O globo, n. 31274, 23/03/2019. Mundo, p. 25

 

Novo bloco regional

Janaína Figueiredo

23/03/2019

 

 

Oito países da América do Sul criam Prosul, deixando fora a Venezuela de Maduro

Fontes do governo brasileiro indicam que o país pode agora deixar a Unasul

Oito países, inclusive o Brasil, assinaram a criação do Fórum para o Progresso da América do Sul (Prosul). A Venezuela não foi convidada para a cerimônia. No Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, o governo Bolsonaro abandonou tradição brasileira de apoio aos palestinos. Sem mencionara União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e tentando mostrar que a iniciativa será “aberta a todos ”, os representantes de oito países da América do Sul— sete presidentes e um embaixador — assinaram ontem a Declaração de Santiago sobre a Renovação e Fortalecimento da Integração na América do Sul. O documento deu nascimento ao Fórum para o Progresso da América do Sul (Prosul), iniciativa liderada por Chile e Colômbia, com adesão de Brasil, Argentina, Equador, Paraguai, Perue Guiana.

"Sem ideologia"

O anfitrião do encontro, o presidente Sebastián Piñera, anunciou com euforia a criação do novo organismo regional e assumiu a presidência pelo período de um ano. Para evitar atritos com países sul-americanos que no primeiro momento não aderiram ao Prosul, no entanto, houve negociações até anoite da quinta-feira que levaram os governos de Uruguai, Bolívia e Suriname a participarem do evento como observadores, sem a presença de seus presidentes e sem aderir ao Prosul. A Venezuela de Nicolás Maduro não foi convidada. Os enviados do boliviano Evo Moral e sedo uruguaio T abaré Vázquez aceitaram participar da foto oficial, coma condição de que o documento final não criticasse ou fizesse qualquer menção à Unasul, que, quando criada em 2008, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, contava coma participação de todos os 12 países sul americanos, incluindo a Colômbia do então presidente conservador Álvaro Uribe. A Unasul está paralisada desde o final de 2017, quando a ascensão na região de governos de direita provocou divergências políticas que impediram a eleição de um secretário-geral para substituir o colombiano Ernesto Samper. —Este será um fórum aberto a todos os países e sem ideologias, que respeitará as diversidades e diferenças — declarou Piñera, defendendo-se das críticas da oposição chilena e de especialistas de que o novo fórum ficará marcado pela posição conservadora dos atuais dirigentes dos países fundadores e terá, como a Unasul, pouco tempo de vida. A única condição para integrar o Prosul, disse o presidente chileno, é “o respeito aos direitos humanos e o compromisso com a democracia”. Por esta razão, Maduro não foi convidado. “Declaramos nossa vontade de construir e consolidar um espaço regional de coordenação e cooperação, sem exclusões, para avançar na integração mais efetiva que nos permita contribuir com o crescimento, progresso e desenvolvimento dos países da América do Sul ”, diz a declaração final. Os presidentes também ratificaram que “a integração é uma ponte para o fortalecimento do multilateralismo e a plena vigência do direito internacional ”. Fontes do governo brasileiro consideraram positiva a criação do Prosul e admitiram a possibilidade de que o Brasil formalize sua saída da Unasul. Na véspera, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) dissera que tinha chegado a hora de“enterrara Una sul ”. —A Unasul começou bem. Depois ela foi por um viés ideológico que começou afazer parte de uma política de poder. A Unasul era um nome fantasia do Foro de São Paulo — disse Bolsonaro ontem, referindo-se à organização que reúne partidos de esquerda do continente. Diferentemente da Unasul, o Prosul não terá sede nem Parlamento. Fontes chilenas disseram esperar que os países que não aderiram agora o façam depois, mas uma fonte brasileira considerou difícil a inclusão, por exemplo, da Bolívia,onde o presidente Morales é acusado pela oposição de ter lançado uma candidatura inconstitucional para disputar o quarto mandato presidencial consecutivo. Em Santiago, especulou-se que a decisão do presidente boliviano de enviar um representante ao encontro deveu-se à necessidade interna de mostrar-se distante da Venezuela de Maduro. Morales busca evitar uma ruptura com países que não reconhecem o novo mandato presidencial de Maduro, iniciado em 10 de janeiro, para tentar reduzir as críticas que recebe dentro de seu país. No caso do Uruguai, o Prosul gera debate dentro da governista Frente Ampla, de esquerda, e tampouco está definida sua posição sobre a iniciativa.

Nem Bolívia nem Uruguai reconheceram o líder opositor Juan Guaidó como autoproclamado presidente interino da Venezuela e tampouco fazem parte do Grupo de Lima, criado para pressionar Maduro, diferentemente dos oito vizinhos fundadores do Prosul.

Protestos anti-Bolsonaro

Os sete presidentes e o embaixador da Guiana defenderam que o novo organismo seja pragmático, eficiente e de baixo custo. A ideia é realizar reuniões com frequência e trabalhar juntos em matéria de segurança, meio ambiente, infraestrutura, desastres naturais e saúde, entre outros assuntos. A articulação política regional, segundo fonte do governo chileno, será delegada ao Grupo de Lima.

No fim da tarde, houve incidentes entre a polícia e centenas de manifestantes que protestavam contra a presença de Bolsonaro próximo ao Palácio de La Moneda. Familiares de desaparecidos na ditadura do general Augusto Pinochet (1973-90) também participaram dos protestos.

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Eduardo Bolsonaro defende uso da força contra chavista

23/03/2019

 

 

Após dizer que presidente da Venezuela não sai pacificamente, deputado minimiza declaração e diz que ‘Brasil não pensa intervir’

Em visita ao Chile , o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse ontem que “será necessário o uso da força” contra a Venezuela, em entrevista ao jornal La Tercera. Mais tarde, entretanto, ao GLOBO, minimizou suas declarações anteriores, afirmando que o Brasil “não pensa em intervir militarmente”. O deputado acompanha o presidente Jair Bolsonaro numa viagem a Santiago, onde oito países sul-americanos formalmente selaram o início de um novo bloco , o Fórum para o Progresso da América do Sul (Prosul). Emulando o tom adotado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, o deputado, que é também o presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa da Câmara (CREDN), disse que “todas as opções estão sobre a mesa”, sem descartar a opção militar, segundo o jornal chileno.

— Ninguém quer uma guerra, a guerra é ruim, há muitas vidas perdidas e consequências colaterais. Mas (o presidente Nicolás) Maduro não vai sair do poder de maneira pacífica. De alguma maneira, será necessário o uso da força, porque Maduro é um criminoso — disse o filho do presidente ao La Tercera. — O pior que pode acontecer é permitir que Maduro continue no poder, porque todos os dias está morrendo gente. Questionado por jornalistas brasileiros algumas horas depois, Eduardo disse que “ninguém quer” uma intervenção militar e que Trump é quem diz que “todas as cartas estão sobre a mesa”, mas que esta não é uma “hipótese relevante” para o Brasil.

— Eu falei a mensagem do Trump de que todas as possibilidades estão sobre a mesa. O presidente e generais a cargo disso têm dito que esta não é uma opção —recuou. Ao sair do Palácio de La Moneda, o presidente Bolsonaro, por sua vez, negou que a criação do Prosul seja um “recado” para a Venezuela. Segundo ele, “tem gente divagando” (sobre a possibilidade de intervenção militar), mas “da nossa parte não existe essa possibilidade”. Do Prosul não participam a Venezuela nem seus aliados. Bolsonaro rebateu as acusações de que seria xenófobo, machista, misógino e racista, que levaram os presidentes do Senado do Chile, Jaime Quintana, e da Câmara, Iván Flores, a boicotarem o almoço em sua homenagem que o presidente Sebastián Piñera oferece hoje no Palácio de La Moneda. Segundo ele, tudo isso não passa de “notícias falsas”.

—Se eu fosse xenófobo, machista, misógino e racista, como explicam que fui eleito presidente do Brasil? — disse em breve entrevista coletiva após reunião para o lançamento do Prosul.

—Mentira. Fake news. Não há por que se acreditar em notícias falsas. Temos que abrira cabeça.