Valor econômico, v. 18, n. 4464, 17/03/2018. Brasil, p. A4
TCU reconhece que a 'regra de ouro' só será cumprida de modo 'excêntrico'
Murillo Camarotto
17/03/2018
O Tribunal de Contas da União (TCU) acredita que a "regra de ouro" das contas públicas será cumprida em 2019 por meio de um instrumento considerado "excêntrico", mas não ilegal. O órgão alerta, porém, que o atendimento da regra será apenas formal, sem qualquer alteração no deteriorado quadro fiscal do país.
A expectativa no órgão de controle é de que o Projeto de Lei Orçamentária (Ploa) do ano que vem seja enviado ao Congresso junto com um projeto de lei de crédito adicional, que vai contemplar todas as despesas correntes que só poderão ser pagas mediante empréstimos. Será a primeira vez que o governo admitirá, logo de saída, que não têm fôlego para pagar as contas sem tomar dinheiro emprestado.
Prevista na Constituição, a "regra de ouro" proíbe o governo de tomar empréstimos para pagar despesas correntes. O endividamento é autorizado apenas para investimentos. O descumprimento pode levar à acusação de crime de responsabilidade pelo presidente da República.
Com as sucessivas quedas na arrecadação federal registradas nos últimos anos, entretanto, o cumprimento da regra foi ficando cada vez mais complicado, já que as despesas continuaram a crescer. Para 2019, o atendimento da regra ficou praticamente inviabilizado, deixando como última opção o acionamento das ressalvas constitucionais.
O Artigo 167 da Constituição diz que o uso das operações de crédito para despesas correntes só será possível após aprovação, por maioria absoluta, nas duas casas do Congresso Nacional.
O envio de um projeto de crédito adicional junto com a Ploa divide opiniões no TCU, mas há um certo consenso de que não se trataria de algo ilegal. "Trata-se de uma situação em que há cumprimento [da 'regra de ouro'], mas na qual você continua usando o endividamento para pagar despesas correntes. É como pagar o almoço no cheque especial todos os dias", disse um auditor do TCU.
Há ainda uma preocupação com a necessidade de reforma da legislação. Os técnicos do tribunal entendem que a intenção da lei é boa, mas que o cumprimento se tornou impossível. Se consideradas as duras consequências legais de um eventual descumprimento, a necessidade de atualização do texto é ainda maior. Houve, no início deste ano, tentativas de mudança no Congresso, mas as negociações não evoluíram e foram para a gaveta.
O Tesouro estima que as operações de crédito estão excedendo em R$ 208,6 bilhões as despesas de capital (investimentos, inversões financeiras e amortizações da dívida pública) neste ano, o que é vedado pela Constituição.
Na semana retrasada, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia, afirmou que a equipe econômica iria tratar da "regra de ouro" já em abril, quando o governo tem que enviar ao Congresso a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
"A gente vai tratar disso no envio em abril, vamos esperar mandar a LDO", afirmou ao ser questionado sobre o tema. De acordo com o entendimento da consultoria técnica do Congresso Nacional, o governo tem que preparar as peças orçamentárias do ano que vem já prevendo que haverá um buraco para o cumprimento da norma constitucional.