O Estado de São Paulo, n. 45763, 02/02/2019. Política, p. A7
Após conflito, sessão no Senado é interrompida
02/02/2019
Grupo aliado de Davi Alcolumbre, ligado a Onyx, consegue aprovar voto aberto para escolha do presidente da Casa; Renan acusa governo de orientar manobra
Embate. Acompanhado por Katia Abreu, Renan Calheiros discute com Davi Alcolumbre (sentado) na sessão de ontem
Depois de cinco horas de tensão, trocas de insultos e esbarrões, o plenário do Senado suspendeu na noite de ontem a eleição para o comando da Casa, que está prevista para recomeçar às 11 horas de hoje. Foi uma vitória parcial do senador e candidato Davi Alcolumbre (DEM-AP), que, na presidência da sessão e apoiado pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, conseguiu tornar a votação aberta, contrariando o grupo do veterano senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Alcolumbre, no mandato há quatro anos, conseguiu a proeza de garantir 50 votos dos senadores para que a eleição deixasse de ser sigilosa. Foram apenas dois contra. O grupo de Renan, senador há 24 anos, combinou de não participar da votação para não legitimá-la. Com a vitória dos governistas pela votação aberta, a senadora Kátia Abreu (PDT-TO), aliada de Renan, surpreendeu os colegas ao tomar uma pasta de procedimentos de votação que estava na mesa e trocar pequenos esbarrões com Alcolumbre.
O senador Major Olímpio (PSL-SP) sugeriu que a Polícia Legislativa fosse convocada para recuperar os documentos. O petista Paulo Rocha (PA) saiu em defesa do emedebista ao acusar o senador do DEM de “usurpar” o poder.
Depois de tentar emplacar a imagem de um “novo” Renan para se contrapor ao desgaste de 14 inquéritos no Supremo Tribunal Federal, o senador alagoano disse que era o “cavalo do cão”, referência a um tipo de vespa cuja picada é considerada uma das mais doloridas entre insetos. Ele apelou ainda para a memória de Tancredo Neves ao lembrar do episódio em que o então deputado chamou de “canalha” o colega Auro de Moura Andrade por ter declarado vaga a Presidência da República a 2 de abril de 1964, tirando João Goulart do poder. “Canalha! Canalha!”, disse Renan, em direção à mesa do Senado, presidida por Alcolumbre.
Ele acusou Alcolumbre de “espancar” o Senado e “rasgar” a Constituição em parceria com Onyx, que promoveu, no início de forma solitária dentro do governo, a candidatura do senador do Amapá. “Não sou Jean Wyllys para desistir do mandato”, gritou Renan. Em outro momento, Renan disse que Alcolumbre “sangrava” o Senado. O adversário respondeu que “imaginava” a “autoridade” de Renan de acusá-lo de denegrir a imagem da Casa.
Alcolumbre é ligado ao ministro da Casa Civil, seu colega de partido, e a mulher de Onyx, Denise, está empregada no gabinete do senador. Onyx se licenciou do ministério e passou o dia no Congresso ontem.
Sentado. Para garantir a votação aberta, Alcolumbre ocupou a cadeira da presidência do Senado desde a abertura dos trabalhos, às 15 horas, até o suspensão da sessão. Ficou mais de sete horas sentado na cadeira. “Vossa Excelência deve estar usando fraldão geriátrico”, ironizou o senador Jorge Kajuru (PSB-GO), num dos poucos momentos de descontração.
O grupo de Renan questionou a presidência de Alcolumbre, que, por ser candidato, não poderia comandar a votação. Por sua vez, o grupo de Alcolumbre só aceitava passar a presidência da sessão para o senador José Maranhão (MDB-MA), mais velho da Casa, se ficasse garantido que seria respeitada a decisão de eleição aberta. Não houve acordo para o fim do impasse. “Não posso fazer milagre”, disse Maranhão, sem deixar claro se respeitaria a votação em aberto.
O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) discutiu com Renan a ponto de serem apartados pelos colegas para não chegar às vias de fato. Renan, porém, negou que fosse agredir o tucano. Na discussão, Tasso gritou que “Renan irá para a cadeia”.
Após o encerramento da sessão, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, disse que Alcolumbre tinha autoridade e a votação em aberto deveria ser mantida. Ele negou interferência do Planalto.
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Baixo clero e ‘alternativa à velha política’.
02/02/2019
PERFIL / Davi Alcolumbre (DEM-AP), candidato à presidência do Senado
Representante do baixo clero, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) reuniu apoio à candidatura ao comando do Senado oferecendo acesso ao Planalto e se colocando como alternativa à “velha política”. O aval do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, a seu nome deu credibilidade à sua promessa de portas abertas no governo e lhe garantiu apoio.
Mas o próprio Alcolumbre, dizem adversários, é adepto de práticas consideradas da “velha política”. Como deputado, aprovou em 2009 um projeto de lei para homenagear um tio acrescentando o nome dele ao título do Aeroporto de Macapá. Em 2013, usou verba de gabinete para abastecer seus carros no posto de gasolina de um tio, como o Estado mostrou na época. Ele ainda colocou como seu suplente no Senado um irmão, Josiel Alcolumbre.
Aos 41 anos, Alcolumbre é comerciário com formação incompleta em Ciências Econômicas. Em 2018, disputou o governo do Amapá, mas perdeu. A eleição lhe rendeu uma investigação do Ministério Público Eleitoral por suspeita de pressionar servidores da Secretaria de Saúde de Macapá, em horário de expediente, a participar de atos de sua campanha. Procurado, não comentou.