O globo, n. 31274, 23/03/2019. Opinião, p. 2

 

Prisão de Temer não pode paralisar o Congresso

23/03/2019

 

 

É característica dos mercados financeiros ter os nervos à flor da pele. Pelo fato de reagirem de forma rápida às mudanças de expectativas, otimistas ou pessimistas, as bolsas e o câmbio, particularmente sensíveis, disparam ou desabam a depender do noticiário. Na quinta, a prisão do ex-presidente Michel Temer, de seu ex-ministro Moreira Franco, e do braço direito coronel Lima, entre outros, foi um desses momentos. O dólar, mais volátil no passado quando o país era muito carente de reservas externas, subiu 0,9%, e a Bolsa caiu 1,34%, embora, no meio do pregão, tenha chegado a retroceder 2,34%.

É sempre assim. Não se admite, porém, que o mundo político oscile da mesma forma. Até porque nunca estão em jogo ganhos e perdas instantâneos, mas rearranjos legais de que depende a sociedade como um todo. Tudo precisa ser debatido, aprovado ou rejeitado, processo que lava tempo.

Não faz sentido, portanto, que a prisão de Temer, de ex-auxiliares e de amigos passe a justificar atrasos na tramitação das reformas — em que a prioridade absoluta é a da Previdência. Nunca seria uma surpresa a detenção de Temer, devido ao número de processos a que responde e pelo fato de haver perdido a proteção do foro privilegiado, no caso, o Supremo. O mesmo ocorreu com Lula. Sua prisão era apenas questão de tempo — guardadas as diferenças entre os dois casos.

A precariedade da questão fiscal brasileira, motivo pelo qual a economia não consegue entrar num ciclo de retomada do crescimento necessário para reduzir o desemprego, leva a que importantes forças políticas concordem com a reforma da Previdência. Divergem sobre graduação e extensão, a serem calibradas no Legislativo, embora haja limites para concessões.

Mais um motivo para o Congresso não se deixar paralisar. É certo, também, que, além de deputados e senadores precisarem atuar no cumprimento da agenda estratégica que está diante deles, o governo precisa melhorar muito na sua articulação com o Legislativo.

O país não pode ficar à mercê de pequenos conflitos e mal-entendidos, como o que acaba de ocorrer entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pessoa-chave nas reformas, e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Há muito o que fazer. No campo da Previdência, por exemplo, é preciso corrigir os desvios no projeto dos militares.

O Congresso não pode parar. A prisão de Temer é sinal de que as instituições continuam a funcionar a contento. O conflito entre Lava-Jato e parte do Supremo não é saudável, mas a Corte tem podido ajustar um ou outro excesso nas investigações. E mesmo ela comete extravagâncias, como neste inquérito do presidente Dias Toffoli.

As instituições brasileiras têm conseguido aprender com o erro e a se autoajustar. Temer não é o primeiro ex-presidente a ser preso.