Valor econômico, v. 18, n. 4473, 30/03/2018. Política, p. A7

 

Governo deve ter candidato, mesmo se Temer desistir

Raymundo Costa

30/03/2018

 

 

Temer: aprofundamento de investigações compromete estratégia para reeleição e pode inviabilizar candidatura

A prisão de amigos e auxiliares próximos do presidente Michel Temer atingiu em cheio o MDB, no momento em o partido disputa com o PSDB a composição de uma ampla coligação presidencial para a eleição presidencial de outubro. O Palácio do Planalto avalia que Temer escapa de uma eventual terceira denúncia do Ministério Público Federal, mas a "Operação Skala" pode ter comprometido o projeto da reeleição presidencial.

Na avaliação do núcleo político do governo, a candidatura de Temer é a que daria mais segurança ao programa do governo. Mas se ele ficar inviabilizado, há opções na base aliada e o governo, de qualquer forma, terá um candidato. O governo conduz a reforma ministerial de modo a atrair para o projeto da reeleição os principais partidos da base aliada do governo, todos também cobiçados pelo PSDB.

O presidente já confirmou para o PP o Ministério da Saúde, o maior Orçamento da Esplanada dos Ministérios, depois da Previdência. O PR manterá o Ministério dos Transportes. E nesta semana Gilberto Kassab (Ciência e Tecnologia) decide se fica no ministério ou sai para ser candidato a vice-governador de São Paulo na chapa encabeçada pelo prefeito João Doria (PSDB).

O governo briga por Kassab. Se o ministro ficar é sinal de que a aliança com o PSDB em São Paulo tem problemas. O mais provável é sair, e deixar no lugar o secretário-executivo, acertar a negociação para o governo de São Paulo e definir em maio o rumo do PSD na sucessão. Em princípio o DEM está com o PSDB em São Paulo, mas por outro lado tem candidato próprio à Presidência, o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara. É outra sigla que somente deve se definir em maio.

Maio, aliás, é o prazo que o presidente Temer tem em mente desde início do ano para uma decisão. O projeto Temer 2018 foi acelerado em fevereiro, com os primeiros sinais de recuperação do presidente nas pesquisas. De acordo com a avaliação palaciana, o núcleo duro do PT tem algo em torno de 19% das intenções de voto e deve colocar um candidato no segundo turno. Temer, Alckmin, Jair Bolsonaro e Maia disputam na centro-direita quem vai enfrentar o lulismo. Se esse nome tiver a retaguarda do governo pode inclusive acabar com o favoritismo atual de Jair Bolsonaro (PSL).

Com a máquina governamental em mãos, Temer acha que pode ser esse nome. Segundo as pesquisas em poder do Planalto, o presidente recuperou mais dois pontos de popularidade, mas isso não seria o mais importante. O que importa é se qualificar como o candidato que vai receber os votos do antilulismo.

Para isso o presidente precisará de um bom tempo de rádio e televisão no horário eleitoral gratuito, que será maior ou menor dependendo dos partidos que o candidato conseguir atrair para sua coligação. Tempo é importante porque a ideia é que um locutor use parte dele para defender o presidente das denúncias. A outra parte seria conduzida pelo próprio Temer dizendo o que fez para tirar o país da crise e o que pretende fazer para a retomada do crescimento.

Nesse sentido é que a "Operação Skala" atrapalha os planos de Temer, num momento decisivo. O Planalto ajuda na disseminação de notícias de que o PJ (Partido da Justiça) é que parece não querer que a crise seja resolvida nas ruas, pelas urnas. "Primeiro tiraram Lula, agora querem tirar o presidente", diz um aliado.

O presidente tem força para driblar a terceira denúncia. Se a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, assinar uma nova representação, Temer precisará de apenas 171 votos na Câmara dos Deputados para escapar de ser processado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ele escapou da primeira denúncia com o apoio de 263 deputados. Da segunda vez, os votos favoráveis diminuíram, mas chegaram aos 251 suficientes para salvar o mandato do presidente. Além de não ser difícil para Temer conseguir esses 171 votos, o presidente no momento conta com o desinteresse geral do Congresso para mudar a Presidência, a seis meses da eleição.

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Atuação de Raquel Dodge surpreende Planalto

Cristiane Bonfanti

André Guiherme Vieira

02/04/2018

 

 

A deflagração da Operação Skala, que prendeu de maneira provisória na quinta-feira dois amigos do presidente Michel Temer- o advogado José Yunes e o coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo, João Batista Lima, fez com que o governo federal reagisse à hipótese da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, apresentar denúncia contra o presidente no inquérito sobre irregularidades no decreto dos portos, assinado em 2017.

Yunes e Lima, além do ex-ministro da Agricultura e ex-presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo, Wagner Rossi e os empresários Antonio Grecco (Rodrimar) e Celina Torrealba (grupo Libra) foram libertados no sábado, a pedido da própria procuradora-geral, mas o Planalto continua centrando críticas na PGR.

Temer é alvo do inquérito dos portos porque supostamente teria editado o decreto de modificação das regras do setor portuário em troca de benesses. Em seu depoimento à PF na sexta-feira, Grecco disse que tinha interesse no adensamento de uma área no porto de Santos, que chegou a tratar do tema com Temer, mas que não obteve benefícios. O grupo Libra é suspeito de ter conseguido prorrogar sua concessão mesmo devendo para o governo. A empresa disse em nota que na realidade seria credora da União.

Em postagem em seu perfil no Facebook ontem, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, disse que Dodge sofreria uma tentativa de condicionamento pelo seu antecessor, Rodrigo Janot. Marun afirmou que Janot teve a proteção de Dodge para conseguir fugir do depoimento à CPI da JBS. "Janot quer continuar seu trabalho de fazer da PGR um partido político, um instrumento para tirar o presidente das eleições", completou.

Dodge assumiu o cargo em setembro de 2017, e em seus primeiros meses era considerada próxima do clã Sarney e de parte do MDB. Na época, pesavam sobre Dodge dúvidas decorrentes do fato de ela não ter sido o nome mais votado na eleição por lista tríplice da PGR. Foi a segunda colocada, atrás do então vice-procurador-geral eleitoral Nicolao Dino, que era o candidato de Janot.

A impressão se desfez no mês seguinte, quando Dodge solicitou ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luis Roberto Barroso, o interrogatório de Temer na investigação sobre o decreto.Em fevereiro, Dodge obteve no Supremo a quebra de sigilos de pessoas investigadas no caso e prorrogou por mais 60 dias o prazo para diligências.

Em despacho ontem, Barroso determinou que os três sócios do Grupo Libra que estão no exterior se apresentem para prestar depoimento assim que chegarem ao Brasil. O ministro do STF avisou que consultará Dodge sobre a necessidade ou não de prisão temporária.