O globo, n. 31268, 17/03/2019. Rio, p. 12 e 13

 

À procura de um informante dentro da Câmara

17/03/2019

 

 

DH investiga como matadores seguiam Marielle

A fase dois da investigação sobre a morte da vereadora do PSOL Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes já tem um ponto de partida: a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio tentam descobrir se um informante, dentro da Câmara Municipal, pode ter revelado os passos dela nas semanas que antecederam o crime. O relatório do inquérito da Delegacia de Homicídios (DH) da Capital mostra que, 13 dias antes da execução, um dos acusados, o sargento reformado da PM Ronnie Lessa, começou a buscar endereços listados na agenda da parlamentar.

A desconfiança se estende até 14 de março de 2018, data da execução, quando parece ficar ainda mais forte a suspeita de que os assassinos tiveram informações privilegiadas sobre os horários de Marielle, da saída do plenário do Palácio Pedro Ernesto até sua chegada à Casa das Pretas, no Centro, para o debate “Jovens negras movendo estruturas”. Para a polícia, Lessa, suspeito de ter sido o atirador, e o ex-PM Élcio Queiroz, acusado de dirigir o Cobalt prata usado no atentado à vereadora, sabiam que Marielle estava atrasada para o evento da ONG, que fica na Rua dos Inválidos. Ela se atrasou, e seu carro, um Agile, só saiu da Câmara às 18h39m. Acabou chegando ao local às 19h, bem depois do horário marcado

para o debate: 18h. Registros de câmeras mostram que o veículo dos assassinos saiu da Barra às17h24m, exatamente quando Marielle deixou o plenário. Coincidindo com o atraso de Marille, o Cobalt aparece reduzindo a velocidade na Tijuca, e só é visto em imagens gravadas na Rua dos Inválidos às 18h45m. Como não encontraram vaga perto da Casa das Pretas, os criminosos deram uma volta no quarteirão e estacionaram em frente a um beco às 18h58m. Às 19h10m, os suspeitos mudam para um vaga mais próxima à sede da ONG.

Seguida pela Internet

Policiais suspeitam que os assassinos souberam do atraso, já que a intenção era fazer uma campana na porta da Casa das Pretas e seguir a vereadora para cometer o atentado. Para que tudo desse certo, os acusados precisavam seguir um rígido planejamento, e uma mudança de programação, que resultou na chegada tardia deles ao local do debate, só se explica por uma eventual informação de que a vítima estava atrasada. Marielle, Anderson e uma assessora da vereadora, que escapou com vida, seriam abordados, horas depois, pelo Cobalt no Estácio, por volta das 21h.

O relatório do inquérito policial revela ainda que, nos dias anteriores, houve uma absoluta sincronicidade entre eventos da agenda de Marielle e pesquisas feitas por Lessa em ferramentas do Google, descobertas por meio de autorizações judiciais. Ele começa a buscar endereços de locais que efetivamente seriam visitados pela vereadora a partir de 2 de março de 2018. Naquele dia, o sargento reformado da PM procurou “Rui Barbosa 10”, no Flamengo.

O levantamento da polícia indica que Marielle esteve muito próximo dali, na Rua Martins Ribeiro 38, no mesmo bairro, onde chegou às 7h24m e partiu às 10h44m. A busca seguinte foi feita em 6 de março, quando Lessa pesquisou “UFRJ” e “campus da Praia Vermelha”.

Os investigadores consideram que ele tentava identificar a programação da vítima que, naquele mesmo dia, estaria num curso pré-vestibular, entre 18h e 19h, de um prédio da universidade no Largo de São Francisco. No dia 8 do mesmo mês, ele digitou no Google “Praça São Salvador”. Ali, no dia seguinte, Marielle estaria assistindo à aula de um curso de inglês. Mas a busca que os investigadores da DH destacam como “surpreendente” foi feita em 12 de março, dois dias antes da execução da vereadora. Lessa tentou localizar exatamente o endereço do ex-marido de Marielle, que ela visitaria na manhã daquele dia.

No relatório, há trocas de mensagens de Whatsapp entre a vereadora e o ex-marido na qual ela confirmou que iria até a casa dele. Essa movimentação é considerada mais importante porque, em tese, as outras pesquisas feitas por Lessa podem ter se baseado em agendas públicas de Marielle, porém o encontro com o ex-marido não constava de documentos divulgados pela assessoria da vereadora ou por estabelecimentos e entidades que a receberam nos dias anteriores ao assassinato. Lessa foi bem específico nessa ação: ele usa o Google Maps para ver imagens do prédio e da rua.

O ex-marido de Marielle é ex-assessor do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL). Em depoimento à polícia, ele confirmou que Marielle esteve em sua casa, naquele dia, por cerca de três horas. O relatório do inquérito da DH ressalta que os dados coletados dessa pesquisa, “por si só, sem dúvida, reforçam os indícios incontroversos e veementes” de que Lessa realizava o monitoramento e o levantamento de rotina da vítima, com o objetivo de executá-la.

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O Crime que câmeras da Prefeitura não flagraram

17/03/2019

 

 

Polícia afirma que, entre o Quebra-Mar, na Barra, e o Centro, apenas um equipamento do município conseguiu captar dados da placa. Investigação recorreu a sistema particular de lojas e empresas

O trajeto feito pelos assassinos de Marielle Franco e Anderson Gomes, do Quebra-Mar, na Barra, até o Estácio, onde ocorreu o crime, foi traçado com base em informações de câmeras instaladas em lojas, empresas e residências. Isso porque, segundo a polícia, os equipamentos da prefeitura que fazem o monitoramento do trânsito não geram imagens recuperadas de qualidade, nem estão posicionados em lugares adequados para ajudar na segurança pública.

Uma única câmera do município, segundo a polícia, flagrou a placa do Cobalt prata, usado na execução, entre o Quebra-Mar, na Barra, e a Casa das Pretas. Foi no Itanhangá, às 17h34m.

O equipamento de tecnologia OCR (Reconhecimento Óptico de Caracteres), chamado de radar inteligente, captou as letras e os números da placa, transformando-os em dados. Voltado para a fluidez do trânsito, ele não transmite imagem. Outras câmeras de trânsito da prefeitura registraram o trajeto do carro dos assassinos, porém, não identificaram a placa. A polícia foi, então, em busca de câmeras particulares na região para descobrir o caminho feito pelos assassinos e tentar chegar a eles. Algumas delas tinham ótima resolução, como as da Rua dos Inválidos e a do Quebra-Mar.

— Houve um grande esforço de investigação. Depois de conseguirmos a placa, os agentes varreram a região para levantar as imagens antes da execução, ou seja, no pré-crime. Até então, não tínhamos imagens do momento do homicídio, nem de depois dele.

O carro praticamente desapareceu, virou pó. Além de identificar os ocupantes, tínhamos que saber se havia mais veículos envolvidos — explicou o titular da Delegacia de Homicídios (DH) da Capital, delegado Giniton Lages. Várias equipes da delegacia foram às ruas coletar imagens para formar um banco de dados, segundo Giniton. Um dos grupos ficou entre o Itanhangá e a Rua dos Inválidos, no Centro, onde Marielle participou de um evento antes de ser morta.

Outro fez um pente-fino dali até o local da emboscada, na esquina das ruas Joaquim Palhares e João Paulo I, no Estácio. Policiais também vasculharam a região da Barra, depois de terem recebido a denúncia, em outubro do ano passado, de que o carro tinha saído do Quebra-Mar.

Ao percorrerem esses pontos, os investigadores perceberam que não poderiam contar com as câmeras da prefeitura.A falta de uma rede de monitoramento do trânsito eficiente impossibilitou que a polícia descobrisse todo o trajeto dos assassinos. Do Quebramar até o Recreio, de acordo com a polícia, só havia uma câmera OCR, mas ela não captou a placa.

— As câmeras da CET-Rio não servem para ajudar na investigação de um crime, pois são incapazes de reconhecer uma placa. Elas não têm resolução. São apenas para acompanhar a fluidez do trânsito. Era muito importante ter uma imagem dos criminosos saindo do carro. Eles podiam ter parado para abastecer, comer algo ou ir ao banheiro. Buscávamos qualquer coisa que os tirassem da zona de proteção, já que o Cobalt prata tinha vidros muito escuros. Mas, infelizmente, não houve esse flagrante — disse o delegado, ressaltando que as equipes constataram que mais da metade dos equipamentos OCR não estava funcionando naquele período.

A CET-Rio, no entanto, contestou Giniton, assegurando que há 539 OCRs na cidade que estão funcionando normalmente. O Centro de Operações Rio (COR), da prefeitura, informou que o órgão não tem câmeras de segurança, mas, sim, equipamentos de monitoramento de trânsito e de aspectos climáticos.

Atualmente, a rede conta com 1.200 equipamentos que geram imagens. São 811 câmeras da própria prefeitura (das quais, 215 não estão funcionando desde março do ano passado) e 400 de parceiros, como as concessionárias Lamsa, Metrô Rio e Porto Novo.

Não há previsão de quando os equipamentos parados voltarão a operar. A assessoria de imprensa do COR informou que a Secretaria da Casa Civil está com um processo de licitação em andamento para contratar o serviço de manutenção. Em 2013, a prefeitura tinha 598 câmeras na cidade. O número chegou a 811 em 2015 e, desde então, estagnou.

Há um ano, quando ocorreu o crime, apenas seis das 11 câmeras municipais instaladas ao longo do percurso de aproximadamente três quilômetros, em que o carro de Marielle e Anderson foi seguido pelo dos bandidos, entre o Centro e o Estácio, estavam funcionando.

Hoje, esse trajeto, segundo a prefeitura, está coberto por oito equipamentos, um deles desligado. Já no trecho de quase 24 quilômetros percorrido pelos criminosos da Barra à Rua dos Inválidos, há 21 câmeras que geram imagens. Elas não foram utilizadas pela Polícia Civil na investigação. Segundo o COR, esses aparelhos são do tipo domo, das marcas GE, Truvision, Axis e Comtex. As imagens ficam armazenadas por sete dias e no formato em que foram filmadas.

Por isso, quando tentam dar um zoom na cena gravada, ela perde definição, inviabilizando, por exemplo, a identificação de uma placa. A aproximação com qualidade só é possível ser feita em tempo real, no momento em que a cena está sendo registrada.

O secretário da Casa Civil, Paulo Messina, afirmou, no ano passado, que, para a questão da segurança, seria necessário o uso de outro tipo de câmera. Ele propôs, inclusive, que fosse realizada uma licitação, que não aconteceu. A concorrência que está em curso é para a aquisição de câmeras com um tipo de tecnologia que não atende à segurança pública.

O modelo escolhido visa a combater as consequências dos efeitos climáticos. Em nota, o COR informou que, além da renovação do contrato de manutenção do sistema, está prevista a contratação de cerca de mil câmeras.

Rede privada em SP

Na cidade de São Paulo, uma rede muito mais ampla já ajuda a combater a violência. A Secretaria municipal de Segurança Urbana lançou, em julho de 2017, o projeto City Câmeras, que integra hoje 2.498 câmeras capazes de auxiliar o tráfego e a segurança pública. Dessas, 2.277 são de pontos comerciais e residências. Há ainda 5.004 câmeras doadas por empresas que estão para ser instaladas.

Com a participação da população, o governo conseguiu aumentar a área vigiada, sem ter mais custos. No antigo modelo de videomonitoramento, o gasto era de R$ 3,6 milhões por ano para se ter acesso a 70 câmeras. Para o delegado Giniton Lages, é fundamental para a segurança pública que câmeras privadas sejam integradas aos sistemas de monitoramento do governo, além de melhorar a qualidade das imagens captadas pelo sistema da prefeitura:

— É preciso lembrar que o artigo 144 da Constituição Federal diz que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos. Então, ninguém pode se eximir dessa responsabilidade. Segurança é prioridade, e as câmeras são essenciais.