O Estado de São Paulo, n. 45766, 05/02/2019. Política, p. A8

 

O governo começou

Eliane Cantanhêde 

05/02/2019

 

 

O governo começou de fato ontem, com a abertura oficial do Ano Legislativo, o anúncio do pacote antiviolência e anticorrupção e a divulgação pelo Estado da minuta da reforma da Previdência. Foi o melhor e mais produtivo dia da Presidência de Jair Bolsonaro desde a posse.

Na mensagem presidencial lida no plenário da Câmara, ele lançou a “guerra ao crime organizado”, o que soa como música aos ouvidos da população, estarrecida e amedrontada com a violência. Resta saber se a guerra contra a corrupção será tão musical para senadores e deputados, que terão de votar as medidas do ministro Sérgio Moro.

Estrategicamente, Moro detalhou seu pacote primeiro para governadores e falou várias vezes nos “anseios da sociedade”. Tanto um empurrão de governadores quanto a pressão popular costumam ser tiro e queda para a aprovação de projetos no Congresso.

O pacote de Moro contém medidas que podem até não agradar aos eleitos, mas certamente agradam aos eleitores. Exemplo: a ratificação da prisão de condenados em segunda instância, em sintonia com o entendimento do Supremo. O pacote prevê até um desestímulo a recursos, inclusive ao próprio STF, ao formalizar que a presunção de inocência não é suficiente para evitar, ou suspender, a prisão nesse caso.

Também pode assustar os congressistas, mas recebe aplausos da sociedade, o endurecimento das regras: o confisco de bens que ultrapassem valores obtidos com rendimentos comprovadamente lícitos; regime fechado desde o início da pena por corrupção e peculato; presídio de segurança máxima para condenados por organização criminosa que forem pegos com armas.

Nos casos de prisão em segunda instância, mais rigor no confisco de bens e obstáculos para regime aberto e semiaberto para corrupto, assim como a criminalização do caixa 2, haverá resistências no Congresso, mas a pressão virá de fora para dentro, da opinião pública para os plenários. A previsão é de uma divisão entre novos e antigos parlamentares, muitos de barbas de molho e já refratários desde as frustradas 10 Medidas Contra a Corrupção.

Mais complicado, exigindo um sério debate com especialistas, é a tentativa de redução ou até mesmo isenção de pena para policial que cometer assassinato. Militares, policiais e a família Bolsonaro são entusiastas dessa medida, mas não se pode dizer o mesmo de entidades de direitos humanos. Preventivamente, Moro avisa que “não existe licença para matar”, mas é justamente isso que essas entidades acusam.

Na economia, outra área vital para o governo Bolsonaro – e para o País – houve dois movimentos para esquentar os debates sobre a reformada Previdência. Um foi a publicação da minuta que prevê idade igual para homens e mulheres – 65 anos – e 40 anos de contribuição para a aposentadoria integral.

O outro movimento foi o compromisso dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, com a agenda do governo, particularmente na questão da Previdência. Para Maia, a aprovação da reforma é fundamental até como “indicador de que há condições para aprovar outras medidas para o desenvolvimento do País”. Alcolumbre defendeu os “ajustes prementes e necessários” e avisou que “não há como evitar a avaliação de reformas sensíveis e a primeira delas é a reforma da Previdência”.

Uma segunda-feira, portanto, muito produtiva, com o governo saindo do papel, as propostas se materializando, o Congresso se posicionando e a sociedade tendo, enfim, dados concretos para debater. Pena que, internado, Bolsonaro não tenha podido participar e comemorar diretamente. Ele voltou para o semi-intensivo e não vai mais ter alta amanhã. Não é bom para ele nem para o governo nessa hora vital.

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Projeto de Lei Anticrime: um primeiro passo

Herman Benjamin 

05/02/2019

 

 

O Brasil atualmente enfrenta várias crises simultâneas. Nenhuma delas afeta mais o pobre e compromete o futuro do País do que a da insegurança e a da corrupção. É o operário que tem sua marmita tomada à mão armada. É o aluno de escola pública de periferia assassinado a troco de um tênis. É a mãe diarista que sai de casa sem saber se voltará para sua família. É a corrupção que saqueia os cofres públicos e nega a todos os imprescindíveis investimentos em saúde, em educação, em transporte e também na própria segurança pública.

Como havia prometido, o ministro Sérgio Moro apresentou proposta de reforma pontual do nosso modelo penal e processual penal: o “Projeto de Lei Anticrime”. O texto, por óbvio, não se propõe, nem deve ser assim lido, como chave mágica para resolver em definitivo o drama da segurança pública e do combate à corrupção. Seus objetivos parecem mais modestos, ou seja, fechar algumas das janelas legais que garantem a impunidade de criminosos, tanto os que matam e roubam, como os que dilapidam o patrimônio nacional.

O conteúdo do projeto é, no geral, inovador e necessário. Mas também corajoso, por não se limitar a apresentar diagnósticos. Faz, ao contrário, claras opções legislativas e de política criminal. Certamente, como todo projeto de lei, será aperfeiçoado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

Algumas das mais importantes alterações visam impedir que, pela procrastinação do processo, a sanção penal deixe de ser aplicada, vire uma quimera, inclusive pela prescrição. O criminoso, sobretudo o do colarinhobranco, conta com a desconexão entre o “tempo da vida” e o “tempo do processo penal”. É comum que a justiça para as vítimas e para a sociedade nunca chegue, não por falta de provas dos graves crimes cometidos, mas por emperramento das instituições judiciais, incapazes de resistir a manobras processuais de todo o tipo. Uma verdadeira perversão das finalidades do processo penal, que se transmuda em instrumento de negativa de justiça.

Não é à toa, pois, que o texto traz alterações no regime da prescrição. Aqui, a maior novidade é o dispositivo que impede o curso do prazo prescricional na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, estes quando inadmissíveis. A prática judicial comprova o uso e abuso de embargos de declaração e recursos aos Tribunais Superiores absolutamente incabíveis e protelatórios, objetivando apenas viabilizar, adiante, a prescrição. Ora, sabe-se que não há justiça quando a sanção, caso escape da prescrição, vem efetivada anos depois do crime, tendo o criminoso permanecido por décadas inserido na sociedade e no meio das suas próprias vítimas, o que gera inevitável e perniciosa sensação de impunidade.

Outra importante inovação do projeto é a possibilidade do acordo de não persecução penal, medida de crescente uso em todo o mundo, em países democráticos que influenciaram, e influenciam, a formação do Direito brasileiro. A proposta, contudo, vai além da “plea bargain”, preocupando-se em corrigir distorções, contribuindo para a efetividade e a concretização da justiça criminal.

Em vários pontos, o projeto apenas incorpora o que a jurisprudência dos Tribunais Superiores já vem admitindo. É o caso, por exemplo, da execução da pena privativa de liberdade depois da condenação em segunda instância. Não que a previsão legal expressa seja desimportante. Ao contrário, mostra-se fundamental para ampliar a segurança jurídica.

Destacam-se alterações no rito do Tribunal do Júri. São incontáveis os casos de homicídios dolosos nos quais a condenação ocorre décadas depois do crime, abrindo espaço para a prescrição e para o sentimento social de impunidade. Significativa parcela dessa anomalia tem como causa os recursos contra a sentença de pronúncia, que antecede o julgamento em plenário. O texto apresentado prevê que as impugnações à pronúncia não mais suspendam o julgamento. Com isso, o processo poderá ser levado a plenário mesmo que o recurso permaneça tramitando por anos.

Há também no projeto medidas que cuidam do endurecimento das penas. Aqui, a maior novidade é o estabelecimento do regime inicial de cumprimento fechado para o réu reincidente. Pela lei atual, o reincidente tem direito a iniciar a execução penal em regime semiaberto, desde que a condenação seja inferior a quatro anos.

Ainda na fixação do regime de cumprimento da pena, a proposição torna obrigatória, como regra geral, a imposição do regime inicial fechado aos condenados por peculato, corrupção ativa e passiva e por roubo qualificado. Os “crimes do colarinho-branco” sempre foram tratados com certa benevolência – por distorção cultural, mas também legal e jurisprudencial –, vistos com carga de lesividade menor do que os crimes de sangue ou de violência e, por isso mesmo, suavemente punidos. A proposição, corretamente, agrava a situação do infrator nesses tipos penais e dá resposta mais adequada a tal comportamento extremamente nefasto.

O projeto avança no aprimoramento e modernização do ordenamento jurídico penal e processual penal brasileiro. Chega em boa hora. A Nação passa por momento de depuração ética e exige o enfrentamento da criminalidade, tanto a violenta, como a organizada de qualquer natureza, inclusive a mais organizada de todas – a corrupção. Tal sentimento popular legítimo, que nada apresenta de anticivilizatório, devese refletir nas leis que regem a sociedade. Claro, sempre de maneira a evitar radicalismos e retrocessos, com os olhos bem atentos às garantias fundamentais, conquista inalienável de gerações da qual não se deve, nem se precisa, abrir mão no combate ao crime violento e à corrupção.

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Após disputa no Senado, Onyx faz ascenos a MDB 

Vera Rosa 

05/02/2019

 

 

DIDA SAMPAIO / ESTADAO

 

Congresso. Onyx cumprimenta Alcolumbre em sessão ontem; sentados, Toffoli, Rodrigo Maia e o vice Hamilton Mourão

Articulador político do Palácio do Planalto, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, vestiu o figurino “paz e amor” e disse ontem que não vai brigar com o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Após participar de cerimônia na Câmara para entregar a mensagem do presidente Jair Bolsonaro ao Congresso, na reabertura dos trabalhos do Legislativo, Onyx afirmou que Renan o chamou para o confronto porque queria transformar o Senado em uma “cidadela de resistência do PT”.

Mesmo com a disputa acirrada, que no sábado terminou com a derrota de Renan para Davi Alcolumbre (DEM-AP), novo presidente do Senado, o Palácio do Planalto precisa do apoio do MDB no Congresso e não quer que o episódio prejudique o relacionamento com o partido. Com 13 senadores, a sigla tem a maior bancada na Casa.

“O MDB é importante para o Brasil há muitas décadas e é evidente que vamos buscar o diálogo”, disse Onyx. No Planalto, a palavra de ordem é “não queimar pontes” com o MDB. O governo vai investir no racha da bancada – já que uma parte não endossou a candidatura de Renan – para conquistar adesões a propostas consideradas prioritárias, como a reforma da Previdência.

Na prática, a eleição de Alcolumbre, após uma sessão marcada por bate-boca e até denúncia de fraude, representou a vitória do governo de Jair Bolsonaro e, principalmente, de Onyx, que foi avalista do senador do DEM.

“Davi Alcolumbre é o Jair do Senado. Era improvável e acabou vencedor”, comparou o ministro. “Havia um projeto que dominava o Congresso há 24 anos (...) de transformar o Senado em uma cidadela de resistência do PT, aliada ao Golias que o Davi derrubou. Era uma cidadela para impedir que a voz das ruas chegasse ao Congresso”, emendou ele.

Nos bastidores do Congresso, não há dúvidas de que Renan será agora o líder da oposição ao Planalto. Apesar desse receio, porém, interlocutores de Bolsonaro avaliam que o fato de o senador ser pai do governador de Alagoas, Renan Filho, pode acabar diminuindo sua revolta, já que os Estados sempre precisam de recursos da União.

Questionado pelo Estado sobre uma das últimas frases do senador após a queda de braço com Alcolumbre – “Você pode até tirar o velho Renan de cena, mas nunca matálo” –, Onyx preferiu não esticar a disputa. “Ele tentou me chamar para a briga, mas demos a resposta na urna. Eu estou na paz”, disse o ministro.