Valor econômico, v. 18, n. 4469, 24/03/2018. Política, p. A5
TCU vai 'segurar' decisão sobre decreto dos portos
Murillo Camarotto
24/03/2018
O Tribunal de Contas da União (TCU) pretende aguardar o desfecho do inquérito que investiga a relação entre o presidente Michel Temer e os terminais portuários para se manifestar sobre a legalidade do decreto que alterou as regras do setor. Até lá, várias empresas ficarão impedidas de ajustar seus contratos à nova legislação e, consequentemente, de tirar do papel investimentos estimados em R$ 13 bilhões.
A justificativa é a preocupação do TCU em não contaminar o ambiente político, sobretudo diante das crescentes especulações sobre uma suposta nova denúncia contra o presidente da República. Temer é suspeito de ter atuado para beneficiar empresas do setor com a elaboração do decreto 9.048/17, publicado em 10 de maio do ano passado.
Uma semana depois, veio a público o conteúdo da delação premiada do grupo J&F, que entre outras coisas acusou Temer e seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures de receberem propina para beneficiar a empresa Rodrimar, que opera no Porto de Santos.
O decreto abriu um prazo de 180 dias para que as empresas interessadas em aderir às mudanças se manifestassem. Em seguida, os contratos seriam alterados para que ficassem alinhados às novas regras. O Planalto chegou a agendar a assinatura dos primeiros aditivos, como foi batizada essa nova versão do contrato.
No dia 30 de novembro, entretanto, a área do TCU responsável pelo setor portuário solicitou ao ministro Bruno Dantas - relator dos processos dessa área - que expedisse uma cautelar proibindo a assinatura dos aditivos, sob o argumento de que as mudanças propostas pelo decreto tinham indícios de ilegalidade.
Dantas informou o ocorrido ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, e conseguiu um acordo. O governo só assinaria os novos contratos depois que o plenário do TCU se manifestasse de forma definitiva sobre o caso. Por essa razão, não foi necessária a medida cautelar.
Desde então, a área técnica do TCU solicitou mais informações ao Ministério dos Transportes e à Casa Civil para elaborar um parecer final sobre o decreto. As associações representativas dos terminais, por sua vez, reforçaram o lobby político em Brasília na tentativa de destravar o processo.
Nesse meio tempo, o Ministério Público Federal (MPF) também entrou em cena. O procurador José Elaeres Marques Teixeira, da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão, solicitou acesso aos autos do TCU. A expectativa é a de que o MPF proponha alguma ação relacionada ao caso, mas o órgão não comentou.
No TCU, entretanto, ainda não há nenhuma perspectiva para que o assunto seja debatido em plenário - e nem pressa para que isso ocorra. A avaliação é a de que, positiva ou negativa para Temer, qualquer manifestação em meio à crise atual causaria grande alvoroço.
Há ministros que acreditam, inclusive, que o governo e o setor portuário podem estar com a razão no debate. "Temo que o Supremo [Tribunal Federal] pode vir a puxar nossa orelha no futuro; questionar esse controle de constitucionalidade pelo TCU", disse um ministro que pediu para não ter o nome publicado.
As três principais inovações trazidas pelo decreto, que vão possibilitar a esmagadora maioria dos novos investimentos, são justamente as que foram questionadas pelos técnicos do TCU.
A primeira trata da possibilidade de sucessivas prorrogações dos contratos, limitadas a um teto de 70 anos. As outras cuidam da autorização para que os terminais mudem de "endereço" dentro do mesmo porto e possam investir em áreas que não sejam exatamente aquelas que estão no contrato de concessão.
As empresas e o governo defendem com veemência as mudanças, vistas como modernizadoras e uma alavanca para investimentos e ganhos de produtividade no setor. O TCU vê, em análise preliminar, prejuízos à legislação e à livre concorrência.
Ironicamente, muitas das empresas que hoje cobram agilidade do TCU se beneficiaram da lentidão do órgão na análise do programa de concessões de terminais entregue ao órgão em outubro de 2013 pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff.
O processo só foi votado em maio de 2015 após muitas críticas externas e incontáveis pedidos de vista. "Está ficando ruim para o tribunal", alertou o ministro José Múcio Monteiro na penúltima sessão antes da decisão do caso. "Daqui a pouco os estudos terão que considerar o risco da demora do TCU", ironizou o ministro Benjamin Zymler.
Durante os quase dois anos de tramitação, foi intenso o lobby político no tribunal. Segundo o Valor apurou, integrantes do MDB como o ex-deputado Eduardo Cunha e o ex-presidente José Sarney, além de Rocha Loures, fizeram chegar aos ministros os seus interesse na matéria. Todos os citados negaram qualquer envolvimento no caso.
Desde aquela época, Rocha Loures já atuava para mudar as regras e permitir que terminais que assinaram contratos antes de 1993 pudessem prorrogar seus arrendamentos. Assim como aconteceu com o decreto, entretanto, o ex-assessor de Temer não conseguiu sucesso no TCU.
Nas discussões de 2015, o atual presidente do tribunal, Raimundo Carreiro, tentou incluir no acórdão uma recomendação para que o governo e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários considerassem a hipótese de oferecer a prorrogação para os contratos pré-93 cujas licitações apresentassem uma relação custo-benefício "desvantajosa".
A proposta recebeu o apoio do ministro Aroldo Cedraz, mas sofreu forte resistência de outros ministros e acabou engavetada. Ainda assim, há certo consenso de que a grande demora na apreciação da matéria beneficiou os terminais que não querem ver suas áreas irem a leilão. Para esses, prevaleceu por muito tempo uma máxima hoje consagrada: "Tem que manter isso aí, viu?".
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Eldorado tentou incorporar áreas da Rodrimar em 2014
Fernanda Pires
24/03/2018
Envolvida em operações que investigam corrupção, a produtora de celulose Eldorado, da J&F Investimentos, tentou em 2014 incorporar áreas da Rodrimar prestes a vencer para fazer um terminal no porto de Santos. Para tanto, as empresas contaram com a ajuda de interlocutores com influência no governo, entre eles o então chefe de gabinete do vice-presidente Michel Temer, Rodrigo Rocha Loures, apurou o Valor. O decreto 8.033, de 2013, que regulamentou a Lei dos Portos, restringia a possibilidade de ampliação de áreas sem prévia licitação - o que foi flexibilizado pelo decreto 9.048, de 2017, o chamado Decreto dos Portos, alvo de um inquérito envolvendo o presidente Temer e a Rodrimar.
A empreitada acabou vetada pelo governo de Dilma Rousseff, cujo plano para portos envolvia a relicitação de contratos vencidos ou prestes a vencer - caso da Rodrimar.
A história começa após a Rodrimar concluir a venda, em 2013, de um contrato de arrendamento em Santos para a Eldorado. Trata-se de um armazém considerado pequeno, com pouco mais de 11 mil m2, sem acesso direto ao cais e com prazo de vencimento em 2029.
Entre as várias áreas que a Rodrimar explora em Santos, duas delas (armazéns III e VIII) ficam em frente à Eldorado e mais próximas do cais. Esses armazéns são objeto de um contrato de arrendamento com vencimento em 2014.
Havia um compromisso entre as empresas pelo qual a Eldorado compraria o arrendamento da Rodrimar caso conseguisse a unificação dos contratos, ampliando a área inicial. A estratégia era, com isso, fazer um terminal único, com escala de movimentação significativa, e jogar o término das três áreas unificadas para 2029, mesmo prazo do armazém explorado pela empresa controlada pela J&F, dos irmãos Batista.
"Era o rabo abanando o cachorro", diz uma fonte que acompanhou o caso à época, numa alusão de que era uma manobra difícil de se concretizar. Os dois lotes da Rodrimar somam pouco mais de 18 mil m2, maiores, portanto, do que a área da Eldorado, mas o que as empresas queriam era que o prazo do contrato unificado fosse o da área menor, da empresa da J&F.
Além disso, o objeto do contrato da Rodrimar era a movimentação de fertilizantes enquanto o da Eldorado era de carga geral. A diferença das cargas poderia caracterizar mudança do objeto licitado e colocar o arrendamento sob suspeição.
Mesmo assim, houve um périplo no governo para apresentação do projeto. O então diretor de relações institucionais da Rodrimar, Ricardo Mesquita (hoje afastado da empresa), Rocha Loures e Joesley Batista encabeçaram o pleito de unificação das áreas.
Fontes que estavam no governo na época afirmam que, apesar de o projeto ser bom operacionalmente, de forma nenhuma a transação poderia ser feita. A Rodrimar e a Codesp (estatal que administra o porto de Santos) já tinham sido alvo do Tribunal de Contas da União (TCU) em 2011 devido à anexação de uma área da empresa Citrovita a um outro contrato da Rodrimar, no cais do Saboó, unificação que adiou o fim da exploração de 2011 para 2013.
A defesa de Rocha Loures afirmou que o pedido não foi aprovado. Procuradas, a Rodrimar, a Eldorado e a J&F preferiram não comentar o assunto.
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Operadores querem assinar logo os aditivos
Daniel Rittner
24/03/2018
Os operadores portuários querem assinar logo os aditivos contratuais autorizados pelo decreto dos portos (9.048/17). A ideia levantada pelas empresas do setor com o Ministério dos Transportes é fazer a adaptação dos contratos com "cláusulas condicionantes" sobre a vigência dos artigos que foram objeto de medida cautelar do Tribunal de Contas da União (TCU), segundo apurou o Valor.
Dessa forma, os empresários pretendem ter os aditivos já firmados e ficarem menos sujeitos a uma decisão contrária do tribunal. Por enquanto, o órgão de controle tem dúvidas sobre três pontos do decreto: a possibilidade de extensão dos contratos para até 70 anos, a legalidade de investimentos fora da área arrendada e eventuais mudanças da área explorada. No entendimento jurídico dos donos de terminais, o TCU não impediria exatamente a assinatura dos aditivos, mas apenas a validade desses três pontos.
Sem comentar especificamente sobre essa possibilidade, o presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), José Di Bella Filho, afirma que o tribunal de contas não apontou "ilegalidade" no decreto dos portos. O que houve, ressalta Di Bella, foi uma indicação de três itens para análise com maior cuidado.
Para ele, só não se pode fazer uma leitura político-policial de um ato normativo que serve para destravar investimentos bilionários em todo o setor. "Me causa estranheza o TCU vincular uma análise estritamente técnica a investigações que têm cunho político", disse o executivo, ao ser informado de que o órgão de controle só deve voltar ao assunto quando forem concluídas as investigações sobre a relação do presidente Michel Temer com os portos.
A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) verificou um crescimento de 8,3% da movimentação de cargas portuárias no ano passado. O volume de cargas por contêineres costuma ter uma elasticidade de 2,7 a 3 vezes a variação do PIB. Por isso, Di Bella acredita que haverá um aumento perto de 9% em 2018. Isso tudo mostra a necessidade de novos investimentos nos terminais para evitar que eles se convertam em gargalos logísticos.
"O decreto não é um fim em si mesmo para o setor portuário. O que queremos é um horizonte de longo prazo e de segurança jurídica. O decreto é apenas uma ferramenta para que isso ocorra", acrescenta o presidente da ABTP.
De acordo com ele, adiantando-se aos trabalhos de implementação efetiva do decreto, a diretoria da Antaq já discute com o setor mudanças em cinco resoluções da agência. Para as alterações, em todas, há a necessidade de audiências públicas.