladas, encarar a via-sacra por órgãos públicos e ter muita paciência. As regras de ocupação dos setores confundem os empresários. A maratona de vistorias dificilmente termina no prazo determinado. Atrasos e erros nos processos são quase uma regra.

Nas administrações, a alta rotatividade de funcionários e a falta de preparação deles para lidar com a abertura de empresas faz com que pilhas de pedidos se acumulem. Alguns completam ano sem serem respondidos. Empresários têm pressa e, com muita frequência, são prejudicados no meio do processo. "A morosidade da resposta do poder público é especialmente grave em Brasília", diz o consultor Alexandre Ayres, que atua no mercado da cidade há mais de 20 anos.

Em dezembro do ano passado, o tempo médio para concluir a etapa referente à Junta Comercial — a do DF é única do país ligada ao governo federal — era de longos três meses. No início deste ano, mudanças na diretoria e compra de máquinas ajudaram a amenizar o problema. O órgão divulga que o tempo médio caiu para 14 dias em julho. O Conselho Regional de Contabilidade, porém, contesta a informação e acredita que o prazo ainda esteja superior a 20 dias.

A atual presidente da Junta, Cristiane Hanashiro Okada, justifica em parte os atrasos dizendo que 40% sos processos apresentam erros de documentação. "Nosso serviço também depende da qualidade do trabalho dos contadores", pondera. Os investimentos em tecnologia e na

reformulação da equipe, completa ela, continuará nos próximos meses. "Estamos tendo uma evolução muito boa", avalia, embora ressalte que a legislação atual contribui para os entraves.

Com contrato social, licença de funcionamento (o antigo alvará) e CNPJ garantidos, os empresários brasilienses precisam enfrentar mais um desafio. Mesmo sendo a capital do país, Brasília carece de uma variedade de fornecedores na maioria dos segmentos. Praticamente todos os equipamentos e insumos que compõem os estabelecimentos da cidade ainda são importados, o que aumenta os custos e quase sempre atrasa o cronograma dos empresários.

Sem a tão falada industrialização do Entorno, acreditam os especialistas, a cidade se manterá por muito tempo dependente de estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul para manter em funcionamento as suas empresas. O pouco que há disponível no DF é mais caro e menos especializado. "Não é que o empresário goste de reclamar. É que ele, de fato, sente na pele todos esses problemas e externa isso", afirma o diretor superintendente do Sebrae-DF.

Qualificação A dificuldade relacionada à mão de obra é outra que acompanha os empreendedores desde o nascimento da empresa. Em Brasília, a força do funcionalismo — com salários, em média, mais de quatro vezes superiores aos da iniciativa privada — agrava a situação. Para muitos, trabalhar em uma empresa particular funciona como bico. Empresários reclamam de funcionários sem compromisso, além da baixa qualificação. O cenário, também sem perspectivas de mudança, empaca os negócios.

O mapa dos obstáculos leva o consultor Alexandre Ayres a afirmar que Brasília não tem sido uma cidade propícia ao empreendedorismo. "Todas essas situações desestimulam por completo o empresário", analisa. Mais otimista, o diretor superintendente do Sebrae-DF diz que as dificuldades fazem parte do jogo. "Acabam desmotivando, sim, mas esse é o momento de o empreendedor encontrar o equilíbrio entre razão e emoção."

"Os preços são, sim, considerados altos, mas ninguém vai baixar aluguel, é a lógica do mercado, não adianta reclamar. Precisamos pensar em alternativas" Antônio Valdir Oliveira Filho, diretor superintendente do Sebrae-DF

ANÁLISE DA NOTÍCIA

Não é só chiadeira Empresários, vez ou outra, exageram no tom e na frequência das reclamações e costumam procurar culpados para o fracasso ou o mau andamento do próprio negócio. Em Brasília, porém, as recorrentes queixas dos empreendedores sobre a dificuldade em instituir empresas faz sentido. A cidade precisa urgentemente, defendem especialistas, diversificar a economia e oferecer oportunidades de emprego e renda fora do serviço público.

Ocorre que quem opta por um caminho diferente do funcionalismo quase sempre esbarra em entraves que desestimulam qualquer boa intenção. Passou da hora de o governo e as entidades do setor produtivo discutirem e, mais do que isso, encontrarem soluções para desburocratizar o processo de abertura de empresas, facilitar a vida do empresariado e, assim, oxigenar a iniciativa privada.

Mais programas de qualificação profissional e a industrialização do Entorno parecem ser a saída para ajudar a amenizar problemas de mão de obra e de falta de fornecedores. Não adianta querer uma nova realidade econômica para a cidade sem dar crédito, ao menos desta vez, à chiadeira dos empresários. (DA)

E EU COM ISSO

É o consumidor quem paga essa conta As dificuldades enfrentadas pelos investidores para abrir empresas no Distrito Federal se refletem no dia a dia de todos os brasilienses. Os custos adicionais gerados pela bucrocracia, pelo alto preço dos aluguéis ou pela má qualidade da mão de obra são sempre embutidos no valor dos pratos servidos nos restaurantes, das mercadorias comercializadas nas lojas, das consultas cobradas pelos médicos ou no preço dos serviços de lavanderias ou salões de beleza. No fim das contas, o último obstáculo é imposto ao consumidor final.