O globo, n. 31277, 26/03/2019. País, p. 4

 

Temer solto

Aguirre Talento

Chico Otavio

Juliana Castro

Rayanderson Guerra

26/03/2019

 

 

Desembargador critica prisão preventiva e concede habeas corpus a ex-presidente

Preso preventivamente desde a última quintafeira na sede da Polícia Federal no Rio, na Praça Mauá, sob acusação de comandar esquema de desvio de dinheiro em obras da usina de Angra 3, o ex-presidente Michel Temer foi libertado ontem à noite, por decisão do desembargador Ivan Athié, relator do caso no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). Outros sete presos na Operação Descontaminação, entre eles o ex-governador do Rio de Janeiro Moreira Franco, também foram soltos.

Nos últimos dias, a ordem de prisão preventiva de Temer foi alvo de questionamentos de especialistas em Direito, e reacendeu o debate sobre a detenção de suspeitos quando ainda não há condenação ou mesmo quando a ação penal não foi aberta. No caso, o Ministério Público Federal (MPF) ainda vai oferecer denúncia contra Michel Temer.

Para estes especialistas, embora a investigação tenha indícios fortes de cometimento de crimes, não havia elementos suficientes para a decretação da prisão preventiva. Na decisão de ontem, o desembargador Athié faz críticas severas ao despacho do juiz Marcelo Bretas, que determinou a prisão preventiva.

Temer deixou a sede da PF às 18h42, em direção ao Aeroporto Santos Dumont, onde um jatinho o esperava para levá-lo a São Paulo. A defesa do ex-presidente havia feito um pedido de habeas corpus na última sexta-feira, quando Athié decidira levar o pedido à sessão da próxima quartafeira da 1ª Turma Especializada do TRF-2. O desembargador, porém, concedeu o habeas corpus ontem de forma monocrática. Em seu despacho, ele explicou que não tivera tempo de ler, na sexta-feira, toda a decisão do juiz Marcelo Bretas, além das peças da defesa e das argumentações do MPF. Ainda na sexta-feira, Athié havia admitido a interlocutores desconforto em resolver sozinho uma questão tão sensível.

O MPF vai recorrer da decisão. A Procuradoria Regional da República da 2ª Região ainda estuda os argumentos que utilizará, mas no recurso constará o pedido de que os habeas corpus concedidos por Athié sejam analisados pela 1ª Turma Especializada do tribunal. Caberá ao próprio desembargador decidir quando levará o assunto à 1ª Turma, já que Athié atualmente é o presidente do colegiado. Na decisão de soltura, ele informou ainda que retirou o caso da pauta da sessão de amanhã.

Athié considerou ter havido uma série de inconsistências na decisão do juiz Marcelo Bretas que mandou prender Temer. O desembargador começou seu texto fazendo elogios a Bretas, classificado como “notável juiz, seguro, competente, corretíssimo”, e de “irrepreensível proceder”. Acrescentou ainda que “não sou contra a chamada LavaJato, ao contrário, também quero ver nosso país livre da corrupção que o assola”.

Lava-jato defende razões

Ao entrar no mérito da prisão do ex-presidente, porém, enumerou várias discordâncias com o despacho de Bretas. Athié disse não ver na decisão “qualquer justificativa prevista no Código de Processo Penal para segregação preventiva dos pacientes”.

Ele afirmou que os fatos citados por Bretas são “suposições de fatos antigos, apoiadas em afirmações do órgão acusatório (MPF)”, e que mesmo que se admita existirem indícios para incriminar Temer, eles não servem para justificar a prisão preventiva.

Athié afirmou que Bretas tentou antecipar a pena: “Até agora inexistente instrução criminal, eis que nem ação penal há, sendo absolutamente contrária às normas legais prisão antecipatória de possível pena, inexistente em nosso ordenamento, característica que tem, e inescondível, o decreto impugnado”.

Em nota, os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato do Rio, que pediram a prisão de Temer à primeira instância da Justiça Federal, afirmaram que há robustas razões para a prisão preventiva, como obstrução de Justiça e ocultação de dinheiro.

“A Força-Tarefa recebe com serenidade a decisão. Reafirma que as razões para a prisão preventiva são robustas e consistentes, mas respeita a decisão liminar monocrática do relator”.

O Ministério Público pretende convencer os desembargadores da1ª Turma Especializadado TRF -2 da necessidade da prisão de Temer. Uma das críticas do desembargador Athié sobre a prisão preventiva foi a falta de elementos recentes envolvendo os suspeitos que evidenciassem a possibilidade de continuidade dos crimes.

Os procurador esvão citara tentativa de depósito de R$ 20 milhões em dinheiro vivo na conta da Argeplan, empresa do coronel Lima, suposto operador de Temer, feita em outubro do ano passado. Esta movimentação foi detectada pelo Coaf e foi usada como argumento pelo MPF no pedido de prisão de Temer.

O episódio, porém, não foi citado pelo juiz Bretas em sua decisão ordenando a prisão.

Além de Temer, Moreira e Lima, foram soltos ontem Maria Rita Fratezi (acusada de atuar em lavagem de dinheiro), Carlos Alberto Costa (sócio do coronel Lima na Argeplan), Carlos Alberto Costa Filho (diretor da Argeplan), Vanderlei De Natale (suspeito de ter intercedido junto à Eletronuclear em favor do esquema) e Carlos Alberto Montenegro Gallo (também suspeito de interceder junto à Eletronuclear).

As divergências entre o desembargador Athié e o juiz Bretas

1 A época dos fatos que embasaram a prisão preventiva

Ao revogar a decisão de Bretas, Athié afirmou que “não há qualquer justificativa” para a prisão preventiva, e que os fatos citados são antigos para demonstrar continuidade de crimes. “Nenhuma evidência posterior a 2016”, apontou. No pedido de prisão, o MPF citou tentativa de depósito de R$ 20 milhões na conta da Argeplan em 2018, mas Bretas não citou o episódio na ordem de prisão.

2 A ‘antecipação de pena’

Duas vezes, Athié afirma que Bretas tenta antecipar uma eventual pena de condenação na prisão preventiva. “É absolutamente contrária às normas legais prisão antecipatória de possível pena, inexistente em nosso ordenamento, característica que tem, e inescondível, o decreto impugnado”, escreveu. Depois, afirmou que “não passa desapercebido exagero na narração” feita pelo juiz.

3 Sobre os acusados não terem mais mandato ou cargo no governo

O desembargador considerou que o fato de Temer e Moreira não estarem mais no governo anula o argumento de que poderiam continuar a cometer crimes. Para Bretas, a organização seguia ocultando o dinheiro desviado. “(Há a circunstância) de não mais ocuparem cargo público, sob o qual teriam praticados os ilícitos. Assim, o motivo de cessar a atividade ilícita simplesmente não existe” avaliou Athié.

4 Contestações ao estilo e ‘caolha interpretação’

Embora tenha iniciado seu texto com elogios a Bretas, Athié fez fortes ataques ao juiz. Além de afirmar que Bretas tentou antecipar pena e que a ordem de prisão tem “exagero na narração”, o desembargador chamou de “caolha interpretação” uma citação feita pelo juiz a uma convenção internacional de Direito sobre prisões preventivas, durante a argumentação para sua decisão.

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Bretas bloqueou R$ 62 milhões de ex-presidente; ordem segue válida

Aguirre Talento

26/03/2019

 

 

Na semana passada, um dia depois de determinar a prisão preventiva de Michel Temer, o juiz Marcelo Bretas ordenou o bloqueio de R$ 62 milhões de bens pessoais ou ligados ao escritório de advocacia do ex-presidente. Esta decisão permanece em vigor, apesar da soltura do emedebista determinada ontem pela segunda instância da Justiça Federal no Rio.

O bloqueio atinge tanto os bens pessoais do ex-presidente como os bens vinculados ao seu escritório de advocacia, Temer Advogados Associados, e a outra empresa que possui, a Tabapua Investimentos e Participações, usada para administrar seus imóveis.

Bretas executou a mesma medida contra a filha de Temer, Maristela, no valor de R$ 3,2 milhões, e contra outros alvos da Operação Descontaminação, como o exministro Moreira Franco (MDB), no valor de R$ 2,1 milhões, e o coronel João Baptista Lima, este também no valor de R$ 62 milhões.

A decisão de Bretas, obtida pelo GLOBO, estava sob sigilo desde a semana passada, para impedir que Temer e os outros alvos tentassem se desfazer dos bens.

Ao definir o valor de R$ 62 milhões a serem bloqueados de Temer, Bretas considerou os supostos valores de propina destinados ao ex-presidente e movimentações financeiras suspeitas envolvendo as empresas do coronel Lima. E acrescentou a esta conta uma cifra correspondente a danos morais coletivos. “Quando se trata de prejuízo a toda coletividade, mostra-se pertinente a fixação de quantia referente ao dano moral”, disse Bretas.

O juiz determinou que os bloqueios abarquem contas bancárias, investimentos financeiros, veículos automotores, imóveis, embarcações e aeronaves. Os ofícios foram expedidos às instituições responsáveis na quinta-feira, mas ainda não houve resposta sobre o cumprimento.