O globo, n. 31268, 17/03/2019. País, p. 4

 

Queda de braço no governo

Vinicius Sassine

17/03/2019

 

 

Santos Cruz mira Onyx e quer derrubar nomeação no Ministério do Turismo

A nomeação de um suspeito de irregularidades no governo passado como principal responsável pelo orçamento do Ministério do Turismo abriu nova divergência entre o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Alberto Santos Cruz, e seu colega de Planalto, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Ambos trabalham no quarto andar do Planalto, um acima de onde despacha o presidente Jair Bolsonaro.

Onyx assinou, em 6 de fevereiro, a nomeação de Higino Brito Vieira como subsecretário de Planejamento, Orçamento e Administração, indicado pelo ministro Marcelo Álvaro Antônio para gerir os R$ 825 milhões aprovados para a pasta do Turismo este ano. Alvo de uma investigação da Controladoria-Geral da União (CGU) por sua atuação no Ministério do Trabalho no ano passado, Vieira caiu no radar de Santos Cruz, que quer derrubá-lo do cargo.

Desde janeiro, Santos Cruz conta com a ajuda de um delegado da Polícia Federal, Carlos Afonso Coelho, para averiguar nomeações da esfera de Onyx. O policial foi nomeado assessor especial da Secretaria de Governo e passou a fazer pentes-finos em nomeações.

O caso de Vieira é o segundo que opõe frontalmente Santos Cruz a Onyx. Foi assim com o então subchefe de Assuntos Governamentais da Casa Civil, Pablo Tatim, braço-direito do ministro chefe da Casa Civil. Santos Cruz cobrou a cabeça de Tatim, diante de suspeitas de irregularidades reveladas pelo GLOBO. Conseguiu a demissão do subchefe, apesar do apoio dado pela bancada evangélica a ele.

No episódio do subsecretário do Turismo, a irritação de Santos Cruz existiu porque houve o entendimento de que a nomeação não passou pelo seu crivo. Vieira foi alvo de um pedido de reprovação de suas contas feito pela Controladoria-Geral da União (CGU) em novembro, devido à gestão de um programa de R$ 100 milhões no Ministério do Trabalho. Segundo a assessoria de Onyx, a indicação é de “inteira responsabilidade” de Álvaro Antônio.

“A Casa Civil, após consultas da Abin (Agência Brasileira de Inteligência)e Segov(Secretariade Governo da Presidência da República), realiza apenas o ato normativo da nomeação”, afirmou a assessoria do ministro. Vieira disse ter sido contratado por “incumbência do próprio Ministério do Turismo, por análise de currículo”.

Contas reprovadas

Essa não é a única queda de braço no governo. O Ministério da Educação passa por uma crise provocada pela guerra por espaço travada entre o grupo de militares, o quadro mais técnico, e a ala de viés ideológico, que inclui os seguidores do escritor Olavo de Carvalho. No caso do Ministério do Turismo, a controvérsia tem origem em uma investigação da CGU. Em 1º de novembro de 2018, o órgão apontou irregularidades na atuação de Vieira no Ministério do Trabalho. Ele foi diretor de Políticas de Empregabilidade na pasta, onde ingressou em junho de 2016. Permaneceu até 21 de dezembro de 2018.

A CGU indicou a necessidade de reprovar as contas do diretor referentes ao ano de 2017. Isto porque a Controladoria concluiu numa auditoria que um programa de qualificação profissional do ministério, com gastos estimados em R$ 100 milhões, tinha diversas irregularidades, sendo Vieira um dos responsáveis.

A CGU concluiu no ano passado uma auditoria no Qualifica Brasil — tocado pelo Ministério do Trabalho. A pasta assinou termos de execução descentralizada (TEDs) com a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) no valor de R$ 40 milhões; com a Universidade

de Brasília (UnB), por R$ 20 milhões; e 43 convênios com estados e municípios, no valor de R$ 40 milhões. A conclusão foi: má utilização de recursos públicos, baixa efetividade das ações, contratação de empresa pela Unirio sem equipe com capacidade técnica e demora para a explicação dos custos. Na maior parceria feita, com a Unirio, os auditores da CGU constataram que os pareceres técnicos elaborados pela diretoria de Vieira eram frágeis e não cobravam que inconsistências fossem sanadas.

A CGU pediu rescisão da parceria com a Unirio, apuração da responsabilidade pelas irregularidades e possibilidade de ressarcimento ao erário. O contrato de R$ 40 milhões com a Unirio foi rompido em novembro, segundo documentos do ministério. Em 21 de dezembro, Vieira foi demitido. No mesmo dia, ele ainda chegou a assinar uma nota técnica atestando a validade da parceria com a Unirio.

Reputação

O Ministério do Turismo afirmou que não teve conhecimento dos apontamentos feitos pela CGU e que vai apurar o caso. Vieira disse que as recomendações foram atendidas e que cabe somente ao Tribunal de Contas da União julgar as contas, o que ainda não ocorreu. “A minha reputação não foi objeto de julgamento da CGU, o que não desabona meu currículo e experiência para assumir e conduzir o cargo de subsecretário no Ministério do Turismo”, afirmou, por mensagem de celular.

A Unirio disse ter recebido R$ 12 milhões dos R$ 40 milhões previstos. Segundo a universidade, o dinheiro foi repassado a uma organização social, que ofereceu quatro modalidades de curso de qualificação. Seis mil pessoas foram qualificadas. “Fiscais do ministério estiveram na Unirio e atestaram a regularidade do desenvolvimento do projeto”, afirmou. A UnB disse que a CGU foi a favor da continuidade do projeto, defendendo apenas a exclusão de uma das metas previstas, no valor de R$ 700 mil. A universidade recebeu até agora R$ 14 milhões.

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Pivô de caso dos laranjas teve mandato apagado

Thiago Herdy

17/03/2019

 

 

Marcelo Álvaro Antônio nomeou como assessor em Brasília pastor de sua base eleitoral, que pouco apareceu no gabinete

Na corda bamba desde que veio à tona a suspeita de participação de assessores em esquema de desvio de recursos do fundo partidário para candidatas laranja, o ministro Marcelo Álvaro Antônio (Turismo) foi um político com atuação apagada como deputado federal. Entre 2015 e 2019, apresentou 98 proposições, mas nenhuma virou lei. O ministro é filho do ex deputado federal Álvaro Antônio Dias, que foi secretário no governo Tancredo Neves, avô do deputado Aécio Neves (PSDB-MG).

A boa relação de Álvaro Antônio com tucanos em Minas divide apoiadores do presidente Jair Bolsonaro no estado. Apesar de declarar apoio a Bolsonaro, ele trabalhou pela eleição de Antonio Anastasia (PSDB) para governador. O tucano foi derrotado por Romeu Zema (Novo), eleito na onda bolsonarista.

Logo que assumiu o mandato federal, em 2015, Álvaro Antônio contratou como secretário parlamentar em Brasília o pastor Wilton Sampaio, de 75 anos. Ele é pai de Daniel Sampaio, pastor da Igreja Batista Central do Barreiro, na capital mineira, base eleitoral do ministro. Pelo regimento, Wilton era obrigado a cumprir 40 horas semanais na Câmara. Mas não era visto ou pouco aparecia no gabinete, segundo colegas ouvidos pelo GLOBO.

—Trabalhava em Brasília, no gabinete. Mas, seu Wilton, nunca ouvi falar —disse Carolina Mourão Albuquerque, que trabalhou para Álvaro Antônio entre 2017 e 2018.

—Não conheço —disse Soraia Faria Prado, outra ex funcionária do gabinete. Principal auxiliar do então deputado, a secretária Márcia Siqueira Pereira disse ter lembrança vaga de Wilton:

—De vez em quando vinha, assessorava o deputado. Não sei dizer que tipo de função ele exercia. O pastor recebeu R$ 112 mil em salários e auxílios entre 2015 e 2018. —Trabalhava coordenando tarefas, orientando palestras—disse ele.

A assessoria de Álvaro Antônio informou que Wilton “atuou no gabinete exercendo as funções para as quais foi contratado”, sem especificar. Álvaro Antônio destinou R$ 341 mil da cota parlamentar à locadora Locarnew Veículos, então proibida de contratar com órgãos públicos por ter cometido crime eleitoral.

A assessoria de Álvaro Antônio informou que desconhecia a restrição.