Valor econômico, v. 18, n. 4457, 08/03/2018. Política, p. A7

 

STF articula revisão de prisão em 2ª instância

Maíra Magro

08/03/2018

 

 

A solução que se articula no Supremo Tribunal Federal (STF) para rediscutir a prisão após a condenação em segunda instância passa pela iniciativa de um ministro apresentar, em mesa, um habeas corpus que trate do assunto. O julgamento poderia ser provocado por pelo menos dois ministros que têm casos nessas condições: Edson Fachin, relator do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ou Ricardo Lewandowski, relator de dois HCs sobre o tema.

Quando o relator leva um processo para julgamento em mesa, o caso não precisa constar da pauta elaborada e publicada pela presidência. Pela tradição, o relator apenas comunica informalmente o presidente da Corte que levará o processo para julgamento, em uma espécie de acordo de cavalheiros. E é o relator que anuncia o caso a ser julgado em mesa durante a sessão, não o presidente do tribunal.

A solução aliviaria as pressões sobre a presidente do STF, Cármen Lúcia, que continua impassível na decisão de não pautar a rediscussão sobre o cumprimento da pena após a segunda instância. Com o caso levado para julgamento por outro ministro, ela não teria que assumir o ônus da decisão. A ministra vem repetindo que a questão foi discutida duas vezes no ano passado e não seria salutar voltar a ela neste momento. Mas Cármen Lúcia não teria por que se opor à rediscussão do tema se outro ministro levar um habeas corpus em mesa.

A solução está prevista no artigo 192 do Regimento Interno do STF, que trata do julgamento de pedidos de habeas corpus. Segundo o artigo 192, quando a matéria discutida no habeas corpus não for objeto de jurisprudência consolidada no STF, o relator ouvirá o procurador-geral da República em dois dias e "apresentará o feito em mesa para julgamento na primeira sessão da turma ou do plenário". A solução poderia ser usada para um novo habeas corpus de Lula ou outro processo semelhante, apontam interlocutores de ministros do Supremo. Para eles, a falta de consenso na Corte sobre a atual jurisprudência justificaria o uso do artigo 192 do Regimento Interno.

Ontem de manhã, Fachin esteve no gabinete de Cármen Lúcia. O motivo do encontro não foi revelado pelo tribunal. Na véspera, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) havia negado um habeas corpus preventivo em que Lula tentava se livrar da prisão após a condenação definitiva pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) - que pode ocorrer até o fim deste mês.

O gabinete de Cármen Lúcia aponta que a ministra costuma receber integrantes da corte com frequência. Luiz Fux também se reuniu com ela na manhã de ontem. Mas o encontro com Fachin chamou a atenção por ele ser o relator do processo de Lula no STF.

A decisão do STJ na véspera tornou mais delicada a situação do ex-presidente, e também a do Supremo, sobre quem recairia a responsabilidade, em última instância, pela prisão do ex-presidente. Além de Lula, políticos de diversos partidos envolvidos na Operação Lava-Jato serão diretamente afetados pela decisão de permitir ou não o cumprimento da pena após a sentença de um tribunal em segundo grau. Advogados e ministros do STF apontam que o cenário atual da Corte traz insegurança jurídica, devido à falta de consenso sobre a jurisprudência.

Um habeas corpus de Lula está para ser julgado no Supremo desde 9 de fevereiro, quando foi liberado pelo relator, Edson Fachin, dependendo apenas de Cármen Lúcia colocá-lo em pauta. As chances de sucesso desse habeas corpus são tidas como pequenas, porque Fachin já negou a liminar requerida pela defesa com o argumento de que o caso teria que passar primeiro pelo STJ.

Então, o mais provável é que os ministros decidam analisar um novo habeas corpus que deve ser apresentado em breve pela defesa de Lula. A partir daí, o relator poderia optar por rejeitá-lo sozinho, se entender que a discussão sobre a prisão em segunda instância já é pacífica no STF.

Mas se o relator entender que a questão não é pacífica, poderá recorrer ao artigo 192 do Regimento Interno. O julgamento dos processos de habeas corpus têm preferência em relação aos demais por envolverem réus com a liberdade de ir e vir ameaçada.

Diversas iniciativas recentes de ministros vêm pressionando o STF a rever a prisão em segunda instância. Na semana passada, a 2ª Turma encaminhou para julgamento do plenário dois habeas corpus que tentam evitar a prisão antes de esgotados os recursos às cortes superiores. Os ministros justificaram que a discussão não é pacífica. O relator dos dois casos é o ministro Ricardo Lewandowski. Esta semana, o ministro Dias Toffoli suspendeu o julgamento de dois recursos sobre o mesmo assunto até que o plenário volte a se manifestar. Some-se a isso diversas decisões isoladas dos ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello permitindo que réus recorram em liberdade mesmo que condenados em segunda instância.

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Defesa de Temer contesta vazamento de dados

Andrea Jubé

Maíra Magro

08/03/2018

 

 

A defesa do presidente Michel Temer protocolou ontem uma petição ao ministro Luís Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal em que expõe por que não teria ocorrido vazamento de dados sigilosos relativos ao inquérito dos portos. Os advogados afirmam que se tratam de informações obtidas por meio de "pesquisa pública, disponível a todo e qualquer cidadão". No mesmo documento, reforçam o pedido para ter acesso ao procedimento em que Barroso determinou a quebra do sigilo bancário de Temer.

Barroso demonstrou irritação ontem ao ser abordado por jornalistas na entrada da sessão plenária do STF. Ele avisou que não falaria nada sobre o inquérito envolvendo o presidente por se tratar de um processo em sigilo.

"O procedimento é sigiloso", insistiu Barroso, enfatizando o último termo. "As palavras perderam sentido no Brasil", reclamou.

Os advogados de Temer disseram, na petição, que "não houve vazamento de informações consideradas sigilosas". Os advogados Antônio Claudio Mariz de Oliveira e Brian Alves Prado afirmam que se torna desnecessária a apuração do vazamento determinada por Barroso.

Segundo os advogados, "todas as informações constantes das petições, que se resumem a números de autuação, foram obtidas por meio de pesquisa pública, disponível a todo e qualquer cidadão, sem nenhum caráter sigiloso, no próprio sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal, na seção do 'Diário da Justiça Eletrônico'".

Em despacho proferido na terça-feira, Barroso disse que houve conhecimento pela defesa de Temer "até mesmo dos números de autuação que teriam recebido procedimentos de investigação absolutamente sigilosos", e determina a "apuração das responsabilidades cabíveis".

Na petição, os advogados de Temer afirmam que souberam da quebra do sigilo do presidente pela imprensa. Explicam que pediram vista dos autos em três processos distintos, "por não saber em qual deles a quebra fora determinada". Dizem que intuíram, "por dedução lógica", como se referiam ao inquérito dos portos, que a quebra do sigilo deveria ter sido determinada em um desses processos.

No fim, reforçam o pedido para ter acesso à petição que requereu a quebra do sigilo bancário de Temer, bem como à respectiva decisão. Temer é um dos investigados no inquérito, relatado por Barroso, que investiga eventual favorecimento ilícito pelo decreto que instituiu novas regras para empresas que atuam na área de portos.