Valor econômico, v. 18, n. 4453, 02/03/2018. Brasil, p. A4

 

PIB de 2017 sobe 1%, mas ritmo do consumo frustra no 4º tri

Sergio Lamucci 

Estevão Taiar 

Thaís Carrança 

Bruno Villas Bôas

02/03/2018

 

 

A economia brasileira avançou 1% no ano passado, deixando para trás uma recessão brutal, que fez o Produto Interno Bruto (PIB) cair quase 7% no acumulado de 2015 e 2016, depois de uma alta de apenas 0,5% em 2014. Pelo lado da oferta, o destaque em 2017 foi a agropecuária, com expansão de 13%, devido à safra agrícola recorde. A indústria ficou estável, depois de encolher por três anos seguidos, e os serviços avançaram 0,3%. Pelo lado da demanda, quem puxou o PIB na média do ano foi o consumo das famílias, com alta de 1%. O investimento ainda recuou, com queda de 1,8%, enquanto o consumo do governo caiu 0,6%.

No quarto trimestre, porém, o crescimento foi modesto, com alta de 0,1% sobre o terceiro, feito o ajuste sazonal, influenciado especialmente pelo fraco desempenho do consumo das famílias. O principal componente da demanda subiu somente 0,1% nessa base de comparação, depois de ter avançado 1,2% no segundo e 1,1% no terceiro. A média das projeções dos analistas ouvidos pelo Valor Data era de uma alta de 0,9% do consumo das famílias no quarto trimestre. Já o investimento teve um comportamento bastante positivo, com expansão de 2%, na terceira alta trimestral seguida.

A expectativa dominante é de que a retomada vai continuar neste ano, com o PIB devendo crescer perto de 3%, num cenário marcado por juros mais baixos, melhora do mercado de trabalho, inflação baixa, recuperação do crédito e redução do endividamento.

O consumo das famílias mostra correlação elevada com as vendas no varejo. No conceito ampliado, que reúne automóveis, autopeças e material de construção, as vendas no quarto trimestre haviam caído 0,5% em relação ao terceiro. No trimestre anterior, havia subido 0,6%.

O fraco aumento do consumo das famílias no quarto trimestre levanta algumas dúvidas sobre que o ritmo esse componente da demanda terá neste ano, embora fatores como os juros mais baixos e a recuperação do emprego devam favorecê-lo. A taxa de desocupação, porém, permanece elevada, e boa parte da criação de postos de trabalho ocorre no setor informal.

Parte da decepção com o consumo das famílias pode ser explicada pela base mais alta de comparação, devido ao desempenho melhor nos trimestres anteriores, segundo Rodolfo Margato, do Santander. "São fatores pontuais, oscilações", disse ele. "Apesar desse ruído, a tendência segue favorável." O banco estima alta de 4,5% para esse componente da demanda. Para o PIB, a expectativa é de crescimento de 3,2%.

Para Flavio Serrano, economista-sênior do Haitong, houve uma "acomodação" do consumo das famílias após o impulso da liberação de cerca de R$ 45 bilhões das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) no segundo trimestre, que produziram efeitos nesse período e também no trimestre seguinte. O Haitong projeta crescimento do PIB de 2,2% neste ano, com a demanda das famílias avançando algo como 2% a 2,5%.

O diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, destacou a diferença de desempenho do PIB nas duas metades do ano passado. No primeiro e no segundo trimestres, a economia avançou 1,3% e 0,6%, dando lugar a uma alta de 0,2% e 0,1% no terceiro e no quarto, sempre na comparação com os três meses anteriores, feito o ajuste sazonal.

Apesar dessas ponderações, Ramos enfatizou que a recessão ficou para trás. "O ciclo econômico atingiu um ponto de inflexão no primeiro trimestre de 2017, e nós esperamos que a recuperação cíclica em curso se fortaleça em 2018", disse ele, apontando cinco motivos para acreditar nesse cenário: a inflação baixa, que sustenta os salários reais, as condições de crédito menos duras, o avanço na redução do endividamento das famílias, uma gradativa recuperação do investimento privado e uma melhora da confiança de consumidores e empresários, com a criação de empregos formais. "Além do mais, a incerteza econômica, embora ainda considerável, está menor do que dos níveis elevados atingidos no fim de 2016." Para ele, a economia deve crescer 2,5% em 2018.

Outro ponto destacado por Ramos é que o setor externo tirou 0,35 ponto percentual do crescimento no quarto trimestre em relação ao terceiro. As exportações encolheram 0,9% em relação ao terceiro trimestre, enquanto as importações aumentaram 1,6%.

Nas contas do economista-sênior da LCA Consultores, Bráulio Borges, a agropecuária foi responsável por 0,74 ponto percentual da expansão de 1% registrada pela economia em 2017. Em relatório, Borges ressaltou também o desempenho setorial bastante heterogêneo da economia em 2017, "embora o PIB tenha voltado a crescer em termos agregados". Segundo ele, é algo natural na saída de recessões muito severas, já que alguns setores, como bens duráveis e bens de capital, costumam sofrer mais do que outros". Ao falar de 2017, o economista afirmou que houve desde a alta de 13% do PIB agropecuário, até uma retração de 5% da construção civil.

Para 2018, a expectativa é de uma expansão menos heterogênea, segundo Borges. Isso deverá ajudar a arrecadação de tributos, uma vez que a agropecuária tem "uma carga tributária indireta efetiva significativamente mais baixa do que a indústria e os serviços", disse o economista. A LCA, que projeta crescimento do PIB de 2,8% em 2018, espera queda de 0,3% da agropecuária e uma alta de 4,1% da indústria e de 2,5% dos serviços.

O resultado do PIB de 2017 deixou uma herança estatística modesta para 2018, de 0,3%. Isso significa que, se a economia não avançar em relação ao nível do fim do ano passado, o PIB crescerá 0,3% neste ano.

O economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero, acredita num crescimento de 3% em 2018, o que requer uma avanço médio um pouco superior a 1% em cada trimestre, em termos dessazonalizados. Ele diz ver na composição da atividade fatores com bom dinamismo, como a indústria e o consumo, o mercado interno e o investimento, além de "estímulos contratados de juros, desendividamento de famílias, recomposição de renda, concessões, emprego e índices de confiança".

Na comparação com outros países, o crescimento do Brasil em 2017 ficou atrás do desempenho de muitas economias emergentes e também desenvolvidas. O PIB da China avançou 6,9%, o da Turquia, 6,8%, o da Rússia, 1,5%, o dos EUA, 2,3% e o do Japão, 1,6%. 

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Dado confirma recuperação cíclica, mas traz alguma incerteza

Silvia Matos

Julio Mereb

02/03/2018

 

 

O crescimento de 0,1% do PIB no quarto trimestre, abaixo das expectativas de mercado, esconde uma composição razoavelmente benigna. O investimento apresentou crescimento bastante expressivo, de 2%, contra o trimestre imediatamente anterior, em sequência ao resultado também robusto do terceiro trimestre, de 1,8%.

Do lado da oferta, a indústria e os serviços seguem em recuperação, com destaque para a indústria de transformação e os serviços de transporte. A agropecuária, finalmente, que ao longo do ano passado contribuiu com 0,6 ponto para o crescimento de 1,1% do PIB, apresentou estabilidade, já antecipando desempenho bem menos exuberante em 2018 do que no ano passado.

O destaque negativo ficou com o consumo das famílias, que cresceu apenas 0,1%, após alta de cerca de 1% nos dois trimestres anteriores. Para 2018, fica a incerteza acerca da real contribuição dos recursos do FGTS para o bom desempenho do consumo em meados do ano passado. O carregamento estatístico do PIB legado para este ano é também bastante baixo, de apenas 0,3%.

Ainda assim, esperamos que o PIB cresça 2,8% em 2018, puxado principalmente pela continuidade da retomada da atividade industrial, que deve crescer 3,9% este ano com desempenho particularmente positivo da indústria de transformação. Isso, é claro, deve favorecer também uma recuperação mais animadora do investimento, cujo desempenho, no entanto, deverá ser contido pela retomada provavelmente mais gradual da construção civil.

Os serviços devem crescer 2,3%, influenciados pela recuperação das atividades de transportes, bastante beneficiadas pela retomada da indústria. Os outros serviços, por outro lado, apesar da surpresa negativa observada, também devem reagir à retomada do mercado de trabalho. No lado da demanda, acreditamos que fatores estruturais mais favoráveis, como a recuperação do crédito para pessoa física e do emprego, combinados com menor peso das dívidas no balanço das famílias em um contexto de inflação ainda baixa, deverão predominar na evolução futura do consumo das famílias.

Se, do ponto de vista doméstico, as grandes incertezas legadas para este ano são o desempenho futuro do consumo e o desfecho da disputa eleitoral mais à frente, no ambiente externo, algumas mudanças no cenário até então atipicamente benigno começam a emergir.

O cenário de aceleração do crescimento nas principais economias do mundo e de moderada aceleração da inflação global manteve-se em curso nos últimos meses, reforçando a expectativa de normalização das condições monetárias tanto na Europa como, principalmente, nos EUA. Nesse último caso, impulsionada também pelo pacote tributário do governo Trump, lançado em um momento em que o mercado de trabalho encontra-se próximo ao pleno emprego e a capacidade ociosa da economia praticamente suprimida.

Esse ambiente deve traduzir-se em elevações mais consistentes das taxas de juros internacionais, o que, por sua vez, deverá ter reflexos na condução da política monetária e na curva de juros aqui no Brasil. Não há muitas dúvidas de que o cenário de liquidez global abundante deve permanecer ainda por um bom tempo, mas agora sujeito à maior volatilidade nos mercados internacionais.

Enquanto isso, a recuperação cíclica da economia prossegue em curso, ao mesmo tempo em que os mercados locais continuam anestesiados pelo fluxo de notícias positivas do ponto de vista da inflação e da atividade econômica, bem como pela expectativa de que o próximo ocupante da Presidência da República terá de inevitavelmente lidar com a agenda de reformas fiscais de que o país necessita.

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Expansão de 2017 deixa uma 'herança' de 0,3 ponto percentual para este ano

Edna Simão

Fabio Graner

Fábio Pupo

02/03/2018

 

 

A equipe econômica acredita que os dados do Produto Interno Bruto (PIB) mostram a atividade do país crescendo um ritmo de 2% ao ano atualmente e que fatores como a expansão do crédito, a inflação sob controle e a melhora da renda permitirão um avanço de 3% ao fim do ano. O otimismo é ressaltado mesmo diante do fato de que o crescimento de 2017 vai transferir pouco de seus números (pelo chamado "carry over") para o crescimento de 2018.

O carregamento estatístico do PIB de 2017 para 2018 foi de apenas 0,3 ponto porcentual, segundo cálculos feitos na área econômica do governo. Isso significa que se não crescesse mais nada neste ano, o PIB registraria mesmo assim expansão de 0,3% em 2018.

O valor é baixo, mas vale ressalta que de 2016 para 2017 esse efeito estatístico "roubou" 1,1% do PIB do ano passado. O fraco "carry over" herdado de 2017 reflete a desaceleração da economia no quarto trimestre, ante o terceiro. Com crescimento de apenas 0,1% na margem, isso afetou esse impacto.

Apesar do desempenho abaixo das expectativas do PIB no quarto trimestre, uma fonte do governo defende, contudo, que se olhe para o desempenho do quarto trimestre comparando-se com igual período de 2016, que apontou crescimento de 2,1%. Para esse interlocutor, esse é o termômetro mais adequado para o momento, que mostraria uma economia em ritmo bom e em aceleração.

Além disso, esse interlocutor destaca que a alta de 2% dos investimentos na margem é um dado muito positivo que não deve ser menosprezado, pois sinaliza uma maior confiança na economia brasileira. O que de fato pegou de surpresa a área econômica foi o desempenho fraco do consumo das famílias e do varejo no quarto trimestre, bem abaixo do esperado.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, atribuiu, sem grandes explicações, a questões estatísticas envolvendo a Black Friday (promoção do comércio em novembro) e também a antecipação de consumo em trimestres anteriores derivada do FGTS. Mas os próprios técnicos tinham dificuldade de entender o dado.

O ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, ressaltou que o resultado do PIB em 2017 inaugura um novo ciclo de crescimento com continuidade neste ano. "O quarto trimestre apresentou avanço de 2,1% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior. Ou seja, neste momento já estamos crescendo a um ritmo de 2% ao ano", afirma.

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Resultado contraria projeção mais otimista da Fazenda

Fabio Graner 

02/03/2018

 

 

O resultado do PIB no quarto trimestre ficou bem abaixo do ritmo que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, vinha apontando em seus discursos ao longo do ano passado. Em boa parte de 2017, ele vinha dizendo que a atividade encerraria o ano a um ritmo bem próximo de 3%, mas sob nenhuma métrica o desempenho do quarto trimestre chegou perto disso.

Na comparação com o terceiro trimestre, o resultado foi apenas 0,1%, o que dá menos que 0,5% em termos anualizados. Em relação a igual período de 2016, o desempenho foi melhor, com alta de 2,1%, mas ainda longe do projetado.

Confrontado com essa situação na entrevista coletiva, o ministro fez ginástica retórica e alegou que o desempenho interanual estava próximo do projetado e que diferenças seriam naturais pela dificuldade de se projetar resultados trimestrais.

Dentro do script de sinalizar otimismo, Meirelles ressaltou o resultado de 1% no ano como um todo e destacou que isso sustenta e reforça a projeção de 3% para 2018.

Com juros na mínima histórica, o mundo vivendo ainda momentos de calmaria e nenhum evento de estresse mais pronunciado no campo político, de fato não é uma projeção irrealista. Mas o desempenho do quarto trimestre somado ao dado mais negativo do emprego em janeiro colocam alguma interrogação no radar.

Depois de quase 8% de perda do PIB em dois anos e uma enorme ociosidade produtiva, fica mais difícil tratar como um grande feito um ritmo de 3% de crescimento para o Brasil, ainda muito aquém do necessário para recuperar os empregos destruídos na recessão. A comemoração também fica mais difícil quando se olha o dado per capita, que se expandiu parcos 0,2%. O ministro defendeu que esse indicador vai melhorar em 2018.

Um ponto em que a comemoração do governo tem respaldo mais firme é de fato o dos investimentos. A alta de 2% do indicador no quarto trimestre (mais de 8% anualizado) é relevante e não pode ser ignorada. Mas ainda é preciso saber se é soluço ou início de tendência.

Uma fonte da área econômica destaca que o desempenho investimentos sinaliza uma maior confiança na economia. Esse interlocutor comenta que o ano teve diferentes fases, iniciando puxado pela agricultura, depois estimulado pelo consumo e terminando com a indústria e o investimento liderando. "O investimento é a grande notícia", destaca a fonte.

O que pegou de surpresa a área econômica foi o fraco desempenho do consumo das famílias e do varejo no quarto trimestre. Meirelles tentou justificar com hipóteses de problemas na dessazonalização da Black Friday e possível antecipação de consumo, mas a verdade é que o governo teve dificuldade de entender o que ocorreu, apesar de acreditar que foi pontual.