Valor econômico, v. 18, n. 4465, 20/03/2018. Política, p. A7

 

Reunião do STF debate saída para 2ª instância

Maíra Magro

20/03/2018

 

 

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reúnem-se esta tarde para tentar encontrar uma saída para rediscutir a execução da pena após a condenação em segunda instância. A intenção é colocar o assunto em pauta antes que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja preso. A reunião será no gabinete da presidente da Corte, Cármen Lúcia. O convite para a reunião partiu do decano do Supremo, Celso de Mello, que falou com Cármen Lúcia na semana passada, como antecipou o Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor. Para Celso de Mello, a prisão só deve ocorrer depois de esgotados os últimos recursos às instâncias superiores. O STF não confirmou quais ministros participarão da reunião.

Há pelo menos três semanas, ministros do STF vêm travando nos bastidores um jogo de empurra-empurra para saber quem assumirá o protagonismo de pautar o assunto. Diversos integrantes da Corte entendem que a solução se torna urgente diante da iminência da prisão de Lula, que pode ocorrer já na Semana Santa. A tendência do tribunal é rever a jurisprudência para permitir a prisão após a condenação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) - uma instância depois dos tribunais de segundo grau, mas antes de chegar ao STF.

Para a maior parte dos ministros que defendem a mudança na jurisprudência, o ideal seria rediscutir a questão por meio das ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs), que tratam do tema de forma genérica, sem menção a um réu específico. O relator das ADCs, Marco Aurélio Mello, liberou os processos para julgamento em dezembro, mas Cármen Lúcia se recusa a pautá-los.

Ontem, a presidente do STF voltou a dizer que não tomará a iniciativa. Ela justifica que rever a jurisprudência em tão pouco tempo seria "casuísmo", já que o Supremo analisou o assunto três vezes em 2016 - concluindo, com placar apertado de seis votos a cinco, pela possibilidade de executar a pena após a segunda instância. Em entrevista ao Jornal das Dez, da GloboNews, Cármen Lúcia defendeu ontem que o STF pode analisar, por outro lado, a situação de cada réu, por meio de habeas corpus.

Para ela, caberia agora ao ministro Edson Fachin, relator do habeas corpus preventivo de Lula, colocar o assunto em pauta. A ministra indicou diversas vezes que não se oporá se Fachin levar o assunto para julgamento em mesa, sem necessidade de inclusão prévia na pauta do STF.

Fachin, por sua vez, afirma que elaborar a pauta é atribuição exclusiva da presidência do STF, portanto não cabe a ele levar o habeas corpus em mesa. Assim como Cármen Lúcia, o ministro é favorável ao cumprimento da pena após a decisão em segunda instância.

Fachin ainda não manifestou, por outro lado, se pode levar para julgamento em plenário os embargos declaratórios (recursos questionando omissões ou contradições na decisão) apresentados na semana passada nas ADCs relatadas por Marco Aurélio. Em 2016, o STF analisou pedidos liminares (provisórios) nessas ações - foi aí que a Corte concluiu pela possibilidade da prisão em segunda instância. Como o voto vencedor foi o de Fachin, ele se tornou o relator dos embargos declaratórios nas ADCs. A ação principal não pode ser levada para julgamento em mesa, mas os embargos podem, segundo o Regimento Interno do STF.

Nas últimas semanas, ministros tentaram costurar estratégias que deslocariam para outros integrantes da Corte o papel de pautar o assunto. Foram cogitadas alternativas para que Ricardo Lewandowski ou Marco Aurélio colocassem o assunto em pauta. Nenhuma vingou.

Ontem, o ministro Gilmar Mendes negou um pedido de habeas corpus coletivo apresentado por dez advogados do Ceará contra o ato de Cármen Lúcia de não levar o tema em pauta. A ação foi apresentada "em favor de todos os cidadãos que se encontram presos, e os que estão na iminência de serem, para fins de execução provisória de pena, decorrente de condenação confirmada em segundo grau."

Gilmar considerou que "a não inclusão em pauta não é razão para amparar a concessão de ordem genérica de habeas corpus".

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"Temos errado muito", diz Gilmar sobre Supremo

André Guilherme Vieira 

Carolina Freitas 

20/03/2018

 

 

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu ontem, em São Paulo, que a Corte inicie imediatamente a discussão sobre o início da execução de pena em regime fechado para condenados em segunda instância, e afirmou que seria "grave" se o tribunal recebesse um pedido e não o julgasse - em referência a pedido de liminar em habeas corpus preventivo solicitado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O petista foi condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) a 12 anos e 1 mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro relacionadas a um apartamento no Guarujá (SP). Lula poderá ter a execução de pena determinada pelo tribunal nos próximos dias.

"Se vai se discutir a questão num habeas corpus ou se vai se discutir numa ação declaratória de constitucionalidade, isso é irrelevante. O importante é que a questão seja discutida e que não se negue jurisdição", disse. Ontem mesmo o ministro negou um habeas corpus coletivo que beneficiaria Lula impetrado por um grupo de advogados do Ceará.

Gilmar comparou a situação à "omissão de socorro" de médico que se nega a atender um paciente. "Vocês [imprensa] fariam um grande escândalo se alguém estivesse em um dos hospitais aqui da região da avenida Paulista e lhe fosse negado atendimento. Seria omissão de socorro, não é isso? Existe isso também para nós", afirmou.

O ministro disse também que habeas corpus é uma medida considerada prioritária no Supremo e que deve ser colocada sob deliberação na "maior urgência".

"Se vai ser concedido, se não vai ser concedido, isso é outra coisa. Mas reconhecer a proteção judicial é nossa obrigação".

Durante entrevista coletiva concedida após palestrar em seminário da faculdade IDP, empresa da qual é sócio, Gilmar fez ironia endereçada a seu colega de tribunal, o ministro Luís Roberto Barroso, que modificou, na semana passada, a aplicação do indulto de Natal concedido pelo presidente Michel Temer em dezembro do ano passado.

"Eu não sei como a gente faz essa captação do sentimento do povo. Se é uma [vidente] 'Mãe Dinah' que de alguma forma a gente incorpora", disse, sem citar Barroso.

"Acho que a missão é aplicar a Constituição, não modificá-la. Eu não posso sair alterando dispositivos dizendo 'acho que o mais justo era este ou aquele', porque eu incorporei uma 'Mãe Dinah'. Estamos inventando alguma coisa que não existe em lugar algum do planeta", alertou Gilmar.

Gilmar disse ainda que o Supremo cometeu "erros" em determinados julgamentos. "Temos errado muito, erramos na questão da emenda dos precatórios, erramos na questão da doação das empresas privadas", afirmou. "Qual vai ser o quadro das eleições de 2018? Daí para pior. Porque nós nos metemos a fazer o que não sabíamos", concluiu.

Também ontem, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, afirmou que o julgamento do habeas corpus de Lula depende da iniciativa do ministro Edson Fachin, relator do habeas corpus de Lula e dos casos relacionados à Lava-Jato que tramitam na Corte.

"O STF examinará [o habeas corpus] assim que relator Edson Fachin levar em mesa, ou na Turma ou no plenário", disse, em entrevista à Rádio Itatiaia, de Minas Gerais.

"O relator é o responsável por dizer a importância do processo", afirmou. "Chegando ao Plenário será apregoado imediatamente." Cármen Lúcia confirmou que os ministros do STF farão reunião "não formal" hoje. Segundo ela, foi uma sugestão de Celso de Mello, decano do STF. "É comum a conversa acontecer", disse, sem detalhar a pauta prevista para o encontro.

A ministra disse que não "gostaria" que o Judiciário tivesse o protagonismo que têm hoje nos rumos do país. "O Poder Judiciário não age por si, de ofício, ele age quando é provocado", disse.